O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou contra as medidas restritivas impostas a Jair Bolsonaro (PL), incluindo o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de redes sociais e recolhimento domiciliar. Em decisão isolada, o magistrado sustentou que não há provas concretas de tentativa de fuga ou obstrução e que as cautelares impõem restrições desproporcionais aos direitos do ex-presidente.
Apesar do voto divergente, a Primeira Turma do STF confirmou as medidas por 4 a 1, consolidando a posição do relator Alexandre de Moraes. A maioria, formada por Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino, validou as medidas com base em indícios de coação, obstrução da Justiça e tentativa de envolvimento de governo estrangeiro na pressão contra o Judiciário brasileiro.
Divergência de Fux expõe debate sobre limites do processo penal
A posição de Fux se torna relevante não apenas pelo conteúdo do voto, mas pelo momento em que ocorre. Ele questiona diretamente a proporcionalidade das restrições e sua base probatória, retomando fundamentos clássicos do direito penal, como o princípio da legalidade, da presunção de inocência e a exigência de contemporaneidade dos indícios para medidas cautelares.
O contraste é evidente: em 2018, ao julgar pedidos da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fux não demonstrou o mesmo zelo com os princípios da legalidade e da presunção de inocência. Na ocasião, endossou decisões da Lava Jato que mais tarde foram consideradas parciais e anuladas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em julgamento que expôs os abusos cometidos por Sergio Moro, que hoje é senador do Paraná pelo União Brasil.
Voltemos ao caso Bolsonaro. Fux argumenta que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República não apresentaram novas provas que justificassem a urgência da tornozeleira e do toque de recolher. Ressalta ainda que o impedimento de uso das redes sociais, de forma genérica, “colide com cláusulas pétreas da Constituição”, como a liberdade de expressão.
“Não se vislumbra nesse momento a necessidade, em concreto, das medidas cautelares impostas”, escreveu o ministro, reforçando que a restrição prévia de comunicação é medida extrema sem base concreta.
A divergência de Fux pode mudar os rumos da defesa
Embora vencido no julgamento da Primeira Turma, o voto de Luiz Fux abriu uma possibilidade estratégica para a defesa de Jair Bolsonaro. No rito processual penal do STF, a existência de voto divergente em colegiado habilita a parte a apresentar um agravo regimental, levando a decisão para reanálise no Plenário da Corte, instância composta pelos 11 ministros.
Ou seja, a defesa poderá recorrer da decisão que confirmou as medidas cautelares impostas por Alexandre de Moraes e pedir que todo o Supremo reavalie o caso, sob a justificativa de que há “fundada divergência interna” sobre a legalidade e proporcionalidade das restrições.
Esse caminho jurídico já foi utilizado em outras ocasiões, como nos processos da Lava Jato, e pode ganhar força agora com a argumentação de Fux centrada na ausência de provas contemporâneas e na violação de liberdades constitucionais.
A movimentação, se confirmada, forçará o Supremo a discutir em plenário se a tornozeleira, o toque de recolher e a proibição de redes sociais contra um ex-presidente se sustentam juridicamente, ou se extrapolam os limites das cautelares previstas no processo penal.
Impacto jurídico e político do voto solitário
Embora minoritário, o voto de Fux poderá repercutir nos próximos capítulos do processo. Em termos processuais, ele serve como precedente para eventual revisão das medidas ou questionamentos no plenário completo do STF, a depender do curso da ação penal (AP 2668).
Na esfera política, a dissidência reforça o discurso de perseguição usado por aliados do ex-presidente, que passaram a articular moções de repúdio ao STF e convocação de atos em defesa de Bolsonaro na Câmara. Filipe Barros (PL-PR) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) encabeçam essas ações, enquanto o deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) mobiliza moções na Comissão de Segurança Pública.
O voto também alimenta especulações sobre a blindagem de Fux diante de sanções do governo dos Estados Unidos, que teria revogado vistos de outros ministros do STF em meio à crise com Donald Trump, informação que circula nos bastidores políticos e jurídicos de Brasília.
Moraes ameaça prisão por novo descumprimento
A tensão institucional aumenta com a possibilidade de o ministro Alexandre de Moraes decretar a prisão de Bolsonaro, caso ele volte a violar as medidas. Desde sexta-feira (18), o ex-presidente passou a exibir a tornozeleira e limitou suas aparições, inclusive cancelando entrevista ao vivo por receio de descumprir as ordens judiciais.
Aliados próximos avaliam que o cerco judicial pode culminar na prisão de Bolsonaro entre o fim de agosto e o início de setembro, possivelmente durante a Semana da Pátria. Silas Malafaia já convocou manifestações para o dia 3 de agosto, antecipando essa narrativa.
O ministro Moraes entende que há clara tentativa de cooptação de um governo estrangeiro, os EUA de Trump, para constranger o Judiciário brasileiro e interferir diretamente no julgamento da trama golpista. Segundo Moraes, as manifestações públicas de Trump e os contatos entre Jair e Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos configuram “atos hostis contra a soberania nacional”.
Próximos passos do julgamento e cenário de tensão
Com o recesso do STF até o fim do mês, os próximos desdobramentos devem ocorrer na retomada das sessões presenciais. Moraes poderá converter as medidas cautelares em preventiva, caso entenda que Bolsonaro continua a desobedecer ou ameaça a integridade do processo.
Na arena política, o embate deve crescer no Congresso, com tentativas de instalar uma CPI do Abuso de Autoridade, limitar decisões monocráticas no STF e aprovar projetos que pressionem o Judiciário.
Bolsonaro, por sua vez, pretende manter a narrativa de vítima de perseguição, mesmo com monitoramento eletrônico e toque de recolher. O voto de Fux, ainda que isolado, surge como trincheira jurídica e simbólica para reforçar esse discurso, e como alerta de que, dentro da própria Corte, há resistência à escalada de medidas restritivas sem provas novas e consistentes.
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Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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