Leia a íntegra da decisão de Gilmar Mendes que suspendeu a “Lava Jato” do Rio de Janeiro

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou na noite de sexta-feira (18/11) todas as decisões do juiz federal Vítor Barbosa Valpuesta, do Rio de Janeiro, contra a Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de suspender inquérito policial e processos relacionados. A decisão atendeu Reclamação da defesa que foi conhecida como Habeas Corpus de ofício.

O ministro do STF reconheceu a incompetência absoluta da Justiça Federal para tratar de pessoas, instituições e fatos sem relação alguma com a União. Apontou também que essa foi a terceira tentativa de julgar ocorrências e situações já julgadas antes — o que caracteriza a perseguição à FGV.

Por esse motivo, o ministro Gilmar Mendes encaminhou o caso para as corregedorias do CNJ e do CNMP, em vista do “reiterado descumprimento de decisões proferidas por esta Corte na matéria sob exame”.

Economia

A Reclamação foi feita no âmbito da Ação Cível Originária 3.456, com pedido de liminar. O caso será remetido à Justiça Estadual, que já havia julgado a mesma matéria — do que derivou, inclusive, um Termo de Ajustamento de Conduta bem-sucedido.

O ministro considerou que a 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro atuou como um “tribunal de exceção”, não só pela usurpação de competência, mas também pelo uso de conexões inventadas, entre fatos e pessoas; bem como pela falta de fundamento no uso de delação sem elementos de corroboração.

Natal Foz

Gilmar Mendes escreveu que, assim como ocorreu em outros casos da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro, promoveu-se uma tentativa de expandir a jurisdição da Justiça Federal para fatos que, a rigor, não atraem a competência especializada aludida no art. 109 da Constituição Federal.

“Com efeito, é possível perceber no caso em análise e em diversos outros feitos da Lava Jato do Rio de Janeiro, os quais se encontram submetidos a esta Relatoria por prevenção, uma tentativa de indevida expansão ou universalização da competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro”, observou o ministro.

Em tempo: a Lava Jato foi desbaratada em 2021, depois de sete anos dissimulando mentiras e perseguindo adversários políticos e ideológicos.

O que foi a Lava Jato

A Operação Lava Jato, que vigorou entre 2014 e 2021, é considerada a maior a guerra híbrida e lawfare – uso do direito na disputa política – do mundo. O objetivo era remover a presidente Dilma Rousseff e o PT do poder, pelo golpe de Estado, bem como prender ilegalmente o ex-presidente Lula para garantir a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Todas as ações penais contra Lula foram anuladas e o então juiz Sergio Moro considerado parcial.

Confira a íntegra da decisão de Gilmar Mendes:

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 3.456 DISTRITO FEDERAL

RELATOR                             : MIN. GILMAR MENDES

AUTOR(A/S)(ES)                 : MINISTÉRIO PÚBLICO  DO  ESTADO  DO  RIO  DE

JANEIRO

PROC.(A/S)(ES)                   : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO

RÉU(É)(S)                             : UNIÃO

PROC.(A/S)(ES)                   : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

RÉU(É)(S)                             : CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

PROC.(A/S)(ES)                   : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

RÉU(É)(S)                             : CONSELHO NACIONAL DAS FUNDAÇÕES DE APOIO ÁS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR E DE PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA- CONFIES

ADV.(A/S)                            : RAFAEL MARINELLI DA SILVA

RÉU(É)(S)                             : FUNDACAO GETULIO VARGAS

ADV.(A/S)                            : RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH

ADV.(A/S)                            : SOCIEDADE DE ADVOGADOS MUDROVITSCH

Decisão: Trata-se de petição, com pedido liminar, apresentada pela Fundação Getúlio Vargas (eDOC 182) nos autos da Ação Civil Originária nº 3456, por meio da qual requer a anulação das decisões proferidas pelo Juízo da 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro nos autos do Inquérito Policial nº 5004432-07.2020.4.02.5101 e nos feitos derivados, autos 5114934-76.2021.4.02.5101, n˚ 5035660-97.2020.4.02.5101 e n˚ 5088607-31.2020.4.02.5101.

Requer ainda seja declarada a incompetência da Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro para o processamento do IP 5004432- 07.2020.4.02.5101, a ser remetido à Justiça Estadual.

Afirma o requerente que a decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro usurpou a competência do Supremo Tribunal Federal em matéria tratada na Ação Civil Originária em apreço.

Defende que ACO foi ajuizada pelo MPRJ em face da FGV, da União Federal, do CNMP e do CONFIES com objetivo de alterar o atual modelo de fiscalização e supervisão da fundação e de suas contas.

Aduz que, violando a competência do STF, o juízo federal fluminense, de forma paralela a esta Ação, determinou a execução de medidas cautelares constritivas em detrimento de diversos membros integrantes do corpo diretivo da FGV/RJ, nos autos do feito nº 5114934- 76.2021.4.02.5101 (eDOC. 184/187).

Explicita que o feito nº 5114934-76.2021.4.02.5101 é conexo ao IP 5004432-07.2020.4.02.5101, o qual teria por objeto a apuração de pareceres supostamente fraudulentos da FGV-Projetos para viabilizar a realização de obras no Estado do Rio de Janeiro, por meio de contratações ilegais, com dispensa de licitação e pagamento de propinas.

Alega que o caderno apuratório nº 5004432-07.2020.4.02.5101 foi enviado inicialmente ao Juízo da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do RJ, por ser o responsável pela condução da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato do Rio de Janeiro. Após, este juízo determinou que a investigação fosse livremente distribuída entre as Varas Criminais Federais fluminenses.

Diante disso, o IP 5004432-07.2020.4.02.5101 foi enviado ao Juízo da 3ª Vara Federal, o qual deferiu as medidas cautelares ora questionadas.

Defende que o ajuizamento da presente ação é uma demonstração da conduta extrapolada do exercício funcional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro no controle fiscalizatório da peticionante.

Sustenta que após tentativas não exitosas de perseguir a Fundação, em face do CNMP e da Justiça Estadual, o parquet estadual enviou fatos supostamente conexos aos apurados pelo STF para o Ministério Público Federal, a fim de justificar uma investigação inédita contra a FGV.

Assim, segundo alega, o MPF apresentou pedidos de medidas cautelares criminais perante a Justiça Federal, sob o argumento de correlação com a organização criminosa composta pelo ex-Governador, Sérgio Cabral, mas relacionada a fatos apurados pelo MPRJ em seu inquérito civil, na ação movida perante o TJRJ e aos fatos expostos na inicial desta ACO.

Frisa que a medida pleiteada pelo MPF perante a Justiça Federal caracteriza subterfúgio para atingir a imagem da peticionante.

Afirma que os agentes, obras e serviços envolvidos se restringem ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, com abrangência limitada a interesse estadual, não havendo qualquer interesse federal revelado. Consequentemente, não haveria competência da justiça federal para apuração do inquérito ou para proferir qualquer decisão acerca dos fatos apontados pelo MPF.

Alega que a peça ministerial teria abordado ilícitos contidos na colaboração premiada de Carlos Miranda relacionados à utilização da FGV para encobrir contratação fraudulenta do Banco Prosper e envolvimento de integrantes da FGV em projeto de construção da linha 4 do metrô do Rio de Janeiro.

Ressalta outros fatos teoricamente utilizados para inflar a investigação, tais quais:

  1. a contratação da FGV para assessorar a venda do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BERJ), sem subsunção a qualquer crime contra o sistema financeiro nacional;
  2. o envolvimento da FGV com a seleção de projetos de construção do novo prédio da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), com suposto pagamento a Sérgio Cabral;
  3. a atuação da FGV e de seus colaboradores na análise de conformidade da proposta apresentada por Paulo Tupinambá para projeto de construção do Novo Centro Administrativo (NCAERJ), com alegação de repasse de informações privilegiadas a ele.

Conclui que houve indevida aglutinação de fatos não correlatos entre si pelo Parquet. Acrescenta que todos os fatos se restringem ao âmbito estadual, não havendo qualquer interesse da União ou envolvimento de verbas federais.

Esclarece que apesar de haver menções acerca de indivíduos e contas bancárias situados no exterior, não há qualquer vinculação destes aos fatos apurados, nem demonstração de elementos concretos a apontar transações ilícitas e transnacionais para justificar a competência da Justiça Federal.

Aduz que este não é um caso isolado e que atuações semelhantes têm sido apreciadas por esta Turma, nas quais o parquet federal empreende esforços para concentrar excessivamente casos de aparente interesse estadual na Justiça Federal do Rio de Janeiro, seja em sua 7ª Vara Criminal ou outras de mesmo âmbito, relacionando-os a Sérgio Cabral.

Reitera entendimento adotado por esta Suprema Corte no Inquérito 4.130, segundo o qual a colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração de competência, devendo o feito ser livremente distribuído conforme o bem jurídico violado, casuisticamente.

Assevera que a decisão questionada viola as garantias constitucionais do juiz natural, do devido processo legal e carece de fundamentação adequada.

Afirma que não se verifica a contemporaneidade das constrições judiciais impugnadas, destacando que a investigação foi instaurada há quase três anos (27.01.2020), para apurar fatos ocorridos há quase dez anos. Menciona, como exemplo, as negociações envolvendo a venda do BERJ, ocorridas no começo dos anos 2000, e transferências bancárias realizadas entre 2010 e 2013.

Sustenta que as cautelares deferidas nos autos do feito n. 5114934- 76.2021.4.02.5101 se destinam à realização de fishing expedition contra os investigados e que não há qualquer indício de dilapidação patrimonial por parte destes que justificasse as constrições.

Destaca, em arremate, que todas as obrigações impostas no Termo de Ajustamento de Conduta, celebrado nos autos do procedimento administrativo MPRJ 2021.00500843, estão sendo cumpridas pela requerente.

Requer, liminarmente, o sobrestamento de todas as medidas cautelares impostas nos autos nº 5114934-76.2021.4.02.5101 e das medidas investigativas realizadas no caderno investigativo nº 5004432- 07.2020.4.02.5101 e  em todos  os  feitos dele  derivados, como  os de  nº 5035660-97.2020.4.02.5101 e nº 5088607-31.2020.4.02.5101.

No mérito, pugna pela declaração de incompetência da Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para julgar os mencionados feitos, a serem remetidos à Justiça Estadual. Requer, em consequência, a anulação de todos os atos decisórios proferidos pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro nesta apuração e nos feitos derivados, como os autos nº 5114934-76.2021.4.02.5101, nº 5035660- 97.2020.4.02.5101 e nº 5088607-31.2020.4.02.510.

É o relatório.

Decido.

Do conhecimento do pedido.

De início, identifico que a petição ora analisada foi protocolada como incidente na ACO 3.456, da minha relatoria, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em face da Fundação Getúlio Vargas, da União Federal, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica – CNFIES, em que se busca, em apertada síntese, alterar o atual modelo de fiscalização e supervisão das fundações de pesquisa e ensino.

Alega-se, aqui, que a decisão recentemente proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro usurpou competência do Supremo Tribunal Federal para dirimir a controvérsia deduzida nos autos da ação cível originária, que, conforme alegam os patronos, abrangeria não apenas a higidez da decisão prolatada pelo CNMP nos autos do Pedido de Providências nº 1.00932/2019-15, como também a própria legitimidade da atuação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em relação à Fundação Getúlio Vargas.

Ao final, formula-se pedido incidental de tutela de urgência para, afastando o risco de usurpação da competência deste Tribunal, determinar a remessa do inquérito policial 5004432-07.2020.4.02.5101 para Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Sucessivamente, requereu-se a “apreciação do pleito acima deduzida com fulcro no artigo 654, §2º, do Código de Processo Penal”, que confia a todos os juízes e tribunais a competência para expedir ordem de habeas corpus, quando verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.

A esse respeito, entendo que, a despeito das dificuldades inerentes à identificação do procedimento e do ambiente mais adequado para exame das teses deduzidas pela parte, é fato que as razões invocadas na petição inicial apontam não apenas para graves vícios formais na decisão impugnada, como também para uma manifesta violação de jurisprudência consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Em situações como essa, tenho para mim que, sem prejuízo do posterior equacionamento de aspectos formais, o enfoque do Tribunal deve ser a imediata correção dos vícios perpetrados pelas instâncias ordinárias, sobretudo em se tratando de processos de índole penal. Afinal, ante a possibilidade de lesão a direitos básicos do acusado, não é dado ao Supremo Tribunal Federal hesitar diante de abuso de poder cometido por quaisquer autoridades públicas. Antes, compete-lhe agir com o rigor e a presteza necessários para conter excessos praticados na condução da persecução penal, de modo a inibir eventuais afrontas à liberdade do cidadão.

Não por outra razão, a jurisprudência deste Corte se firmou no sentido da possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício nos casos em que constatado manifesto constrangimento ilegal. Cuida-se de providência que tem sido adotada em casos absolutamente aberrantes ou teratológicos, nos quais “a) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; ou b) a negativa de decisão concessiva de medida liminar pelo tribunal superior importe na caracterização ou na manutenção de situação que seja manifestamente contrária à jurisprudência do STF” (HC 95.009, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06.11.2008).

No presente caso, reputo que os documentos colacionados aos autos sinalizam graves ilegalidades, cognoscíveis de plano para fins de concessão de medida liminar em habeas corpus, as quais prescindem da produção de provas complementares, colheita de informações ou imersão vertical sobre o acervo probatório produzido perante as instâncias ordinárias.

Basta um breve lançar de olhos sobre as decisões proferidas pelo Juízo de origem para concluir que, assim como ocorreu em outros casos da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro, promoveu-se uma tentativa de expandir a jurisdição da Justiça Federal para fatos que, a rigor, não atraem a competência especializada aludida no art. 109 da Constituição Federal.

De todo modo, e antes mesmo de adentrar a análise das teses deduzidas pelo requerente, passo a tecer breves considerações para demonstrar a prevenção desta Relatoria em relação ao pedido de habeas corpus formulado pela Fundação Getúlio Vargas. Inicialmente, registro que a decisão judicial em exame foi proferida nos autos do Inquérito 5004432-07.2020.4.02.5101, em que se apura a “produção de pareceres pretensamente fraudulentos da FGV-Projetos, para viabilizar a realização de obras no Estado do Rio de Janeiro, por meio de contratações alegadamente ilegais com dispensa de licitação e, consequentemente e correlatamente, pagamento de propinas”.

Como bem explicado pelos requerentes, referido inquérito policial foi inicialmente distribuído ao Juízo Federal responsável pela condução da assim conhecida Força-Tarefa da Operação Lava Jato no Estado do Rio de Janeiro/RJ, a saber, a 7ª Vara Federal Criminal da SJRJ. Dessa forma, há elementos sólidos que apontam para a conclusão de que, ao menos sob a ótica das instâncias de origem, o inquérito em exame guarda inúmeros pontos de contato com os fatos ilícitos apurados no âmbito da Lava Jato do Rio de Janeiro.

Pois bem. Ao disciplinar a distribuição por prevenção no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dispõe o art. 77-D, §1º, do RISTF que “serão distribuídos por prevenção os habeas corpus oriundos do mesmo inquérito ou ação penal”. Na sequência, prevê o §2º que “a prevenção para habeas corpus relativo a ações penais distintas oriundas de um mesmo inquérito observará os critérios de conexão e continência”.

Não por outra razão, a Presidência do Tribunal tem distribuído a este gabinete diversos habeas corpus e reclamações constitucionais ajuizadas contra decisões proferidas no âmbito da Lava Jato do Rio de Janeiro. Destaco, a título exemplificativo, a distribuição, por prevenção, das seguintes ações constitucionais, todas elas relacionadas à referida operação policial: HC 141.478; HC 143.247; HC 146.666; HC 181.978; HC

200.541; HC 203.261; e HC 161.021.

Do exposto, não obstante a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício por qualquer juízo ou Tribunal, nos termos do art. 654,

§2º, do Código de Processo Penal, vou além, por precaução, para reconhecer expressamente a prevenção desta Relatoria para análise do pedido formulado pela Fundação Getúlio Vargas, notadamente por se tratar  de impugnação formulada contradecisão proferida em investigação criminal relacionada à Operação Lava Jato do Rio de Janeiro. Destaco que, à luz do art. 654, §2º, do CPP, tal medida poderia ser concedida no bojo dos presentes autos, independentemente da natureza da demanda. Aliás, penso que seria desnecessária até mesmo qualquer

providência de reautuação do pedido.

Contudo, de modo a manter a organização e o bom andamento desta ação civil originária e do habeas corpus formulado incidentalmente, concluo que é pertinente encaminhar a presente petição e os documentos apresentados em anexo à Secretaria Judiciária para fins de reautuação como habeas corpus.

Antes, porém, dada a urgência do caso, passo a apreciar o pedido liminar deduzido pelo requerente, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do art. 109 da Constituição da República.

Da indevida expansão da competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

No caso em análise, observo que consta da petição apresentada pelo requerente a alegação de incompetência do juízo de primeiro grau, tendo em vista a ausência de indicação de hipóteses específicas que justifiquem o processamento do feito perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro.

No que se refere a essa questão, é importante assentar que a garantia do juiz natural, prevista no art. 5º, XXXVIII e LIII, da Constituição de 1988, exige que os julgamentos sejam realizados pela autoridade jurisdicional competente, sendo proibida a designação de juízos ou tribunais de exceção.

A norma do art. 5º é reproduzida em praticamente todos os países de forte tradição constitucional, tratando-se de uma das principais garantias civilizatórias estabelecidas e consolidadas nos últimos séculos.

Em Portugal, Jorge de Figueiredo Dias (Direito processual penal, 1974, p. 322-323) defende que a ideia de juiz natural assenta-se em três postulados básicos: (a) somente são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; (b) ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; (c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências, que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja.

Na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, decidiu-se que integra o conceito de juiz natural, para os fins constitucionais, a ideia de imparcialidade, isto é, a concepção de “neutralidade e distância em relação às partes (Neutralität und Distanz des Richters gegenüber den Verfahrensbeteiligter)” (BVerfGE, 21, 139 (146)).

Discorrendo sobre a experiência colombiana, Carlos Bernal Pulido afirma que “O direito a um juiz natural é um direito a um juiz pré-estabelecido, com competências fixadas em lei, de maneira a possibilitar a garantia da imparcialidade” (PULIDO, Carlos Bernal, El derecho de los derechos. Escritos sobre la aplicación de los derechos fundamentales, p. 362).

Na doutrina italiana, Pietro Villaschi (Il principio del giudice naturale) discorre sobre o princípio:

(…) nucleo essenziale della garanzia di cui si tratta risiede, come affermato dalla stessa giurisprudenza costituzionale, nella necessità che la legge pre-costituisca un ordine preciso di competenze a giudicare, non essendo sufficiente la sola pre-determinazione legislativa di una competenza generale.” Tradução: O núcleo essencial da garantia em questão reside, como afirma a mesma jurisprudência constitucional, na necessidade de que a lei estabeleça previamente uma ordem precisa de competências para julgar, não sendo suficiente a mera pré-determinação legislativa de uma competência geral.”

Portanto, o juiz natural é aquele previamente definido pela Constituição e pela legislação como órgão competente e imparcial para conhecer determinada demanda, sendo a competência definida como “a porção, quantidade, medida ou grau de jurisdição que corresponde a cada juiz ou tribunal”, conforme assentou a Corte Constitucional da Colômbia (Sentencia C-040 de 1997, Magistrado Ponente Antonio Barrera Carbonell).

Por sua vez, a fixação da competência deve obedecer a determinadas características, como: a legalidade, pois deve ser fixada por lei em sentido estrito; a imperatividade, que significa a impossibilidade de ser derrogada por vontade das partes; a imodificabilidade, porque não pode ser alterada durante o curso do processo (perpetuatio jurisdictionis); e a indelegabilidade, já que não pode ser transferida por quem a possua para outro órgão. Além disso, trata-se de matéria de ordem pública, posto que fundada em princípios de interesse geral (PULIDO, Carlos Bernal, El derecho de los derechos. Escritos sobre la aplicación de los derechos fundamentales, p. 362).

Destaque-se que essa rígida proteção à garantia fundamental do juiz natural busca assegurar às pessoas investigadas o direito a um julgamento justo, por órgão imparcial, equidistante e previamente definido de acordo com os critérios legais, o que entendo não ocorrer na situação sob exame.

Com efeito, é possível perceber no caso em análise e em diversos outros feitos da Lava Jato do Rio de Janeiro, os quais se encontram submetidos a esta Relatoria por prevenção, uma tentativa de indevida expansão ou universalização da competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Não é por outro motivo que as defesas dos acusados vêm se insurgindo há bastante tempo contra essa estratégia inquisitiva, conforme se observa dos inúmeros questionamentos que constam das ações, recursos e habeas corpus ajuizados nesta Corte.

Ou seja, não se trata de um argumento novo ou originário do requerente, mas sim de séria e considerável divergência defensiva contra os métodos heterodoxos – para dizer o mínimo –, adotados por esses braços da operação Lava Jato.

Nessa linha, destaco que o Plenário desta Corte fixou premissas importantes sobre os critérios delimitadores da competência no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4.130/PR, cuja ementa se transcreve abaixo:

“[…] A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração de competência.

  • A competência para processar e julgar os crimes delatados pelo colaborador que não sejam conexos com os fatos objeto da investigação matriz dependerá do local em que consumados, de sua natureza e da condição das pessoas incriminadas (prerrogativa de foro).
  • Os elementos de informação trazidos pelo colaborador a respeito de crimes que não sejam conexos ao objeto da investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas em outros meios de obtenção de prova, como a busca e apreensão e a interceptação telefônica.
  • A prevenção, essencialmente, não é um critério primário de determinação da competência, mas sim de sua concentração, razão por que, inicialmente, devem ser observadas as regras ordinárias de determinação da competência, tanto ratione loci (art. 70, CPP) quanto ratione materiae.

[…]

  • A prevenção, nos termos do art. 78, II, c, do Código de Processo Penal, constitui critério residual de aferição da competência.
  • Não haverá prorrogação da competência do juiz processante – alargando-a para que conheça de uma causa para a qual, isoladamente, não seria competente -, se não estiverem presentes i) uma das hipóteses de conexão ou de continência (arts. 76 e 77, CPP) e ii) uma das hipóteses do art. 78, II, do Código de Processo Penal.
  1. Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, ‘a conexão intersubjetiva ou instrumental decorrente do simples encontro fortuito de prova que nada tem a ver com o objeto da investigação principal não tem o condão de impor o unum et idem judex’. Do mesmo modo, ‘o simples encontro fortuito de prova de infração que não possui relação com o objeto da investigação em andamento não enseja o simultaneus processus(RHC nº 120.379/RO, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 24/10/14).
  2. Ainda que o juízo de origem, com base nos depoimentos do imputado colaborador e nas provas por ele apresentadas, tenha decretado prisões cautelares e ordenado a quebra de sigilos bancário ou fiscal e a realização de busca e apreensão ou de interceptação telefônica, essas medidas, por si sós, não geram sua prevenção, com base no art. 83 do Código de Processo Penal, caso devam ser primariamente aplicadas as regras de competência do art. 70 do Código de Processo Penal (local da consumação) ou do art. 78, II, a ou b, do Código de Processo Penal (determinação do foro prevalente, no caso de conexão ou continência).

[…] 14. O fato de a polícia judiciária ou o Ministério Público Federal denominarem de ‘fases da operação Lava- jato’ uma sequência de investigações sobre crimes diversos – ainda que sua gênese seja a obtenção de recursos escusos para a obtenção de vantagens pessoais e financiamento de partidos políticos ou candidaturas – não se sobrepõe às normas disciplinadoras da competência”.

(…) (Inq 4.130 QO, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe 3.2.2016).

Nesse precedente, assentou-se, em primeiro lugar, que o fato de a polícia judiciária ou o Ministério Público Federal denominarem determinadas apurações como fases da Operação Lava Jato, a partir de uma sequência de investigações sobre crimes diversos, não se sobrepõe às normas disciplinadoras de competência.

Ainda que a gênese dessas operações seja assemelhada, ou seja, para “a obtenção de recursos escusos” e de “vantagens pessoais e financiamento de partidos políticos ou candidaturas”, nos casos em que não constatado o estreito vínculo intersubjetivo, teleológico ou instrumental, não se justifica a atração da competência da Justiça Federal por conexão ou continência.

Destaque-se que nenhum órgão jurisdicional pode arvorar-se como juízo universal de todo e qualquer crime relacionado ao desvio de verbas ou à corrupção, à revelia das regras de competência.

Ou seja, a competência não pode ser definida a partir de um critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos de persecução e julgamento, como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, independentemente das peculiaridades de cada situação.

No que se refere especificamente às prevenções estabelecidas na operação Lava Jato, Fabiana Alves Rodrigues destaca, em já conhecida obra publicada sobre a operação, que os fatos iniciais que deram ensejo à competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro se referem a crimes praticados no âmbito da Eletronuclear.

De acordo com a autora, “o núcleo da Lava Jato do Rio de Janeiro teve início depois que o Supremo Tribunal Federal retirou da Justiça Federal do Paraná uma ação penal envolvendo a Eletronuclear, em novembro de 2015” (RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. 1ª ed. São Paulo: Editora QMF Martins Fontes, 2020. p. 120).

A autora acrescenta que:

“Por se tratar de fatos envolvendo a Eletronuclear e de crimes que teriam sido praticados na cidade do Rio de Janeiro, sem qualquer conexão com a Petrobras, o ministro [Teori Zavascki] determinou a remessa das investigações à capital fluminense. […]

Esses desmembramentos iniciais fizeram que fossem mantidos em Curitiba apenas os casos relacionados à Petrobras. O Rio de Janeiro ficou com os casos da Eletronuclear e as investigações dela decorrentes, que, de maneira diferente do núcleo de Curitiba, envolvem fatos criminosos supostamente praticados em território sujeito à atuação da Justiça Federal fluminense” (RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. 1ª ed. São Paulo: Editora QMF Martins Fontes, 2020. p. 120).

Portanto, é importante que se esclareça que o caso inicial que justifica a competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro se relaciona a ilícitos relativos à Eletronuclear.

É relevante ter em mente essa decisão fundamental para que se possa ancorar todas as alegações subsequentes de competência, ou seja, para se verificar se há ou não a alegada ocorrência da vis attractiva indicada pelo juízo de primeiro grau para o conhecimento de todos os outros inúmeros casos.

Anote-se que o uso pouco claro e transparente das regras de competência por conexão tem sido ressaltado pela doutrina. Nessa toada, Fabiana Rodrigues apresenta uma precisa descrição do modus operandi da Justiça Federal do Paraná, que também se aplica, por semelhança, às decisões proferidas pela Justiça Federal do Rio de Janeiro.

De acordo com a autora:

“As sentenças das ações criminais de Curitiba não esclarecem por que os julgamentos dependeram do conteúdo das provas produzidas na ação. Ou seja, não há indicação de que realmente existia a alegada conexão probatória” (RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. 1ª ed. São Paulo: Editora QMF Martins Fontes, 2020, p. 225).

Em síntese, tem-se os seguintes critérios para a definição da competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro no âmbito da denominada operação Lava Jato, de forma semelhante ao que já foi estabelecido por esta Suprema Corte em relação à Justiça Federal em Curitiba:

  • a colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração da competência;
  • os elementos de informação trazidos pelo colaborador a respeito de crimes que não sejam conexos ao objeto da investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas;
  • o estabelecimento de um juízo universal para a apuração de desvios envolvendo vantagens indevidas pessoais ou a partidos políticos viola a garantia do juiz natural.

Registre-se que a análise das razões que justificam a competência por prevenção/conexão é de extrema importância para a verificação do cumprimento da garantia do juiz natural, pois só é possível saber se os atores do sistema de justiça respeitaram as regras de competência caso os fatos investigados sejam devidamente discriminados, com a indicação dos parâmetros utilizados para justificar a influência probatória.

Nessa linha, conforme destaca Fabiana Rodrigues, em análise sobre a 13ª Vara Federal de Curitiba igualmente aplicável à Justiça Federal do Rio de Janeiro, “a leitura das decisões judiciais oriundas da Justiça Federal de Curitiba sugere que foi adotada uma ação estratégica para assegurar que os casos da Lava Jato fossem mantidas nessa cidade” (RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. 1ª ed. São Paulo: Editora QMF Martins Fontes, 2020, p. 227).

Na hipótese em análise, a peticionante sustenta que as medidas cautelares criminais deferidas em seu desfavor foram determinadas por Juízo incompetente – 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro – em detrimento da Justiça Estadual, que, segundo alega, seria o órgão competente para o exame da matéria.

Sustenta, no ponto, violação à orientação jurisprudencial fixada pela Segunda Turma desta Corte em diversos precedentes, particularmente os acórdãos proferidos no julgamento da RCL 43.479 e do HC 181.978, ambos da minha relatoria.

Nessa senda, após detida análise do caso, entendo que procede a alegação de incompetência deduzida pela defesa.

Rememoro que, sob o ponto de vista constitucional, há uma razão relevante para rechaçar qualquer tentativa de universalização da competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Refiro-me a uma autêntica preocupação com a lisura da Justiça Criminal, evitando-se tanto a manipulação de regras constitucionais que fixam a competência da Justiça Estadual quanto os prejuízos à imagem do Poder Judiciário que decorreriam da indevida concentração de processos em uma unidade jurisdicional previamente escolhida pelo órgão acusador.

No caso dos autos, essa preocupação é pertinente. Diante dos elementos trazidos pela defesa, percebe-se que não consta da decisão impugnada qualquer elemento concreto que sinalize, ao menos em tese, para a prática de delitos sujeitos à competência da Justiça Federal. Antes, ao menos em um juízo perfunctório, típico de medidas cautelares, é possível alcançar a conclusão de que a fixação da competência da 3ª Vara Federal da SJRJ foi promovida ao arrepio do art. 109 da Constituição da República e da jurisprudência pacífica deste Tribunal.

É o que se extrai da própria narrativa do Ministério Público Federal, na qual se indica que (i) o núcleo econômico envolveria empresas e obras exclusivas do Estado do Rio de Janeiro; (ii) o núcleo administrativo seria composto exclusivamente por gestores estaduais; (iii) o núcleo financeiro- operacional, por pessoas que supostamente receberam, repassaram e ocultaram recursos financeiros; e (iv) o núcleo político, por sua vez, seria coordenado pelo ex-Governador Sérgio Cabral.

Transcrevo, a esse respeito, trechos simbólicos da decisão ora impugnada:

“Articulou que a ORCRIM alegadamente comandada por Sérgio Cabral contaria com a divisão de tarefas, sob estruturação em quadro núcleos básicos, assim descritíveis:

  1. núcleo econômico, que seria formado por executivos das empreiteiras supostamente cartelizadas contratadas para execução de obras pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, dentre as quais Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, que teriam fornecido vantagens indevidas a mandatários políticos e gestores públicos;
  • núcleo administrativo, que seria composto por gestores públicos do Governo do Estado do Rio de Janeiro, os quais teriam solicitado e administrado o recebimento das vantagens indevidas pagas pelas empreiteiras; nesse núcleo, teriam sido identificados o ex-secretário de Governo Wilson Carlos, o ex- subsecretário de obras Hudson Braga e o ex-Chefe da Casa Civil Regis Fichtner;
  • núcleo financeiro operacional, que seria formado por responsáveis pelo recebimento e repasse das vantagens pretensamente indevidas, e pela ocultação da origem alegadamente espúria de tais valores, inclusive através da suposta utilização de empresas e escritórios de advocacia, algumas que teriam sido constituídas exclusivamente com tal finalidade, contexto em que teriam sido identificados Carlos Miranda, Luiz Carlos Bezerra, Fernando França Martins e outros;
  • núcleo político, que seria formado, em essência, pelo pretenso líder da organização criminosa, o ex-Governador Sérgio Cabral; segundo o parquet, haveria evidências de que recursos supostamente ilícitos teriam alimentado outros agentes políticos e campanhas eleitorais vinculadas ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, no Estado do Rio de Janeiro.”

Além disso, conforme destacado pela requerente, os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal amparam-se em depoimentos prestados pelo colaborador Carlos Miranda, a respeito da contratação, por dispensa de licitação, da Fundação Getúlio Vargas para prestação de serviço de precificação do valor da licitação para administração da folha de pagamento dos servidores do Estado do Rio de Janeiro.

Na sequência, a linha acusatória desenvolvida pelo Parquet menciona hipotético envolvimento de um integrante da Fundação Getúlio Vargas em projeto de construção da linha 4 do Metrô, também localizado no Estado do Rio de Janeiro. Eis o que, a esse respeito, constou da decisão impugnada:

“Aduziu que Ricardo Simonsen figuraria como Diretor Técnico da FGV Projetos desde 2003, e teria sido responsável pela execução técnica do projeto relacional à venda do BERJ, além de apresentar conteúdo de e-mail que teria sido encontrado no computador apreendido de Regis Fichtner durante a Operação C’Est Fini, que denota que Ricardo Simonsen atuou junto a Cesar Cunha nas decisões estratégicas referentes ao projeto da Linha 4 do Metrô”.

Por fim, o eminente magistrado de primeira instância teria feito referência à contratação da Fundação Getúlio Vargas para assessorar a alienação do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BERJ), bem assim ao envolvimento da mesma entidade na seleção de projetos para a construção do novo prédio da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (“CEDAE”), no qual supostamente teria ocorrido pagamento de propina ao ex-Governador Sérgio Cabral. É o que se observa nos seguintes fragmentos da decisão:

“Apontou que a pessoa jurídica de titularidade de Maurício Costa teria sido referenciada em e-mail apresentado pela Fundação ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do IC nº 201800955275, como uma das fornecedoras a serem subcontratadas pela FGV-Projetos para assessoria na venda do BERJ.

(…)

Quanto a Luiz Carlos Guimarães Duque – Diretor- Adjunto da FGV-Projetos durante a gestão de Cesar Cunha, é apontado pelo Ministério Público como pessoa de confiança deste; foi ainda dito que Duque manteria íntima relação com Paulo Mancuso Tupinambá – o qual seria um dos responsáveis pelo consórcio selecionado pela FGV, para construção de novo prédio da CEDAE, e também teria sido apontado por Carlos Miranda como suposto pagador de propina a Sergio Cabral em função desta mesma obra.”

Dados os contornos da tese acusatória, não há como afirmar que quaisquer dessas condutas guardem liame direto com a malversação de recursos federais, nem mesmo que as supostas condutas ilícitas tenham repercutido, direta ou indireta, no âmbito da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Afinal, diante da ausência de argumentos idôneos que apontem para a lesão a bens, serviços ou interesse de entidades federais, não há como afastar a competência da Justiça Estadual para processamento e julgamento da demanda.

São essas as razões que me conduzem a afirmar que, ante a ausência de demonstração, na decisão impugnada, de elementos concretos que apontem para a lesão a bens, serviços ou interesse de entidades federais, os crimes imputados à peticionante devem estar sujeitos à competência da Justiça Estadual.

Portanto, entendo que houve mais uma indevida atuação expansiva por parte da Justiça Federal no Rio de Janeiro, uma vez que não consta da decisão que deflagrou a denominada operação Sofisma os específicos elementos indicativos da competência do juízo de primeiro grau para o processamento dos fatos sob investigação.

Com efeito, o juízo de primeiro grau registra apenas decisões proferidas em outros processos como fundamentos indicativos da competência da Justiça Federal, tal como se observa do seguinte trecho da decisão juntada aos autos (eDOC 184, p. 3):

“Inicialmente, registro a prevenção deste Juízo para o processamento do feito, em razão da dependência com o inquérito policial n. 5004432-07.2020.4.02.5101, o qual foi distribuído livremente a este Juízo, em 27/01/2020 (evento 3, dos autos 5004332-07.2020.402.5101.

Este juízo já proferiu decisão reconhecendo a competência para o processamento do inquérito policial 5004432- 07.2020.4.02.5101 e feitos correlatos (evento 66, dos autos 500432-07.2020.4.02.5101)

Além disso, o magistrado faz referência a acusações formuladas contra o ex-Governador Sérgio Cabral em outros feitos, além de depoimentos prestados pelo ex-Governador e por outros colaboradores premiados, conforme demonstram os seguintes trechos da decisão que acolheu a representação ministerial (eDOC 184, p. 6 e ss):

“A promoção ministerial (evento 7), formulada com base na representação da Autoridade Policial (evento 1), indica o envolvimento no alegado plano criminoso que seria supostamente liderado pelo então ex-Governador do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CABRAL, envolvendo produção de pareceres pretensamente fraudulentos da FGV-Projetos, para viabilizar a realização de obras no Estado do Rio de Janeiro, por meio de contratações alegadamente ilegais com dispensa de licitação, e, consequente e correlatamente, pagamento de propinas. “

Acresça-se que a decisão também faz referência a depoimentos de SÉRGIO CABRAL e do colaborador premiado CARLOS MIRANDA, senão observe-se (eDOC 184, p. 7 e ss):

“as graves suspeitas de cometimento de crimes por parte de integrantes da FGV-Projetos vieram à tona nas investigações em curso, a partir do depoimento de SÉRGIO CABRAL, que perante o órgão ministerial relatou:

(…) QUE sabe que a FGV projetos forneceu consultoria para esse projeto de construção; QUE a FGV Projetos foi utilizada no Governo Federal, no Ministério da Justiça (Tarso Genro), e em vários Governos Estaduais; QUE o declarante fez uso da FGV Projetos nos Projetos da CEDAE, Linha 4 do Metrô, entre outros Projetos do Governo; QUE o Contato com a FGV Projetos era REGIS FICHTNER; […]”

Destacou informações repassadas por CARLOS MIRANDA, em seu termo de colaboração premiada – Anexo nº

49. Acerca da contratação, por meio de dispensa de licitação, empreendida com o BANCO PROSPER, para que este administrasse a folha de pagamento do Estado do Rio de Janeiro; ali foi apresentada, de fato, narrativa a respeito do suposto esquema criminoso (evento 1, anexo5), que contém trecho relevante, para cuja transcrição peço vênia:

[…] em 2008/2009, SERGIO CABRAL promoveu a licitação ara que um banco administrasse a folha de pagamento do Estado do Rio de Janeiro; Que, para precificar o valor da licitação, o Governo do Estado do Rio de Janeiro contratou a Fundação Getúlio Vargas – FGV; Que WILSON CARLOS informou ao colaborador que a contratação da FGV, mediante dispensa de licitação, se deu para encobrir a contratação do BANCO PROSPER […]’”

O fato é que não consta dos autos a demonstração da efetiva relação de influência ou dependência recíproca entre os fatos e as provas apuradas no âmbito da denominada operação Sofisma com os demais feitos de competência da Justiça Federal que apuraram desvios cometidos pelo ex-Governador Sérgio Cabral.

A conclusão a que se chega, a partir de uma análise detida da decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal, é que a fixação da competência se deu apenas com base em processos pretéritos, cujo vínculo não restou efetivamente demonstrado com os fatos apurados neste novo processo, nos depoimentos prestados pelo ex-Governador Sérgio Cabral, os quais já foram inclusive refutados pelo STF enquanto meios válidos de obtenção de prova, haja vista a rescisão de seu acordo de colaboração premiada (PET 8482), ou nas declarações prestadas pelo colaborador Carlos Miranda, o que não é suficiente para fins de fixação da competência.

Acresça-se que não é possível vislumbrar, da cópia da decisão juntada pela defesa, elementos probatórios concretos de delitos praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.

Ou seja, não há indícios da necessária relação ou influência probatória do caso em análise com ilícitos praticados no âmbito da Eletronuclear, nos demais feitos de competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro ou em fatos que afetem diretamente bens, direitos ou serviços da União.

Tanto é assim que os contratos supostamente desviados que teriam contado com a alegada participação ilícita de funcionários e representantes da FGV-Projetos se referem a obras, licitações ou serviços prestados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, sem a indicação da efetiva vinculação com bens, serviços ou recursos federais.

Portanto, pelo que se observa, há uma evidente e insuperável lacuna processual em termos de demonstração da competência ou da conexão probatória de tais fatos com a competência ou os processos apurados no âmbito da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Destaque-se que a adequada compreensão desse vício processual envolve a interpretação da regra constitucional de competência penal da Justiça Federal estabelecida pelo art. 109, IV, da CF/88, no que se refere à definição dos bens, serviços ou interesses dos entes federais. Transcrevo a referida regra:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: […]

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”

Ao discorrer sobre a interpretação do art. 109 da Constituição Federal, Aury Lopes Jr. ressalta que a delimitação da competência “não pode ser extensiva ou por analogia, diante do princípio da reserva legal e [d]a garantia do juiz natural” (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. E-book (recurso eletrônico), Posição 5.604).

Idêntico posicionamento é compartilhado pela jurisprudência, que tem estabelecido critérios para a distinção dos casos de competência da Justiça Federal em relação àqueles que devem ser julgados pela Justiça Estadual.

Conforme destacado pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 79.331, a competência penal da Justiça Federal possui extração constitucional, reveste-se de caráter absoluto e está sujeita a regime de direito estrito (RHC 79.311, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.8.1999).

Nessa linha, um dos critérios consolidados pela jurisprudência prevê que o interesse da União, para fins de subsunção à regra prevista no artigo 109, IV, da CF/88, tem de ser direto e específico, não sendo suficiente o interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído de forma ampla o interesse federal.

Com efeito, essa é a orientação extraída de inúmeros precedentes do STF que remontam à década de 1990 e que se mantêm vigentes até os dias atuais. Cito, a título de exemplo, o RE 166.943 (Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 3.3.1995), o RE 300.244 (Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 20.11.2001), o RE 404.610 (decisão monocrática, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16.9.2003), RE 336.251 (decisão monocrática, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 9.6.2003), HC 81.916 (Segunda Turma, de minha relatoria, j. 17.9.2002) e RE 502.915 (Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13.2.2007).

Foi com base nesse critério, por exemplo, que esta Corte decidiu pela competência da Justiça Estadual para julgar crimes de venda de combustível adulterado (art. 1º da Lei 8.176/91), rejeitando a alegação de violação da atividade fiscalizatória da Agência Nacional do Petróleo (RE 502.915, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13.2.2007).

De forma semelhante, esta Corte já decidiu que:

  1. a expedição de auto de infração pelo IBAMA, ainda que em cumprimento a obrigações legais, configura interesse genérico, mediato ou indireto da União, de modo a excluir a competência da Justiça Federal ( HC 81.916, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17.9.2002);
  • a presença de sociedade de economia mista em procedimento investigatório não acarreta, por si só, na presunção de violação de interesse, econômico ou jurídico, da União (ACO 979, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 4.8.2011);
  • a falsificação de Carteira do Trabalho e Previdência Social (CTPS), com a anotação de vínculo de trabalho fictício para obter linhas de crédito junto ao comércio e enganar particulares, não viola interesse direto e imediato da União (RE 108.9-2, Primeira Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 17.6.1986)

Destaque-se que a jurisprudência do STF vem refutando a expansão da competência da Justiça Federal nos casos em que não demonstrado o efetivo vínculo de conexão com outros processos em tramitação perante o referido ramo do Poder Judiciário ou nas hipóteses em que não se constatar o impacto direito dos crimes investigados sobre bens, serviços, rendas ou interesse dos entes federais.

Nessa linha, cito, para além dos precedentes firmados quando do julgamento da Reclamação nº 43.479 e da Questão de Ordem no Inquérito 4.130, os acórdãos que também foram proferidos quando do julgamento da Pet. 8090 e o Habeas Corpus 181.978:

PENAL. PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. AGRAVOS

REGIMENTAIS. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA DO STF PARA A 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE EM RELAÇÃO À COMPETÊNCIA DA REFERIDA VARA FEDERAL. PRECEDENTES. FATOS RELACIONADOS À TRANSPETRO. CRIMES                          SUPOSTAMENTE           COMETIDOS           POR PARLAMENTARES NA CIDADE DE BRASÍLIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NO DISTRITO FEDERAL. PROVIMENTO DOS AGRAVOS REGIMENTAIS PARA DETERMINAÇÃO DA REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE, PARA SUPERVISÃO DO INQUÉRITO E ANÁLISE SOBRE NULIDADE OU CONVALIDAÇÃO DOS ATOS     PROCESSUAIS     EM     CASO     DE     EVENTUAL

RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. O fato de a polícia judiciária ou o Ministério Público Federal denominarem determinadas apurações como fases da Operação Lava Jato, a partir de uma sequência de investigações sobre crimes diversos, não se sobrepõe às normas disciplinadoras de competência. Precedente: INQ 4.130 QO, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 3.2.2016. 2. A competência não pode ser definida a partir de um critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos de persecução e julgamento, como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, independente das peculiaridades de cada situação. 3. A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração da competência. 4. Os elementos de informação trazidos pelo colaborador a respeito de crimes que não sejam conexos ao objeto da investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas. 5. A prevenção não é critério primário de determinação da competência, mas sim de sua concentração, tratando-se de regra de aplicação residual. 6. O estabelecimento de um juízo universal para a apuração de desvios envolvendo vantagens indevidas pessoais ou a partidos políticos viola a garantia do juiz natural. 7. No caso em análise, as investigações deflagradas contra os recorrentes estão relacionadas a supostos crimes cometidos no âmbito da Transpetro. Os recorrentes exerciam mandatos parlamentares e os alegados atos ilícitos ocorreram em Brasília. 8. Provimento dos agravos regimentais para reconhecer a competência da Justiça Federal no Distrito Federal, com a determinação da imediata remessa dos autos para supervisão do inquérito e eventual manifestação sobre a nulidade ou convalidação dos atos processuais, em caso de eventual recebimento da denúncia pelo Juízo incompetente.

(Pet 8090 AgR, Red. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 8.9.2020)

Ementa: Agravo regimental em habeas corpus. 2. Processual penal. 3. Competência e prisão preventiva. 4. Competência da primeira instância da Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Ausência de conexão com a Operação Ponto Final, em trâmite perante a 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. O único vínculo fático-objetivo que sustentaria a tese da conexão instrumental seria a citação do agravado na delação de Lélis Teixeira. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento no sentido de que a colaboração premiada não fixa competência (INQ 4.130, Rel. Min. Cármen Lúcia). Apesar de haver coincidência parcial de réus nessas ações penais, verifica-se que há autonomia na linha de acontecimentos que desvincula os fatos imputados ao paciente dos fatos descritos na Operação Ponto Final. 5. Ilegalidade da prisão preventiva. No caso concreto, a prisão preventiva não está alicerçada em elementos concretos que justifiquem a necessidade de segregação cautelar, tampouco há dados nos autos que indiquem a existência de periculosidade do agravado. Segregação cautelar fundamentada em suposições e ilações. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.

(HC 181978 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 10.11.2020)

Portanto, entendo que restou suficientemente demonstrada a flagrante incompetência absoluta da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, razão pela qual concluo pela plausibilidade da alegação do requerente de graves ilegalidades das medidas constritivas determinadas durante a deflagração da operação policial.

Da necessidade de concessão de medida liminar em habeas corpus.

Em síntese, entendo que se encontram presentes nos autos elementos que evidenciam, numa primeira análise, a probabilidade do direito invocado pela parte, especialmente pela perspectiva de manifesta afronta às regras constitucionais de competência.

Da mesma forma, a manutenção da decisão impugnada importa em graves prejuízos para a Fundação Getúlio Vargas, na medida em que, além de medidas constritivas patrimoniais, o eminente Juízo da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro impôs proibição de acesso de um amplo grupo de pessoas às dependências e aos sistemas da FGV. Trata-se de providência que, caso não seja imediatamente sustada, certamente comprometerá o funcionamento desta relevante instituição de financiamento e estímulo à pesquisa.

Além disso, a manutenção das medidas constritivas poderá conduzir a graves danos de difícil e incerta reparação na gestão da Fundação Getúlio Vargas, entidade internacionalmente conhecida que há muito contribui para o desenvolvimento da pesquisa no Brasil.

Assim, a renitência da autoridade judiciária em acatar a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, caso não remediada no tempo oportuno, produzirá efeitos nefastos não apenas na órbita de direitos subjetivos das pessoas físicas investigadas, mas sobretudo na gestão institucional da Fundação Getúlio Vargas.

Por esses motivos, concluo pela ausência de competência da Justiça Federal para supervisionar os fatos relativos à denominada operação Sofisma, circunstância que constitui flagrante ilegalidade que tem se repetido nos inúmeros casos acima descritos.

Registre-se que essa situação de persistente e reiterada teratologia ou de flagrante ilegalidade na atuação expansiva da Justiça Federal demanda correção imediata mediante liminar em habeas corpus, com base no art. 193, II, do RISTF e art. 654, §2º, do CPP, para suspender o andamento das investigações até o julgamento definitivo deste writ, revogando, ainda, as medidas cautelares pessoais e reais deferidas pelo Juízo de origem.

Dispositivo

Ante o exposto, conheço do pedido pleiteado nos presentes autos como habeas corpus, e defiro a liminar para:

  1. Suspender a tramitação do inquérito policial nº 5004432- 07.2020.4.02.5101 e dos demais processos conexos – 5114934- 76.2021.4.02.5101, n˚ 5035660-97.2020.4.02.5101 e n˚ 5088607- 31.2020.4.02.5101, os quais se encontram em tramitação sob supervisão da 3ª Vara Criminal do Rio de Janeiro;
  2. Determinar a revogação de todas as medidas cautelares pessoais e reais estabelecidas pelo juízo incompetente, em especial no que se refere à obrigação de comparecimento trimestral, à proibição de acesso às dependências e aos sistemas da FGV, à proibição de se ausentar do município de residência, além das medidas de sequestros de bens e valores, cujas constrições devem ser imediatamente levantadas.

Remetam-se os presentes autos à Secretaria Judiciária, para fins de desentranhamento da petição e dos documentos carreados aos autos (eDOCs 182 a 191), bem como da presente decisão, com a posterior reautuação como habeas corpus e remessa a este gabinete.

Atribuo à presente decisão força de mandado e ofício.

Dê-se ciência desta decisão às Corregedorias do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, tendo em vista o reiterado descumprimento de decisões proferidas por esta Corte na matéria sob exame.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se com urgência.

Brasília, 18 de novembro de 2022.

Ministro Gilmar Mendes

Relator

Documento assinado digitalmente

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