Milton Alves: GSI foi o epicentro do ‘combo golpista’ de 8 de janeiro e sua extinção é uma demanda democrática

Por Milton Alves*

O governo do presidente Lula, após os primeiros cem dias, enfrenta a sua mais grave crise política, provocada, mais uma vez, pelo golpismo bolsonarista, que conta com apoio de setores das Forças Armadas — especificamente de um núcleo de generais palacianos que serviram ao governo da extrema direita, derrotado nas urnas.

Um documento dado a conhecer pela jornalista Denise de Assis, em meados de dezembro de 2022, revelou as exigências e expectativas do setor bolsonarista da caserna e de militares de altas patentes no serviço ativo. O texto elaborado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), intitulado “Propostas Ao Governo Lula”, enumerava um verdadeiro roteiro de diretrizes e sugestões.

Entre as diversas questões levantadas pelo texto, aparece, com destaque, o indicativo sobre o caráter e o papel do GSI: “Manutenção no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob chefia de um general do Exército, pela sua complexidade e interoperabilidade com os outros órgãos de governo”. Além disso, a exigência da permanência da “Agência Brasileira Informação (ABIN) subordinada ao GSI”.

O partido militar ainda formulou uma pérola de chantagem golpista para o novo governo: “Um deslocamento do Governo das Forças armadas certamente levará a um ambiente de desconfiança e desunião, agravando o quadro existente e fortalecendo o bolsonarismo no meio militar”. Ou seja, um recado direto — abusivo e arrogante. O documento também elogiava a escolha do ministro da Defesa, José Múcio, o que é bastante revelador.

Vale lembrar que as questões envolvendo os militares não comparecereram ao debate das equipes de transição, indicando uma aparente tentativa do governo Lula de não mexer em vespeiro. Enfim, a velha tática da conciliação com os militares.

Economia

Enquanto isso, no mês de dezembro, os militares encastelados no GSI conspiravam contra a posse do governo Lula, incentivando as ações golpistas em curso como a baderna em Brasília no dia da diplomação, o implante de explosivos nas cercanias do aeroporto do DF, os acampamentos nos quartéis militares e, principalmente, maquinando para impedir a consolidação do governo eleito democraticamente pela maioria da população brasileira — o que culminou com a intentona bolsonarista do dia 8 de janeiro contra as sedes dos três poderes.

Neste sentido, é impossível não enxergar as digitais do general Heleno no comando do processo golpista, agindo de forma combinada com o ex-ministro Anderson Torres, o rábula do projeto de golpe, setores das PMs estaduais e do Distrito Federal e um conjunto de empresários, que financiaram as caravanas para Brasília.

O GSI, portanto, foi epicentro do combo golpista planejado pelos generais bolsonaristas da reserva e da ativa, e sob inspiração e comando político ativo do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu grupo político. É uma conclusão inevitável e lógica de todo o processo.

A difusão das imagens por uma emissora de TV (a CNN) apenas confirmaram as suspeitas sobre o papel do GSI, aparelhado por militares bolsonaristas, e o despreparo do general Gonçalves Dias, o então ministro-chefe do órgão, que foi incapaz de ordenar a evacuação da sede do governo e prender os criminosos. Se é verdade que G. Dias, como é mais conhecido, não foi um cúmplice do intento golpista, tampouco sua conduta foi adequada para o momento, que exigia uma ação repressiva enérgica contra os bandidos bolsonaristas civis e militares.

CPMI e a extinção do GSI – uma demanda democrática

A nomeação de Ricardo Capelli, que foi o interventor em Brasília após a tentativa golpista, é um primeiro passo para apurar o envolvimento do setor castrense, definindo claramente os responsáveis pelos crimes de 8 de janeiro e dos acampamentos nas portas dos quartéis. Além de investigar e punir os empresários financiadores do projeto de golpe contra a posse de Lula.

Na futura CPMI, a ação dos parlamentares da base governista deve priorizar, logo no início dos trabalhos, a convocação dos generais bolsonaristas e do ex-presidente Jair Bolsonaro, com isso, esvaziando a tentativa da extrema direita parlamentar de dividir a responsabilidades do 8 de janeiro com os apoiadores do governo Lula, uma falsa narrativa que tenta confundir e semear dúvidas entre a população.

A disputa política na CPMI indica que vai ser concentrada na questão da definição das responsabilidades.

No momento, o futuro do GSI é uma questão política importante. Trata-se de enfrentar um braço da tutela militar. Um aparato político que serve aos interesses dos generais da extrema direita para interferir e controlar a agenda política do governo civil.

A partidarização das Forças Armadas pela extrema direita é um fato presente na atual conjuntura do país, é uma condição inescapável do governo popular de Lula desarmar as armadilhas dos generais contra o poder eleito.

O GSI é um trambolho antidemocrático, uma herança do nefasto SNI, age ainda com uma mentalidade persecutória contra os movimentos sociais e populares, tidos como inimigos internos nos velhos manuais do Exército. Um instrumento de arapongagem e sabotador da democracia. Não há remédio para um cranco tão pernicioso.

A extinção do GSI é uma medida profilática para defender e resguardar o país da sanha golpista dos militares da extrema direita e das ameaças do fascismo. É a oportunidade, em nome e por determinação do governo democrático, de Ricardo Capelli entrar para a história como o “coveiro” do Gabinete de Segurança Institucional.

*Milton Alves é jornalista e colabora em diversas mídias progressistas e de esquerda. É o autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020), ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) e de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país‘ (2022) — todos pela Kotter Editorial. É militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba.

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