TJPR recebe Mandado de Segurança contra a privatização da Copel; leia a íntegra

A bancada de oposição na Assembleia Legislativa Paraná (ALEP) impetrou Mandado de Segurança, no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), para impedir a ilegal privatização da Copel (Companhia Paranaense de Energia), enquanto o plenário do legislativo estadual – a pedido do governador Ratinho Junior (PSD), realiza na manhã desta quinta-feira (24/11), a partir das 8h30, a segunda e derradeira votação de liquidação.

Na peça jurídica, a oposição alega três vícios insanáveis no processo que autoriza a venda da mais importante empresa do Paraná:

  1. Ausência do estudo elaborado pelo Conselho de Controle das Empresas Estaduais (CCEE);
  2. Regime de Urgência, sem discussão prévia com a sociedade e o parlamento; e
  3. Ausência de Audiências Públicas com a sociedade civil.

O patrono do Mandado de Segurança no TJPR é o advogado Luiz Fernando Delazari, que representa a bancada formada pelos deputados Tadeu Veneri (PT), Goura (PDT), Arilson Chiorato (PT), Requião Filho (PT), Luciana Rafagnin (PT) e Professor Lemos (PT).

O Mandado de Segurança pede a imediata suspensão do trâmite do processo legislativo na ALEP e a anulação de todos os atos
realizados no âmbito do processo legislativo, considerando a impossibilidade de atribuição do regime de urgência ao trâmite do projeto.

Sessão da ALEP ao vivo:

Abaixo, leia a íntegra do Mandado de Segurança da Oposição na ALEP:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

Economia

Dr. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO

ANTONIO TADEU VENERI, brasileiro, Deputado Estadual, casado, devidamente inscrito na Carteira de Identidade n. 1001422-0 SSP/PR, CPF 184.386.609-91; ARILSON MAROLDI CHIORATO, brasileiro, Deputado Estadual, casado, devidamente inscrito na Carteira de Identidade n. 5580360-9, SSP/PR, CPF 019.899.539-30; JORGE GOMES DE OLIVEIRA BRAND, brasileiro, Deputado Estadual, casado, devidamente inscrito na Carteira de Identidade n. 496025-0 SSP/PR, CPF 033.570.039-02; JOSÉ RODRIGUES LEMOS, brasileiro, Deputado Estadual, casado, devidamente inscrito na Carteira de Identidade n. 3573874-6 SSP/PR, CPF 488.146.109-59; LUCIANA GUZELLA RAFAGNIN, brasileira, Deputada Estadual, casada, devidamente inscrita na Carteira de Identidade n. 4315559-8 SSP/PR, CPF 602.982.789-87; e MAURICIO THADEU DE MELLO E SILVA, brasileiro, Deputado Estadual, casado, devidamente inscrito na Carteira de Identidade nº. 61140000 SSP/PR, CPF/MF nº 876.073.281-49; todos com endereço profissional sito à Praça Nossa Senhora de Salete, s/n, Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, Centro Cívico, CEP 80.530-911, Curitiba, PR, vêm perante Vossa Excelência, por intermédio de seu procurador abaixo signatário, com fulcro no art. 5°, inciso LXIX, da Constituição Federal, e em conjunto com a Lei n° 12.016/2009, interpor o presente

MANDADO DE SEGURANÇA

em face de ato coator praticado por ADEMAR TRAIANO, presidente da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANÁ, com endereço para receber citação à Praça Nossa Senhora de Salete, s/n, Centro Cívico, CEP 80.530-911, Curitiba, PR, pelos seguintes fatos e fundamentos.

  1. Preliminar. Legitimidade Ativa. Parlamentar no exercício do mandato.
    Processo legislativo.

De forma preliminar, registre-se a legitimidade ativa dos Impetrantes ao ajuizamento do presente mandamus, na esteira do que estabelece a pacífica jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, conforme ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. I. – O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa do parlamentar, apenas. (…) (MS 24642, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/02/2004, DJ 18-06-2004 PP-00059 EMENT VOL-02156-02 PP-00211)

O objeto do presente remédio constitucional é justamente avaliar a ilegalidade de Projeto de Lei apresentado pelo Impetrado junto à Assembleia Legislativa, em desrespeito a preceitos mínimos balizadores que regulamentam o processo legislativo, nos termos do que estabelece a Constituição Federal, e também, a Constituição do Estado do Paraná.

Cita-se, inclusive, de forma analógica, o disposto no inciso VII do art. 111 da Constituição do Estado, que trata sobre a legitimidade dos Deputados Estaduais para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual.

Indiscutível a legitimidade ativa dos Impetrantes, passa-se à análise do mérito.

  1. Do breve escorço fático.

Trata-se na hipótese vertente de mandamus impetrado em face de ato coator praticado pelo Governador do Estado do Paraná que, no exercício de sua competência constitucional, apresentou Projeto de Lei à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, que recebeu a numeração 493/2022, e que possui a seguinte
ementa:

Autoriza a transformação da Companhia Paranaense de Energia – COPEL em Corporação através da alienação parcial das ações e dá outras providências.

E do art. 1° do referido Projeto, constou o que segue:

Art. 1° Fica o Poder Executivo do Estado do Paraná autorizado a alienar ou transferir parcialmente a sociedade, os seus ativos, a participação societária, direta ou indireta, inclusive o controle acionário, transformar, fundir cindir, incorporar, extinguir, dissolver ou desativar, parcial ou totalmente, seus empreendimentos e subsidiárias, bem como, alienar ou transferir os direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de controladas, a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade, assim como alienar ou transferir as participações minoritárias diretas e indiretas no capital social da Companhia Paranaense de Energia – COPEL e suas subsidiárias.

O referido Projeto de Lei foi apresentado na esteira de Notícia de Fato Relevante divulgado pela Companhia Paranaense de Energia – COPEL, n° 06/2022, informando aos acionistas e ao mercado o que segue:

  1. Comunico que o Estado do Paraná, na qualidade de acionista controlador da COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA – COPEL (“Copel” ou “Companhia”), com base em estudo elaborado pelo Conselho de Controle das Empresas Estaduais – CCEE, tem a intenção de transformar a Copel em companhia de capital disperso e sem acionista controlador (Corporação), transformação essa a ser realizada envolvendo oferta pública de distribuição secundária de ações ordinárias e/ou certificados de depósito de ações (units) de emissão da Companhia (“Operação”). (Grifou-se)

Do referido Projeto de Lei, cuja íntegra vai anexa, não foi apresentada cópia do referido estudo elaborado pelo Conselho de Controle das Empresas Estaduais (CCEE) – que, originalmente, foi anunciada sua elaboração em 31/10/2022, através de Notícia de Fato Relevante n° 04/2022.

Mas não é apenas isso. O Projeto de Lei que busca discutir o procedimento de privatização da maior empresa do Estado do Paraná, impactando de forma absolutamente severa a economia, não apenas da própria Administração Pública, mas também de toda a macrorregião paranaense, foi apresentado em regime de urgência pelo Impetrado, tolhendo a possibilidade de que fosse amplamente discutido pelo Parlamento no âmbito de suas Comissões e no Plenário, bem como perante a Sociedade Civil, mediante a realização de Audiências Públicas sobre o tema.

Referido projeto, que foi apresentado perante a Assembleia Legislativa em 21 de novembro de 2022, já está pautado para votações em primeira e segunda discussões no Plenário da Casa Legislativa para a sessão da corrente data: ou seja, em apenas 03 (três) dias pretende-se decidir sobre o destino da empresa que mais deu lucros ao Governo do Estado, e é a maior empresa que compõe o patrimônio público da sociedade paranaense.

Diante de todo o exposto, temos que houve violação do devido processo legislativo, em razão da ausência de suficiente e necessária fundamentação do projeto de lei apresentado, bem como houve excesso na utilização do regime de urgência para análise e votação do projeto de lei, sendo necessária a concessão de segurança, para assegurar o direito líquido e certo do Impetrante enquanto membro do Parlamento, e, de forma reflexa, de todos aqueles representados e afetados pela Assembleia, e pelo resultado do projeto de lei.

  1. Do direito líquido e certo.

3.1. Do processo legislativo. Princípios de motivação e de publicidade. Documentos que embasaram a elaboração do projeto de lei.

Sob a égide do Estado Democrático de Direito inaugurado em 1988 com a promulgação da Constituição Federal, iniciou-se um novo paradigma jurídico no que tange à atuação daqueles que ocupam cargos na Administração Pública, seja ela direta ou indireta. Em contraposição aos “anos de chumbo”, em que os militares governavam o destino do País como bem entendiam, a Carta Magna trouxe
regramento diferenciado, em que os princípios democrático e republicano são centrais.

Neste contexto, exsurge a importância dos princípios de motivação e de publicidade relacionados aos atos administrativos. Motivação, conforme é de amplo conhecimento jurídico, representa o dever do Administrador em indicar os fundamentos de fato e de direito para que qualquer decisão seja adotada, demonstrando, inequivocamente, a correlação lógica entre a situação ocorrida e as providências adotadas.

E esta indicação deve resultar, de forma clara, na completa exposição de todas as informações que influíram na tomada de determinada decisão, ou ainda, na elaboração de determinado ato. Isto se dá, inclusive, como forma de avaliar a legalidade do ato praticado, bem como se a finalidade a que o mesmo se propõe está alinhada aos preceitos de supremacia do interesse público.

Em âmbito federal, a Lei n° 9.784/1999 estabelece que a “indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão” tomada pela Administração Pública é um dos critérios aplicáveis ao processo administrativo (nos termos do inciso VII do parágrafo único do art. 2°, da indigitada lei), determinação esta replicada posteriormente na lei ao tratar que “os atos administrativos deverão ser
motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos” (art. 50).

Em outro lado, mas de forma conexa, o princípio da publicidade representa o dever de divulgação oficial de todos os atos praticados pela Administração Pública, de forma a assegurar o livre acesso de todos os indivíduos interessados a informações de seu interesse, em respeito, ainda, à transparência na atuação administrativa.

Significa dizer que, uma vez que os agentes administrativos atuam em defesa dos interesses da coletividade (novamente, por força da supremacia do interesse público), não se admite a prática de atos sigilosos ou secretos, sendo que tal prática significaria em impedimento ao efetivo controle de legalidade do comportamento da Administração Pública.

Novamente, em resgate ao ideal republicano, e para concretização da cidadania, é imprescindível que o Poder Público atue de maneira transparente, sendo que apenas com a visibilidade do agir estatal é que se mostra possível ter fiel e total consciência sobre o exercício do poder, com vigilância e participação.

O art. 27 da Constituição Estadual do Paraná incorpora e positiva ambos os princípios ao estabelecer que “a administração pública direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, eficiência, motivação, economicidade (…)” (Grifou-se).

O processo legislativo, enquanto mecanismo para a edição de normas jurídicas, é espécie qualificada de processo administrativo, sendo regido por suas regras específicas (constantes da Constituição Estadual do Paraná, in casu, e também do Regimento Interno da Assembleia Legislativa), mas também, e especialmente, pelas regras gerais que aplicam-se ao processo administrativo em geral.

Assim, é inegável que o processo legislativo deve se pautar pelos princípios de motivação e de publicidade, sob pena de que seja declarada sua absoluta nulidade. É o processo legislativo responsável último pela concretização da vontade popular, expressada através de seus representantes, democraticamente eleitos para ocupar as cadeiras do Parlamento.

E aos próprios membros do Parlamento, como forma de dar efetividade ao mandato que foram incumbidos, deve ser viabilizado o completo e total acesso às informações, aos fundamentos de fato e de direito, aos dados estatísticos, financeiros e numéricos em geral, e todas as demais questões que porventura servem de embasamento a um projeto de lei.

A necessidade de fortalecimento da democracia mediante a constituição de espaços deliberativos aptos à composição de ideários político-majoritários é o fundamento do direito intersubjetivo ao devido procedimento na elaboração de uma norma jurídica. Todos temos direito ao Direito, isto é absolutamente certo, mas somente se efetivará, suficientemente tal garantia, se observados parâmetros mínimos para a atividade legislativa.

Com a estrita observância do dever de motivar seus atos, e de dar publicidade aos mesmos, há o inequívoco fortalecimento do contraditório, com o enriquecimento do debate entre aqueles que, porventura, sejam favoráveis ao que se propõe em determinada medida, e aqueles que sejam contrários.

Já foi dito que o projeto de lei apresentado pelo Impetrado tem como objetivo a privatização de um dos maiores (senão o maior) ativo que integra o patrimônio público da sociedade paranaense, que é a participação do Governo do Estado na condição de acionista controlador da Companhia Paranaense de Energia – COPEL (empresa que resultou em lucros bilionários nos últimos anos, destacando-se no cenário nacional e internacional como uma das melhores empresas do ramo elétrico).

E fundamentou a apresentação deste projeto de lei, conforme noticiado aos acionistas e ao mercado financeiro (notas de fato relevante n° 04 e 06/2022) em estudo elaborado pelo Conselho de Controle das Empresas Estatais – CCEE. Ou seja, o projeto de lei somente foi apresentado com a conclusão apresentada neste estudo, mas tal documento, contendo seus fundamentos e dados levantados, não foram apresentados ao Parlamento, para que fosse tomado juízo de valor suficiente da proposta encaminhada.

Não se mostra possível concluir pelo acerto ou desacerto do projeto de lei apresentado pelo Impetrado, na medida em que não se encontra suficientemente motivado, nem se encontra suficientemente público, visto que o estudo não foi disponibilizado a ninguém, inclusive aos membros do Parlamento que deverão votar o mérito do projeto já em sessão parlamentar marcada para a corrente data.

Sob este aspecto, portanto, verifica-se a ilegalidade da conduta do Impetrado, restando violados os direitos líquidos e certos do Impetrante ao devido processo legislativo (art. 65 e ss. da Constituição do Estado do Paraná, em conjunto com o art. 154 e ss. do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Paraná, e também com o art. 5°, inciso LIV, da CF), em razão da inobservância dos princípios de motivação e de publicidade (art. 27 da Constituição Estadual Paranaense, e também art. 2° da Lei n° 9.784/1999), devendo ser concedida a segurança, conforme será destacado adiante.

3.2. Do regime de urgência. Impossibilidade de trâmite em regime extraordinário.
Relevância da matéria.

Sob segundo aspecto, há ilegalidade na conduta do impetrado quando, ao pautar o projeto de lei para apreciação pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, o fez em regime de urgência.

Assim estabelece o art. 66 da Constituição do Estado do Paraná:

Art. 66. Ressalvado o disposto nesta Constituição, são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
I – criação de cargos, função ou empregos públicos na administração direta e autárquica do Poder Executivo ou aumento de sua remuneração;
II – servidores públicos do Poder Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria, reforma e transferência de policiais militares para a reserva;
III – organização da Defensoria Pública do Estado e das Polícias Civil e Militar;
IV – criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública.
§ 1° O Governador do Estado pode solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. (Grifou-se)

Fundamentou-se o trâmite do projeto de lei n° 493/2022 em regime de urgência justamente com base no seu enquadramento na regra do inciso IV do indigitado art. 66 da Constituição do Estado, contudo, tal medida não se adequa à finalidade proposta pelo legislador constituinte.

Da redação dos incisos do art. 66 temos que compõem o rol de questões privativas para a iniciativa legislativa do Governador do Estado aquelas que guardam relação direta com a Administração Pública direta, ou, se indireta, aquelas que mais se aproximam às regras de direito público (expressamente mencionando as autarquias).

Não há menção expressa e direta aos integrantes da Administração Pública indireta que possuem natureza de direito privado – no caso das sociedades de economia mista, conforme disposto no art. 147 da Constituição do Estado do Paraná (em conformidade com as demais regras esparsas de idêntica previsão).

O inciso XVIII do art. 27 da Constituição do Estado do Paraná prevê que “somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”; enquanto o inciso XIX estabelece que “depende de autorização legislativa a transformação, fusão, cisão, incorporação, extinção e privatização e, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada”.

Como se verifica da redação do texto constitucional estadual, não há qualquer relação entre o dispositivo que versa sobre a competência legislativa privativa do Governador e os dispositivos que tratam sobre a instituição de sociedade de economia mista, ou, sobre a sua eventual fusão, cisão, incorporação, extinção e privatização (que é o caso).

Os termos jurídicos empregados no inciso XIX do art. 27 da Constituição são específicos para as finalidades que eles se propõe, e não se confundem com aqueles que são previstos no inciso IV do art. 66, também da CE/PR. Criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado ou de órgãos da administração pública não equivalem a transformação, fusão, cisão, incorporação, extinção e privatização de sociedade de economia mista (ou empresa pública).

De forma expressa, a Constituição do Estado atribui ao Governador “mediante autorização da Assembleia Legislativa, subscrever ou adquirir ações, realizar ou aumentar capital, desde que haja recursos hábeis, de sociedade de economia mista ou de empresa pública, bem como dispor, a qualquer título, no todo ou em parte, de ações ou capital que tenha subscrito, adquirido, realizado ou aumentado”
(conforme inciso XX, do art. 87 da CE. Grifou-se).

Novamente, não há qualquer relação ou menção entre a atribuição prevista no inciso XX do art. 87 e a competência legislativa privativa prevista no inciso IV do art. 66, ambos da CE.

Realizado este escorço jurídico, temos que o trâmite do projeto de lei em regime de urgência, da forma como realizado pelo Impetrado, não encontra fundamento para sua subsistência, incorrendo novamente em violação ao devido processo legal. A previsão do regime de urgência nos projetos de lei de iniciativa do Governador, certamente, limita-se à regra geral do caput do artigo em que o parágrafo que o estabelece está disposta.

Quer dizer, o parágrafo não pode prever obrigações e disposições que superem a previsão do caput. Se o caput do art. 66 estabelece as matérias em que o Governador do Estado possui competência legislativa de forma privativa, e o § 1° do referido artigo prevê que o Governador pode solicitar a tramitação em regime de urgência dos projetos de lei de sua iniciativa, é certo que esta possibilidade limita-se às hipóteses previstas no caput.

O art. 11 da Lei Complementar Estadual 176/2014 estabelece que “o parágrafo compreenderá uma das divisões do artigo, complementando o sentido ou abrindo exceções à norma”. Não se trata de regra autônoma, portanto, e sim, de mero complemento à regra original prevista no caput.

Logo, se o Governador possui iniciativa privativa para propor leis que disponham sobre determinadas matérias (caput do art. 66) e o mesmo Governadorpode solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa (§ 1° do art. 66), não significa que esta solicitação se estenda para todo e qualquer projeto de iniciativa do Governador, mas sim, para aqueles que sejam de sua iniciativa privativa, que é justamente sobre o que se trata o artigo em questão.

E não sendo o caso de criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública (inciso IV), mas sim, de autorização legislativa para privatização de sociedade de economia mista (inciso XIX do art. 27 da CE), temos que o projeto de lei em questão não é de iniciativa privativa do Governador do Estado, e assim sendo, não é passível de submeter-se ao trâmite em regime de urgência da forma proposta.

Adicione-se ao fato em comento a relevância da matéria discutida, que é a completa renúncia do Estado em participar, como acionista controlador, da maior empresa estatal existente, cujos lucros recentes superam a casa dos bilhões de reais, e que foi objeto de investimentos igualmente na casa dos bilhões de reais.

Não é possível admitir a discussão leviana e superficial de assuntos atinentes à sua privatização em parcos dias, como pretende fazer o Impetrado.

Sob esta ótica, também, deve ser concedida a segurança proposta, de forma a determinar a nulidade do processo legislativo até o presente momento, em razão do afastamento do regime de urgência de apreciação do projeto de lei, para efeitos de observância do devido processo legal e legislativo (art. 65 e ss. da Constituição do Estado do Paraná, em conjunto com o art. 154 e ss. do Regimento
Interno da Assembleia Legislativa do Paraná, e também com o art. 5°, inciso LIV, da CF), nos termos da fundamentação.

3.3. Da segurança pleiteada.

Pede-se, portanto, pela concessão de segurança para:

(1) determinar a suspensão do trâmite do processo legislativo até que seja apresentado aos Parlamentares o estudo elaborado pelo Conselho de Controle das Empresas Estatais – CCEE, conforme mencionado pelo Governo do Estado no Fato Relevante n° 04/2022 e 06/2022, com a consequente concessão de prazo razoável para análise do referido documento pelos parlamentares, nos termos da
fundamentação;

(2) determinar a anulação de todos os atos realizados no âmbito do processo legislativo, considerando a impossibilidade de atribuição do regime de urgência ao trâmite do projeto de lei apresentado pelo Impetrado, eis que se trata de matéria que não é de iniciativa privativa do Governador, fugindo à regra do § 1° do art. 66 da Constituição do Estado do Paraná, nos termos da fundamentação.

  1. Da concessão de liminar.

Nos termos do art. 300 do CPC, conceder-se-á a antecipação dos efeitos da tutela de mérito quando presentes os requisitos de probabilidade do direito e existente perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo em razão da demora
do provimento jurisdicional.

No caso dos autos, a probabilidade do direito é manifesta na plausibilidade da tese jurídica levantada, sendo notória a violação de princípios fundamentais e postulados constitucionais relativos ao processo legislativo, seja sob a ótica da completa exposição dos motivos que embasaram o projeto de lei (motivação e publicidade), seja sob a ótica da inaplicabilidade do regime de urgência ao trâmite do projeto de lei.

O perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo justifica-se em razão da notícia de que o projeto de lei em questão já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, e teve a inclusão em pauta para votação em duas discussões para o dia de 23/11/2022. Ou seja, acaso não se conceda a liminar proposta, corre-se o efetivo risco de perder-se totalmente o objeto da demanda, e concretizar mais danos além daqueles de égide exclusivamente processual.

Pede-se, portanto, pela concessão de liminar para que seja suspenso o trâmite do projeto de lei até que se realize o julgamento de mérito do presente writ, para análise dos pedidos formulados no tópico anterior, nos termos da fundamentação.

  1. Dos pedidos.

Diante de todo o exposto, requer-se, desde já, ante a urgência da medida, o deferimento de prazo para juntada dos instrumentos de mandato, bem como:

a) a concessão de liminar, inaudita altera pars, para que seja determinada a imediata suspensão do trâmite do projeto de lei n° 493/2022, até o julgamento final do mérito do presente writ, nos termos da fundamentação, sem prejuízo da aplicação de multa pelo eventual descumprimento da ordem judicial deferida;

b) o regular processamento do presente mandamus, com a expedição de ofício à Autoridade Coatora para, caso queira, apresente os
esclarecimentos que entender necessários;

c) a intimação do litisconsorte para que tome ciência das decisões proferidas no presente feito, e para que preste os esclarecimentos que o Juízo entender necessários;

d) no mérito, pugna-se pela concessão da segurança para:

(1) determinar a suspensão do trâmite do processo legislativo até que seja apresentado aos Parlamentares o estudo elaborado pelo Conselho de Controle das Empresas Estatais – CCEE, conforme mencionado pelo Governo do Estado no Fato Relevante n° 04/2022 e 06/2022, com a consequente concessão de prazo razoável para análise do referido documento pelos parlamentares, nos termos da fundamentação; e

(2) determinar a anulação de todos os atos realizados no âmbito do processo legislativo, considerando a impossibilidade de atribuição do regime de urgência ao trâmite do projeto de lei apresentado pelo Impetrado, eis que se trata de matéria que não é de
iniciativa privativa do Governador, fugindo à regra do § 1° do art. 66 da Constituição do Estado do Paraná, nos termos da fundamentação;

e) a intimação do Ministério Público para que tome ciência, e apresente parecer sobre o mérito da causa, se entender necessário;

f) postula-se pela produção de todas as provas admitidas em direito para comprovar as alegações firmadas, em especial a prova documental anexa.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins de alçada.

Nestes termos.
Pede deferimento.

Curitiba, 23 de novembro de 2022.

LUIZ FERNANDO FERREIRA DELAZARI
OAB/PR 56.621

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