A Abin é um caso de polícia, por Milton Alves

Por Milton Alves*

O governo Lula tem uma decisão irrecusável nos próximos dias: a demissão em bloco da atual diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A começar pelo titular do órgão, o delegado federal Luiz Fernando Corrêa, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio do ano passado.

As investigações da Polícia Federal comprovam que a Abin foi aparelhada completamente durante a gestão de Alexandre Ramagem, atual deputado federal e operador do clã Bolsonaro.

A agência, transformada em um antro de arapongagem, foi utilizada pelo governo bolsonarista para espionar, monitorar e colecionar documentos, sem autorização judicial, de políticos de oposição, juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), advogados, jornalistas e de lideranças de movimentos sociais e Ongs.

Segundo as investigações, a ferramenta utilizada para violar o sistema de telefonia e rastrear os celulares foi o equipamento FirstMile, um software desenvolvido pela empresa israelense Cognyte. O software espião, através do sistema de geolocalização, reuniu dados e informações de 30 mil pessoas.

O governo da extrema direita montou uma verdadeira “Gestapo tupiniquim” para reforçar o arsenal antidemocrático e golpista contra a oposição e as instituições da República — mais um crime do inominável, que ainda segue flanando por aí, recebendo recursos públicos do fundo partidário para continuar conspirando contra os interesses do povo trabalhador e da nação.

Economia

Caso de Polícia e a extinção da Abin

Jornalistas da Globo podem ter sido grampeados pelo espião do governo do Paraná; marroquino é sócio de empresa de espionagem
Jornalistas, empresários, juízes e políticos podem ter sido grampeados pelo espião do governo do Paraná; marroquino Mehdi Mouazen é sócio de empresa de espionagem.

A Abin aparelhada cometeu um rol de crimes e a conduta dos seus diretores e agentes precisa passar por uma profunda e rigorosa investigação. Entre as ações e condutas criminosas levantadas estão o uso de atividades de inteligência para minar a confiança da população no sistema de votação eletrônica; o monitoramento do então presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, e de outros políticos; a prestação de assessoria ao senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”; o monitoramento de promotora do caso Marielle Franco; a espionagem do então governador do Ceará, Camilo Santana (PT), atual ministro da Educação; a difusão (plantar) de informações falsas sobre suposta ligação de políticos do PT com facções criminosas e relatórios sobre advogados e jornalistas críticos do governo bolsonarista.

A PF em relatório constatou que “a gravidade ímpar dos fatos é incrementada com o possível conluio de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin cujo resultado causou prejuízo para presente investigação, para os investigados e para a própria instituição”.

Ou seja, as investigações apontam na direção de que o atual corpo dirigente da Abin preserva relações com Alexandre Ramagem. “A percepção equivocada da gravidade dos fatos foi devidamente impregnada pela direção atual da Abin nos investigados [e] não alterou o cenário vivido pelos investigados ao tempo da gestão do del. Alexandre Ramagem em nítida relação de continuidade”, afirma o relatório da PF.

Há uma percepção no governo da necessidade de mudanças na Abin, que foi no ano passado transferida para o controle da Casa Civil. Antes, a agência estava abrigada no Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O episódio atual envolvendo a Abin nos remete, novamente, para o debate acerca do papel e da natureza de um serviço de inteligência na vigência do governo democrático. A Abin, assim como o GSI, foram formados com forte influência da visão dos militares sobre a segurança interna, uma visão ultrapassada e ainda marcada pelo traço do preconceito contra a esquerda e os movimentos sociais, uma mentalidade herdada da ditadura militar.

O Brasil necessita de uma agência de inteligência em novos moldes, focada nos novos desafios tecnológicos, que promova a defesa cibernética do país, a proteção de dados sensíveis e que forneça uma assessoria de alto nível para a cúpula governante, que monitore os riscos nas fronteiras e que contribua na gestão de planos em defesa dos nossos recursos estratégicos.

A atual Abin é um organismo imprestável. Não foi uma “Abin paralela” que promoveu a onda de arapongagem a serviço do governo bolsonarista, foi a Abin mesmo, a própria instituição. A atual agência de inteligência, assim como o GSI, são organismos incompatíveis com a vida democrática, carregam em suas entranhas um envelhecido DNA autoritário. A extinção da Abin seria uma medida de alcance democrático.

Quanto ao imediato: nos próximos dias, o governo Lula vai ter que tomar uma decisão sobre o futuro da diretoria da Abin — cresce a pressão por uma demissão coletiva. Já Alexandre Ramagem, é mais um criminoso do governo passado, que precisa responder por seus crimes.

*Milton Alves é jornalista e escritor. Autor dos livros ‘Brasil Sem Máscara, o governo Bolsonaro e a destruição do país’ [Kotter, 2022] e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ [Kotter, 2021]. É militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba.

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