Os dilemas da “Super Terça” que sacudiu a política

O jornalista Ricardo Cappelli concorda com a tese segunda qual a desistência de Joaquim Barbosa se deveu à descoberta por ele, ex-ministro, de que a eleição é para presidente da República e não para ditador. Em detalhado balanço, o articulista afirma que os movimentos da “Super Terça” tiraram o ex-governador Ciro Gomes do isolamento político.

Os dilemas da “Super Terça” que sacudiu a política

Ricardo Cappelli*

O quadro político anda tão estranho que fez convergir dois personagens improváveis. O ministro Carlos Marun, da tropa de choque de Eduardo Cunha, disse há cerca de quinze dias que a dificuldade de Joaquim Barbosa seria que a eleição é para presidente, e não para ditador.

Conhecido pelo seu temperamento difícil e pouco afeito aos rituais típicos do jogo político, Barbosa parece ter chegado à mesma conclusão. Pegou seu boné e deixou o PSB sem candidato.

A saída do ex-ministro do STF terá dois impactos imediatos. Primeiro, uma festa no comitê de Alckmin. Pesquisas indicavam que a dupla Bolsonaro-Joaquim impunha uma barreira instransponível ao paulista.

Economia

Os Tucanos voltam a sonhar com sua possibilidade de crescimento. A hipótese de um segundo turno entre Geraldo e Jair passa a ser real.

O segundo é a abertura da temporada de caça aos socialistas. Márcio França, com a poderosa caneta do Bandeirantes, entrará em campo com tudo. A bancada do PSB, que sonhava com Barbosa fortalecendo os votos no 40, poderá ficar suscetível aos argumentos do governador paulista.

A ala nordestina, mais próxima da esquerda, viverá um dilema. Com Lula preso e com sua provável inabilitação, o que fazer? Lançar um candidato sem expressão que será inevitavelmente cristianizado? Somar num pólo progressista?

A declaração do governador Flávio Dino defendendo a unidade do campo progressista, caso Lula seja impedido, em torno do candidato do campo mais bem posicionado nas pesquisas também sacudiu o cenário.

Manuela D’Ávila reagiu com elegância, habilidade e inteligência. Afirmou que a unidade do campo é desejada pelos comunistas, que as diferenças com Ciro são pequenas, e que se a unidade não acontecer, que fique claro, não foi por falta de esforço do PCdoB. A gaúcha sai maior do episódio.

Um fato de segunda feira a noite acabou de conformar o cenário. A entrevista de Boulos ao programa Roda Viva repercutiu na rede progressista.

A declaração de Dino, a desistência de Barbosa e a entrevista de Boulos deixaram o PT numa situação complexa.

Após uma semana de enfrentamento pesado entre o PT e Ciro, com o pedetista sendo tratado injustamente como traidor que não passa “nem com reza brava”, os movimentos da “super terça” tiraram o ex-governador do Ceará do isolamento.

Reafirmando a tática do “Lula ou Nada!”, o PT faz uma aposta de risco. Ao flertar com a extrema direita o PSDB acabou tendo parte do seu eleitorado engolido por Bolsonaro. Ao flertar com a extrema esquerda o PT corre o risco de ver parte de seu eleitorado engolido pelo PSOL.

Nas redes, a reação às declarações simpáticas a Ciro foi imediata. Vários eleitores lulistas afirmando que, se Lula não for candidato, vão de Boulos.

Lula continua sendo o grande eleitor do pleito, não há dúvida. Mas algumas questões se colocam de forma objetiva. Quanto tempo a base lulista não orgânica aguardará por uma definição de rumo que pode acontecer somente em agosto ou setembro? Como reagirá se Lula não sair da cadeia nos próximos 30 dias?

Lula merece toda nossa lealdade e solidariedade. Fica cada vez mais claro que, para tirá-lo da cadeia, o campo popular, nacional e democrático precisa ganhar as eleições. Será preciso virar a conjuntura. Qual a melhor forma? Estreitando ou ampliando? Construindo desde já um pólo democrático capaz de atrair outras forças ou marcando posição isolados?

Haddad lançado em setembro conseguirá reunificar a base lulista fragmentada na eterna espera?

Um segundo turno entre Alckmin e Bolsonaro ficou mais próximo nesta “super terça”. A esquerda precisa se unir. Ainda há tempo.

*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.