Um ano após morte de Dom e Bruno: indígenas clamam por justiça e segurança no Vale do Javari

No aniversário de um ano do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari (AM), as reivindicações principais da população indígena permanecem inalteradas. A necessidade de uma investigação mais aprofundada sobre o crime e a demanda por políticas públicas que assegurem a segurança na região continuam no centro das atenções.

Localizada nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no Amazonas, o Vale do Javari é a segunda maior terra indígena do Brasil. A região abriga a maior concentração de povos isolados em todo o mundo, com 64 aldeias pertencentes a 26 etnias e aproximadamente 6,3 mil habitantes. No entanto, enfrenta diversos problemas, como pesca ilegal, desmatamento e tráfico de drogas.

Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), ressalta a importância de uma investigação abrangente, que não se restrinja apenas aos autores do crime, mas também inclua os agentes que apoiam atividades predatórias na região do Vale do Javari.

“É crucial investigar o grupo que dá sustentação política a essas atividades ilegais que ocorrem na região. Além disso, também é necessário analisar o modus operandi do crime na região. Essa investigação abrangente é fundamental para garantir a segurança não apenas das terras indígenas, mas também da população local”, afirma Marubo.

O representante da Univaja também solicita uma maior articulação entre as políticas de Estado para garantir segurança permanente às populações indígenas do Vale do Javari. Ele critica a falta de ações concretas por parte do governo atual em relação às medidas sugeridas durante o processo de transição.

“Até o momento, não houve implementação efetiva do policiamento ostensivo conforme propomos ao governo, nem a priorização indicada nos primeiros 100 dias de governo. Isso deixa a região ainda mais vulnerável”, declara.

Economia

Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), destaca a necessidade de fortalecer as estruturas e garantir uma política permanente na região. Para isso, o órgão está estabelecendo um termo de cooperação entre organizações indígenas e conta com o apoio de todo o governo.

“É preciso investir prioritariamente no fortalecimento dessas estruturas, para que os outros órgãos ministeriais também compartilhem a responsabilidade de promover uma política de proteção permanente. É fundamental que o Estado respeite os direitos dessas comunidades indígenas em suas terras”, afirma Wapichana.

Na última sexta-feira (2/6), o Ministério dos Povos Indígenas formou um grupo de trabalho composto por dez ministérios, Funai, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e representantes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e da Univaja. O objetivo desse grupo é combater a criminalidade na região.

Wapichana critica a gestão anterior da Funai, afirmando que a fiscalização e o diálogo com os indígenas foram negligenciados, e considera que a fundação teve responsabilidade no crime. Ela argumenta que, diante de ameaças de morte e riscos enfrentados pelos servidores, é necessário contar com forças de segurança adequadas para garantir a proteção.

A busca de Dom e Bruno por evidências contra criminosos no Vale do Javari foi exatamente o que motivou seu assassinato. Suspeito de ser o mandante do crime, o empresário Rubens Villar Pereira foi colocado em liberdade provisória em outubro do ano passado mediante pagamento de fiança no valor de R$ 15 mil.

Atualmente, três pessoas acusadas de envolvimento nas mortes estão presas aguardando julgamento. No mês passado, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu ouvir novos depoimentos dos réus Amarildo da Costa Oliveira, Oseney da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima, cujo primeiro depoimento foi anulado. Pelo menos oito pessoas estão sendo investigadas pelas autoridades policiais por possível participação nos homicídios e ocultação de cadáveres.

Há três semanas, o ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier, e o ex-vice-presidente, Alcir Amaral Teixeira, foram indiciados por omissão no caso. A Polícia Federal considera que o órgão não tomou providências após tomar conhecimento do risco que o indigenista corria.

Como lembrança, amigos e familiares guardam as últimas fotos dos dois quando ainda estavam vivos. Essas imagens foram recuperadas do celular de Bruno, encontrado por indígenas do Vale do Javari quatro meses após o assassinato.

Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos em 5 de junho do ano passado, enquanto viajavam para entrevistar líderes indígenas e ribeirinhos em comunidades próximas ao Vale do Javari. O jornalista estava preparando um livro sobre a Amazônia. Licenciado da Funai desde 2020, Bruno trabalhava como consultor técnico da Univaja e acompanhava Dom Phillips nessa missão.

Desde que teve seu primeiro contato com a Amazônia em 1998, Dom se apaixonou pela região. “Acho que todos que vão para a Amazônia ficam impactados, pois é uma grandiosidade de vida ali, né? Dom percebeu isso, tanto que ele falava sobre ver Deus na natureza”, recorda Alessandra Sampaio, viúva do jornalista britânico.

Quanto a Bruno Pereira, Eliesio Marubo destaca que o servidor licenciado da Funai tinha uma atuação abrangente, que ia além do estudo das comunidades indígenas. “Bruno é considerado uma figura importante no indigenismo brasileiro, pois seu trabalho não se limitava apenas às comunidades indígenas. Ele tinha uma preocupação não apenas com os povos indígenas, mas também com as comunidades vizinhas às terras indígenas”, ressalta Marubo.

Para a viúva de Dom Phillips, o respeito pelos povos indígenas e pela Amazônia é um dos legados deixados pelo jornalista e pelo indigenista. “Acho que Dom e Bruno perceberam isso claramente. Eles conviviam com essas pessoas, com as riquezas que elas traziam, como aprender com a natureza. Acho que perdemos a conexão com a natureza e paramos de aprender com ela. O legado é voltarmos a olhar para a natureza e compreendermos que também somos parte dela”, conclui Alessandra.

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