Patriota ou perfeito idiota?

Luigi Bellodi*

O Brasil convive com a irrupção de uma espécie de surto de esquizofrenia que está afetando as mentes de uma parcela da nossa sociedade. Esse distúrbio psicótico tem sintomas que vão da alienação à negação da realidade. É uma debilidade que parece evoluir para a forma mais aguda quando se busca validar uma crença que não tem sustentação em fatos concretos.

Num termo mais popular, pode-se dizer que abriram a porta do sanatório e daí resultaram os protestos realizados em todo o Brasil por grupos de extrema-direita, com o bloqueio de vias urbanas e rodovias, além de aglomerações em frente a quarteis pedindo intervenção militar. Na visão científica, tais atitudes encontram conexão com aquilo que a psiquiatria classifica como Dissonância Cognitiva Coletiva.

Pelo que vimos, a demência deveria estar dormente no organismo daqueles que acabam de manifestar a doença, que foi despertada pelo contato com teorias da conspiração, com a desinformação e interpretações distorcidas de normas civilizatórias e regras sociais. A ativação de seus efeitos pode ter sido acelerada pela interação em canais de comunicação onde prevalecem conteúdos disformes, como grupos de Whatsapp.

Fica evidente que as pessoas que participam deste triste movimento que afeta o cotidiano nacional se alimentam de Fake News. Mas não é só isso, elas se negam a aceitar as informações divulgadas por canais regulares de comunicação, pregando inclusive a vedação das mídias tradicionais. Também desacreditam as instituições. Tão grave quanto a própria insanidade é saber que ela alcança amigos, parentes, vizinhos ou colegas de trabalho de qualquer um de nós.

A contestação do resultado das urnas inflamou esta alucinação coletiva e indivíduos crêem firmemente que alguma coisa que não é real está acontecendo. É um sintoma conhecido, que já foi observado em outras partes do mundo. Por aqui, o surto da extrema-direita é escorado no viés político, mas não passa de uma sandice que precisa ser tratada no campo da saúde mental.

Economia

O desatino dos “patriotas” ultrapassa o limite do razoável, como pudemos ver na clássica imagem do homem pendurado na frente de um caminhão em movimento. Na psiquiatria, atos como este são vistos como delírio, que nada mais é do que uma alteração de pensamento. É algo que se assemelha a relatos de pessoas que imaginam estar sendo monitoradas por chips implantados no corpo ou que um aparelho de televisão capta e transmite tudo que fazem dentro de casa.

Por óbvio, são ideias totalmente inverossímeis, mas que um alienado defende firmemente, como se fosse uma crença, mesmo quando lhe apresentam argumentações lógicas contrárias. Os psiquiatras sustentam que esse é um fenômeno muito comum em doenças como a esquizofrenia, que é uma perturbação mental que leva o doente a viver numa realidade paralela.

Olhando para os manifestos que contestam o resultado das eleições, não é distante comparar os atos antidemocráticos realizados por radicais de direita aos fatos ocorridos na Alemanha durante o regime nazista, quando o ódio prevaleceu sobre a razão. Na época, a crise econômica alemã foi colocada na conta dos judeus. A maioria dos alemães consentiu com a propaganda e os delírios de Hitler, e pouco fez para evitar a perseguição e eliminação do povo judeu.

De volta ao Brasil, é triste ver as pessoas alimentando um sentimento de cólera e concordando com aberrações contra a democracia. Por aqui, a tal dissonância cognitiva promove o negacionismo do sistema eleitoral, atacando diretamente o Estado Democrático de Direito. Bastou o presidente Jair Bolsonaro, derrotado em outubro, ficar 72 horas incomunicável que ganhou força a tese de uma possível intervenção militar pela via constitucional.

Incrível que teve gente que acreditou nisso e foi às ruas, como se estivesse num processo de abdução, achando que o silêncio presidencial era uma senha para reforçar os protestos. É muita imaginação para pouco juízo. E esse fenômeno aparenta não se esgotar, mesmo quando os fundamentos concretos e absolutos se impõem. A realidade é que tivemos eleições justas, um candidato foi eleito pela maioria dos votos e a democracia prevaleceu.

O grande problema é que teremos que lidar com as tolices conspiratórias por longo tempo. Daqui a quatro anos, poderemos questionar um perturbado desses que foi para a rua sobre as teorias que não se confirmaram e ele defenderá outra tese esdrúxula. Os próprios especialistas consideram difícil mudar o pensamento de uma pessoa que está doente do ponto de vista psíquico.

A grande tarefa que nos cabe é tentar inverter uma das máximas consagradas pelo escritor Nelson Rodrigues, que dizia que os idiotas vão dominar o mundo, mas não pela capacidade e sim pela quantidade. No Brasil de hoje, evitar este prognóstico não é um encargo menor dado o volume de patriotas que se revelaram perfeitos idiotas.

*Luigi Bellodi tem 49 anos e é psicanalista.

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