O ex-presidente Evo Morales declarou-se o “vencedor político” das eleições presidenciais bolivianas de 2025, apesar da derrota do seu campo político. Pelas redes sociais, o líder do Movimento ao Socialismo (MAS-IPSP) afirmou que Rodrigo Paz e Edmand Lara só venceram o pleito com o “voto evista”, isto é, dos eleitores indignados pela proscrição de sua candidatura.
Segundo Morales, o governo de Luis Arce, seu ex-ministro e sucessor, o teria “proscrito”, mas o povo respondeu “proscrivendo, nas urnas, os traidores”. O ex-presidente atribuiu aos 1,3 milhão de votos nulos a responsabilidade por definir o segundo turno, reforçando a narrativa de que a exclusão de seu nome distorceu o processo eleitoral.
Morales destacou ainda que o voto popular não representa um cheque em branco aos vencedores. “É um voto com mandato para que não destruam o Estado Plurinacional nem as conquistas sociais, que não apliquem medidas neoliberais nem se submetam ao imperialismo”, escreveu no X (antigo Twitter).
Aqui está a íntegra do texto de Morales nas redes sociais:
Paz e Lara venceram com o voto evista, o voto dos indignados pela proscrição e exclusão eleitoral. Os 1,3 milhão de votos nulos definiram o segundo turno. Está claro que o voto foi mais contra Tuto, o eterno perdedor, filho do ditador Banzer e aliado de Jeanine Áñez.
O governo de Lucho me proscreveu. E o povo proscreveu, nas urnas, os traidores.
O povo dos bairros populares e das áreas rurais, como não tinha seu candidato, não teve outra opção senão votar em Paz e Lara. Mas não lhes dá um cheque em branco.
É um voto com mandato para que não destruam o Estado Plurinacional e todas as grandes transformações e conquistas sociais; que não apliquem medidas neoliberais e que não se submetam ao imperialismo; que não sejam repressores; que não criminalizem o protesto social; e que governem consultando o povo.
Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão (PDC), foi eleito presidente da Bolívia com mais de 54% dos votos, contra 45% do ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, da aliança Libertad y Democracia (Libre). No discurso da vitória, Paz pediu o fim do ódio e das divisões no país, prometendo governar com amor e reconciliação nacional.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) felicitou Paz pela vitória e defendeu que a harmonia do processo eleitoral demonstra o compromisso democrático da sociedade boliviana. O Planalto vê em Paz um interlocutor moderado para aprofundar a integração sul-americana e a cooperação energética.
O apoio de Morales a Paz e Lara, candidatos de centro-direita, não surpreendeu observadores da política regional. Há dois meses, o Blog do Esmael revelou a inusitada amizade entre Evo Morales e o então presidente Jair Bolsonaro (PL), construída desde 2019, quando o governo boliviano extraditou o italiano Cesare Battisti para a Itália, gesto que agradou ao Planalto e marcou uma aproximação improvável entre dois líderes ideologicamente opostos.
Mesmo após ser deposto em 2019, Evo manteve contato com Bolsonaro, trocando confidências e opiniões sobre a conjuntura latino-americana. Essa ponte ajuda a entender sua atual estratégia, apoiar setores conservadores para derrotar o governo de Luis Arce, seu ex-aliado e rival interno no MAS.
Analistas veem o gesto de Evo como um movimento pragmático e de sobrevivência política, num contexto em que sua influência dentro do MAS se enfraqueceu. Ao declarar-se “vencedor moral” do pleito e aplaudir a vitória de Paz, Morales sinaliza uma reconfiguração de alianças na Bolívia e na região andina, onde antigas fronteiras ideológicas parecem cada vez mais difusas.
Moral da história, Evo Morales continua a jogar xadrez político, mesmo fora do tabuleiro oficial do poder. Há um mandado de prisão contra o líder indígena, mas nada que um eventual “indulto” não resolva, a exemplo do que se vê nos Estados Unidos.
Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.