As intoxicações por metanol registradas em São Paulo e outros estados colocam o Brasil em alerta e ameaçam abrir uma crise no mercado de álcool para consumo humano. Além de reacender o debate sobre bebidas adulteradas, o episódio expõe um consumo “invisível”, o álcool presente em alimentos fermentados e exportações in natura que até hoje passam despercebidos pelas estatísticas oficiais.
Casos de cegueira e mortes levaram o governo federal a instalar uma Sala de Situação no Ministério da Saúde para monitorar o avanço das notificações. O metanol, substância tóxica usada indevidamente para adulterar bebidas, tem alto poder letal, quando metabolizado transforma-se em formaldeído e ácido fórmico, capazes de causar danos irreversíveis ao sistema nervoso. O antídoto é o etanol farmacêutico, aplicado sob supervisão médica.
Embora o problema esteja concentrado em produtos clandestinos, o impacto simbólico ameaça todo o setor de álcool alimentício. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol, mas a maior parte é destinada a biocombustíveis. O álcool de uso alimentar, como o que integra bebidas, extratos e alimentos fermentados, é um nicho pequeno e pouco monitorado.
Poucos consumidores percebem, mas há pequenas quantidades de álcool em itens cotidianos, como frutas maduras, sucos, pães, kombuchas e iogurtes, que podem conter traços de etanol devido à fermentação natural. Mesmo após o cozimento, parte do álcool permanece, cerca de 40% após 15 minutos e 5% após duas horas e meia de preparo.
Essas doses são mínimas e não oferecem risco à saúde, mas o tema ganha nova relevância em tempos de desconfiança. A ausência de estatísticas específicas sobre o consumo de álcool em alimentos cria uma zona cinzenta regulatória, e a crise do metanol, por sua visibilidade, tende a acelerar debates sobre rotulagem e rastreabilidade desses produtos.
O setor exportador também sente os reflexos. A UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) e a ANP (Agência Nacional de Petróleo) concentram seus relatórios no etanol combustível, sem distinguir o álcool alimentício, uma brecha que pode gerar ruído em negociações internacionais.
Em 2024, o Brasil exportou 1,87 bilhão de litros de etanol, com destaque para Estados Unidos, Europa e Ásia. Menos de 10% desse volume teria sido destinado a uso alimentar, segundo estimativas do setor. Ainda assim, qualquer crise sanitária ligada ao álcool impacta a imagem do país como fornecedor de produtos seguros.
A cachaça, principal destilado nacional, exporta para mais de 70 países, entre eles EUA, Alemanha e Portugal. O mercado chinês, embora importante para commodities, ainda é marginal para a bebida. Uma eventual queda na confiança global pode endurecer exigências de certificação sanitária, com prejuízo à indústria de pequeno porte.
A pressão pública deve levar à ampliação da fiscalização pela Polícia Federal, Anvisa e Ministério da Agricultura. Especialistas defendem rastreabilidade similar à de medicamentos, capaz de garantir a origem e o teor do etanol usado em produtos destinados ao consumo humano.
Para o consumidor, o recado é direto, desconfiar de bebidas sem procedência e cobrar transparência das marcas. Para o Estado, o desafio é evitar que a ação criminosa de poucos contamine a reputação de toda uma cadeia produtiva que gera empregos e exportações.
A crise do metanol escancara as brechas de um sistema que trata o álcool como combustível, mas esquece que ele também está, silenciosamente, no prato, no pão e no copo dos brasileiros.
Mais que uma tragédia pontual, a intoxicação por metanol revela um problema estrutural de vigilância e comunicação de risco. O Brasil precisa de políticas públicas que protejam o consumidor, fortaleçam a fiscalização e garantam transparência nas cadeias de produção de álcool alimentar.
Leia mais no Blog do Esmael e acompanhe a cobertura sobre a crise do metanol e seus efeitos no mercado de álcool alimentício.
Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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