Câmara vota semana que vem a PEC do Bolsa Família de R$ 600, após aprovação no Senado

Texto também destina R$ 16,6 bi para saúde, R$ 6,8 bi para o aumento real do salário mínimo e R$ 2,8 bi para o reajuste de servidores

A Câmara dos Deputados iniciará na próxima semana a análise da Proposta de Emenda à Constituição 32/22, a PEC do Bolsa Família, também chamada de PEC da Transição ou ainda PEC do Lula. O texto aprovado pelo Senado na quarta-feira (07/12) assegura recursos fora da regra do teto de gastos e prevê uma nova regra fiscal, por meio de lei complementar, a partir de 2024.

A proposta tem impacto estimado de R$ 145 bilhões ao ano e não especifica como o valor deverá ser aplicado. O senador Marcelo Castro (MDB-PI), primeiro signatário da PEC e relator-geral do Orçamento para 2023, avaliou que R$ 70 bilhões serão destinados ao Bolsa Família, que retorna no lugar do Auxílio Brasil.

Com isso, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderá cumprir promessa de campanha e alocar no Bolsa Família um benefício mensal de R$ 600 por mês, mais uma parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos em todos os grupos familiares atendidos pelo programa.

Outras áreas beneficiadas
Segundo Marcelo Castro, o texto aprovado pelos senadores permitirá ainda a destinação de R$ 16,6 bilhões para políticas de saúde, entre elas o programa Farmácia Popular; de R$ 6,8 bilhões para o aumento real do salário mínimo; e de R$ 2,8 bilhões para o reajuste salarial de servidores do Poder Executivo.

Os R$ 145 bilhões anuais também não serão considerados para o cálculo da meta fiscal dos próximos dois anos e não seguirão a chamada “regra de ouro”. Pela Constituição, o governo não pode contrair dívidas para pagar gastos correntes – como salários, material de consumo e contas de água e luz, entre outros.

Economia

Mudanças no Senado
A versão original da PEC 32/22 previa a retirada do Auxílio Brasil da regra do teto de gastos por quatro anos. O relator, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), optou por um valor fixo, e reduziu o prazo da medida para dois anos. O impacto da PEC começou em R$ 175 bilhões e, após os debates, baixou para R$ 145 bilhões.

O texto aprovado determina que o governo Lula encaminhará para o Congresso, até o final de agosto de 2023, a proposta de um novo regime de controle dos gastos públicos. Essa regra fiscal deverá ser “sustentável” e substituirá o atual teto de gastos e deverá ser uma lei complementar – e não parte da Constituição.

O teto de gastos foi introduzido na Constituição em 2016, para tentar restringir o crescimento real das despesas por 20 anos. O limite varia de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Há algumas exceções, como transferências constitucionais, créditos extraordinários e custeio das eleições.

A PEC aprovada pelo Senado também retira da regra do teto de gastos despesas que tenham custeio próprio – custeados por doações, acordos ou organismos multilaterais. Estão nesta relação os projetos socioambientais, obras e serviços de infraestrutura e engenharia e despesas de instituições federais de ensino.

Além disso, a PEC permite a destinação de 6,5% do excesso de arrecadação de 2021 (cerca de R$ 22,9 bilhões) para investimentos; desobriga o governo de indicar fontes adicionais para o Auxílio Gás; e autoriza até 2023 a aplicação de parte dos recursos dos fundos nacionais de saúde e assistência social.

A equipe de transição para o governo Lula poderá indicar gastos no Orçamento de 2023 por meio de emendas do relator-geral, senador Marcelo Castro. Essas emendas serão classificadas como RP 1 (despesa primária obrigatória) ou RP 2 (despesa primária discricionária), em vez de RP 9, as emendas de relator-geral.

Repercussão na Câmara
A PEC da Transição ou PEC do Bolsa Família dividiu as opiniões durante a sessão do Plenário na Câmara, na quarta-feira (07/12), enquanto os senadores ainda analisavam a proposta. Deputados que apoiam o governo Bolsonaro criticam a medida, enquanto aliados de Lula a defendem. Outros cobraram responsabilidade na tramitação do assunto.

“O Congresso Nacional autorizou Jair Bolsonaro a furar o teto em R$ 750 bilhões, e agora é preciso reforço orçamentário para as necessidades da população mais pobre”, disse Bacelar (PV-BA). “Os pobres precisam ser resguardados, mas, por outro lado, também não pode ser o oba-oba”, avaliou David Soares (União-SP).

“A PEC da Transição, eu chamo de PEC da Cidadania, porque criará condições que permitirão ao governo funcionar, devolvendo esperança”, disse Merlong Solano (PT-PI). “Eu chamo de PEC da Argentina, porque vai levar o Brasil na direção que eles estão rumando”, afirmou Marcel Van Hattem (Novo-RS).

“Essa PEC é um desastre anunciado, um escárnio com a responsabilidade fiscal”, disse Carlos Jordy (PL-RJ). “Existem quatro regras de um arcabouço fiscal: o teto de gastos; as receitas; o balanço equilibrado na execução; e o tamanho da dívida. São esses pontos que vamos discutir”, afirmou Mauro Benevides Filho (PDT-CE).

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Repercussão na bancada do PT no Senado

“Essa é a PEC da conciliação”, sintetizou o líder da Minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN). “Está conciliando promessas de campanha dos dois candidatos, os orçamentos de 2022 e de 2023, os programas sociais que tantas pessoas necessitam e, por fim, a transição de um sistema caótico para um sistema fiscal realista, confiável e factível para o Brasil”, afirmou.

O texto foi aprovado em dois turnos de votação por ampla margem (64 votos a favor no primeiro e no segundo turnos) e segue agora para a Câmara dos Deputados. A expectativa é que seja votado já na semana que vem para que seja promulgado antes do recesso.

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o Congresso estaria debatendo esse texto qualquer que fosse o governo eleito “para o cumprimento dos compromissos assumidos pela campanha, para a manutenção dos serviços públicos, para a continuidade do enfrentamento à fome, porque são questões de interesse da sociedade e não somente de um partido ou de um presidente”.

Reação do mercado

Assim como Jean Paul e Humberto, o senador Jaques Wagner (PT-BA) ressaltou a boa receptividade que a PEC do Bolsa Família teve junto aos setores econômicos do país. “Não estamos chegando para brincar de PEC. Não nos interessa ficar dependendo de PEC. Queremos dar um arcabouço fiscal definitivo para o Brasil, em respeito ao mercado que reagiu bem ontem [após a aprovação da emenda na CCJ], a bolsa subiu e o dólar caiu”, relatou.

“Sabemos que a proposta não é a solução para todos os males do país”, afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS), “mas é fundamental para a reconstrução nacional pós-pandemia”. Ele citou dados oficiais para demonstrar por que considera a “dramática” a crise social brasileira.

“O povo brasileiro precisa de condições mínimas para viver e a responsabilidade é nossa nesse momento da história. Mais de 62 milhões estão em situação de pobreza. Desses, quase 18 milhões de pessoas estão em situação de extrema pobreza. O percentual de criadas de até 14 anos abaixo da linha da pobreza é de 46,2%. O IBGE destaca que 11% dos pretos e partos são considerados os mais pobres, e entre os não pretos e pardos são 5%. Direta ou indiretamente, cerca de 100 milhões dependem do salário mínimo, é um farol para os mais pobres. Cabe a nós pensar na grandeza do coletivo”, afirmou Paulo Paim.