O governo Trump tenta empurrar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia enquanto pressiona Vladimir Zelensky a aceitar termos que incluem concessões territoriais e limites militares, num processo conduzido quase à revelia da Europa e sob desconfiança de Kiev.
As conversas avançam em Abu Dhabi, onde o secretário do Exército dos EUA, Dan Driscoll, ligado politicamente ao vice-presidente JD Vance, se encontrou com uma delegação russa. A diplomacia improvisada de Washington ganhou velocidade desde a reunião de Trump com Vladimir Putin no Alasca, em agosto, e se transformou numa ofensiva para fechar um texto final.
Driscoll, recém-promovido a negociador central do governo americano, levou a Kiev um ultimato. Ele exigiu que Zelensky aderisse ao plano de 28 pontos em poucos dias. O documento previa que a Ucrânia cederia territórios já ocupados pela Rússia, aceitaria limites ao tamanho de suas Forças Armadas e apoiaria uma anistia ampla para crimes de guerra.
O vazamento do texto, combinado com o tom duro do enviado americano, provocou choque entre ucranianos e europeus. Em reunião com embaixadores da OTAN, Driscoll ouviu resistência generalizada. Um diplomata descreveu o encontro como um “pesadelo”.
A Casa Branca recuou da pressão pública, dizendo que o plano era apenas um ponto de partida. Mas o estrago estava feito. Zelenskyy admitiu enfrentar um dos momentos mais difíceis da história do país. Disse que a Ucrânia estava diante de uma escolha cruel, entre “perder a dignidade ou perder um aliado vital”.
Na Europa, líderes demonstram desconforto com o protagonismo americano. O presidente da Finlândia, Alexander Stubb, virou interlocutor de Trump no continente e avisou que os próximos dias seriam decisivos. Emmanuel Macron advertiu que o Ocidente não pode aceitar um acordo que equivalha a “capitulação”. O premiê britânico, Keir Starmer, reforçou apoio a Kiev.
Moscou, por sua vez, reage com frieza. O ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, afirma que qualquer versão final deve respeitar “o espírito e a letra” do que Trump e Putin discutiram no Alasca. O porta-voz Dmitry Peskov finge desconhecer quem compõe a delegação russa reunida em Abu Dhabi.
Enquanto negociadores tropeçam nos impasses, a guerra real continua. Na última madrugada, a Rússia lançou 22 mísseis e 464 drones sobre cidades ucranianas, concentrando ataques na região de Kiev. O prefeito Vitali Klitschko confirmou ao menos sete mortos.
Zelensky cobrou que seus aliados pressionem Moscou de forma coordenada para evitar que o Kremlin se sinta livre para vencer militarmente enquanto negocia diplomaticamente. O presidente ucraniano manteve um canal direto com Trump e sinalizou que tratará os pontos mais delicados pessoalmente com o líder americano.
A ofensiva diplomática dos EUA, porém, expõe uma disputa maior, entre pressa política em Washington, resistência europeia e ambições territoriais russas que permanecem inalteradas. A paz segue distante.

Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.




