A crônica desta semana não poderia deixar de registrar a contradição que atravessou as manifestações contra a chamada PEC das Prerrogativas, batizada de PEC da Blindagem ou da Bandidagem.
O que se viu foi a mobilização de milhares de pessoas em 27 capitais, embaladas por artistas consagrados e palavras de ordem contra o Congresso.
Os atos vieram de “graça”, no empurrão de campanhas da velha mídia corporativa que despertam desconfiança até dos santos.
Até setores da esquerda ficaram ressabiados com a manifestação.
Não só porque a convocatória veio com cheiro de campanha publicitária bancada pelos ricaços, mas também porque parte de seus parlamentares votou a favor da PEC das Prerrogativas na Câmara.
O constrangimento foi tanto que alguns correram às redes para pedir desculpas e tentar justificar o erro, expondo a fragilidade das alianças e a pressão que a Faria Lima exerce até sobre quem deveria enfrentá-la.
É impossível ignorar que a caneta da imprensa continua subordinada à carteira da Faria Lima.
Propriedades cruzadas, acionistas ocultos e interesses compartilhados entre redações e bancos explicam o zelo repentino pela moralidade parlamentar.
Quem não conhece, compra a Globo e os demais veículos da velha mídia corporativa.
A cena lembra a coreografia de 2016, quando deputados votaram pelo impeachment de Dilma Rousseff em nome da “família”, da “honra” e até de Deus, mas na verdade obedeciam ao mercado.
Ao colocar o foco na PEC da Blindagem, a agenda das ruas acabou desviada.
Enquanto se falava em “blindagem” e se aplaudia a derrota provável do texto no Senado, deixaram-se de lado os temas que poderiam unificar a maioria: isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, fim da jornada 6×1, baixar os juros, taxação dos super-ricos e repúdio ao tarifaço de Donald Trump contra o Brasil.
Essa distração beneficia indiretamente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que já se apresenta como o anti-PT e anti-Lula rumo a 2026.
A narrativa da mídia corporativa pavimenta sua estrada eleitoral, já que os protestos acabam isolando o governo do Centrão, bloco que concentra a maioria no Congresso.
O nome desse jogo é isolar Lula e o PT.
Também faltou no ato espaço para discutir o poder imperial do Supremo Tribunal Federal.
A Corte cumpre papel central no julgamento de Jair Bolsonaro e dos militares golpistas, mas permanece intocada em seus próprios abusos e decisões controvertidas.
Portanto, o domingo foi uma mistura de barulho e silêncio.
Houve volume popular contra a blindagem, mas a pauta econômica ficou eclipsada.
Se a esquerda quiser retomar protagonismo, terá de mirar na Faria Lima e recolocar no centro da cena a vida concreta da maioria: juros, renda, jornada de trabalho, justiça fiscal e soberania.
Do contrário, continuará marchando ao som da música que não escolheu.
Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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