Coluna do Reinaldo de Almeida César: Beto Richa governa como se fosse uma biruta de aeroporto

biruta
Em sua coluna semanal, Reinaldo de Almeida César fala das mudanças de direção no governo Beto Richa (PSDB), ao sabor do vento das opiniões. Nos últimos meses se tornou comum o governo anunciar medidas e depois recuar, geralmente em função dos protestos de diversos setores da sociedade. Reinaldo também comenta uma possível retaliação ao responsável pelo Inquérito Policial Militar sobre o Massacre de 29 de Abril. Leia, comente e compartilhe.

Reinaldo de Almeida César*

O arrependimento, desde que sincero, é uma atitude nobre.

Está no Livro dos Livros, em Romanos 2:4 que “a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento”.

Eu mesmo – e estou certo que os leitores também – vejo-me flagrado em instantes de arrependimento ao longo da vida. Meus implacáveis botões tem prodigiosa memória e não me deixam esquecer das decisões errôneas e das companhias pouco recomendáveis a que me submeti.

Se para o indivíduo comum este dolorido sentimento é recorrente, para os governos, então, isso passa a ser regra, a começar pelo chamado “princípio da autotutela”, pelo qual a administração pública tem o poder/dever de rever ou revogar seus próprios atos.

Ainda mais quando tais atos ainda não tomaram forma, mesmo que anunciados oficialmente.

Economia

Registre-se, porém, que o o governo estadual parece estar tomando gosto disso, transformando o arrependimento – não se sabe, contudo, se sincero – numa prática de gestão.

Anuncia um ato de governo e, horas ou dias depois, muda radicalmente de posição, abandonando a ideia antes anunciada, como se em algum recôndito no Palácio Iguaçu estivesse cravada uma “manga de vento” ou, como conhecida no Brasil, uma “biruta” de aeroporto.

A sensação que fica é que, anunciada uma decisão mal pensada, soa um alarme na sala dos marqueteiros a relembrar dos danos para a imagem do governador, com inevitáveis reflexos na sonhada eleição para o Senado.

Então, sem mais dizer, o governo dá meia-volta, e numa manobra de 180 graus, descarta a medida.

Tome-se o exemplo da absurda decisão de se fechar escolas ou, agora, de se surrupiar os recursos do Fundo da Criança e da Adolescência (FIA).

Neste segundo caso, foi preciso a voz firme e sempre eloquente do procurador Olimpio de Sá Sottomaior Neto para que o governo recuasse.

Tenho enorme consideração e amizade pelo procurador Olympio de Sá Sottomaior Neto.

Com ele já convergi e também já divergi em teses, mas nunca deixei de registrar minha admiração pelo seu idealismo e sua devoção na intransigente defesa que faz dos valores da cidadania e dos mais altos princípios que iluminam a proteção dos direitos humanos e, em particular, das crianças e adolescentes, hipossuficientes e desafortunados.

Lamento apenas que o comando das forças de segurança não tenham a mesma plena autonomia e força institucional para lutar pela restauração do Fundo da Segurança Pública – o FUNESP – criado pelo vontade soberana e unânime dos deputados estaduais, em 2011, e transformado em pó pela sanha arrecadatória da Secretaria da Fazenda.

Se a secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social não conseguiu, de per si, manter o FIA, quem dirá o secretário de Segurança Pública – seja ele quem for – levantar-se altaneiro contra a tunga de recursos no seu setor, pelo eventual remanejamento de recursos ao caixa único do Estado.

Nesta dinâmica de recuos, bem que o governo poderia agora também esquecer o nefasto projeto de alterar o valor de pagamento das requisições de pequeno valor (RPV) e, ainda, numa tacada só, devolver a administração do sistema penitenciário e prisional para a Secretaria da Justiça, de onde nunca deveria ter saído.

Ainda mais agora, que já se resolveu a polêmica prorrogação do milionário – em milhões, mesmo – contrato de fornecimento de comida para presos.

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O imponente prédio do comando-geral da PM na Getúlio Vargas exala ares de desconfiança.

É que parece haver um movimento em marcha pelo Centro Cívico para passar uma katana ao redor do pescoço do dedicado Coronel Carlos Alberto Buhrer Moreira, destituindo-o da função de Subcomandante Geral da corporação.

A razão ? A mais abjeta possível.

Uma retaliação direta pela forma com que o Coronel Buhrer, honrando a farda que enverga, teria conduzido, de forma isenta e técnica, o Inquérito Policial Militar que apurou as responsabilidades, na esfera militar, acerca dos fatos que estiveram no entorno do Massacre de 29 de Abril.

Apertar o assento ejetor do Coronel Buherer por tal fato é como o governo federal destituir das funções o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pelo avanço das investigações da Polícia Federal e do MPF, na Lava-Jato.

É como espancar o carteiro por trazer a carta com notícias que desagradam.

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Impossível esta coluna – que fala sobre segurança pública – não deixar um breve registro sobre a tragédia que se abateu sobre Paris, pela ação tresloucada de terroristas insanos que fizeram jorrar sangue de inocentes sobre um país de reconhecida tradição de acolhimento de povos e de tolerância com a divergência.

Difícil também escrever algo novo sobre o que já se disse por estes dias, em corretas abordagens sobre segurança interna e externa, no novo cenário mundial.

Permitam-me, então, ao lado da solidariedade que expresso ao povo francês, sugerir a leitura de apenas dois artigos, muito sintéticos e ao mesmo tempo muito profundos.

O primeiro, de autoria do jornalista Nicolas Henin, feito refém do dito Estado Islâmico por dez longos meses, e que foi originalmente escrito para o “The Guardian”, sendo depois traduzido pela Folha.

O outro texto, de absoluta clareza e clarividência, apresentado pelo Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional, Ali Mazloum, publicado no Estadão.

Recomendo que dediquem dez minutos numa atenta leitura. Vale muito a pena.

*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.

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