Reinaldo de Almeida César*
O arrependimento, desde que sincero, é uma atitude nobre.
Está no Livro dos Livros, em Romanos 2:4 que “a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento”.
Eu mesmo – e estou certo que os leitores também – vejo-me flagrado em instantes de arrependimento ao longo da vida. Meus implacáveis botões tem prodigiosa memória e não me deixam esquecer das decisões errôneas e das companhias pouco recomendáveis a que me submeti.
Se para o indivíduo comum este dolorido sentimento é recorrente, para os governos, então, isso passa a ser regra, a começar pelo chamado “princípio da autotutela”, pelo qual a administração pública tem o poder/dever de rever ou revogar seus próprios atos.
Ainda mais quando tais atos ainda não tomaram forma, mesmo que anunciados oficialmente.
Registre-se, porém, que o o governo estadual parece estar tomando gosto disso, transformando o arrependimento – não se sabe, contudo, se sincero – numa prática de gestão.
Anuncia um ato de governo e, horas ou dias depois, muda radicalmente de posição, abandonando a ideia antes anunciada, como se em algum recôndito no Palácio Iguaçu estivesse cravada uma “manga de vento” ou, como conhecida no Brasil, uma “biruta” de aeroporto.
A sensação que fica é que, anunciada uma decisão mal pensada, soa um alarme na sala dos marqueteiros a relembrar dos danos para a imagem do governador, com inevitáveis reflexos na sonhada eleição para o Senado.
Então, sem mais dizer, o governo dá meia-volta, e numa manobra de 180 graus, descarta a medida.
Tome-se o exemplo da absurda decisão de se fechar escolas ou, agora, de se surrupiar os recursos do Fundo da Criança e da Adolescência (FIA).
Neste segundo caso, foi preciso a voz firme e sempre eloquente do procurador Olimpio de Sá Sottomaior Neto para que o governo recuasse.
Tenho enorme consideração e amizade pelo procurador Olympio de Sá Sottomaior Neto.
Com ele já convergi e também já divergi em teses, mas nunca deixei de registrar minha admiração pelo seu idealismo e sua devoção na intransigente defesa que faz dos valores da cidadania e dos mais altos princípios que iluminam a proteção dos direitos humanos e, em particular, das crianças e adolescentes, hipossuficientes e desafortunados.
Lamento apenas que o comando das forças de segurança não tenham a mesma plena autonomia e força institucional para lutar pela restauração do Fundo da Segurança Pública – o FUNESP – criado pelo vontade soberana e unânime dos deputados estaduais, em 2011, e transformado em pó pela sanha arrecadatória da Secretaria da Fazenda.
Se a secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social não conseguiu, de per si, manter o FIA, quem dirá o secretário de Segurança Pública – seja ele quem for – levantar-se altaneiro contra a tunga de recursos no seu setor, pelo eventual remanejamento de recursos ao caixa único do Estado.
Nesta dinâmica de recuos, bem que o governo poderia agora também esquecer o nefasto projeto de alterar o valor de pagamento das requisições de pequeno valor (RPV) e, ainda, numa tacada só, devolver a administração do sistema penitenciário e prisional para a Secretaria da Justiça, de onde nunca deveria ter saído.
Ainda mais agora, que já se resolveu a polêmica prorrogação do milionário – em milhões, mesmo – contrato de fornecimento de comida para presos.
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O imponente prédio do comando-geral da PM na Getúlio Vargas exala ares de desconfiança.
É que parece haver um movimento em marcha pelo Centro Cívico para passar uma katana ao redor do pescoço do dedicado Coronel Carlos Alberto Buhrer Moreira, destituindo-o da função de Subcomandante Geral da corporação.
A razão ? A mais abjeta possível.
Uma retaliação direta pela forma com que o Coronel Buhrer, honrando a farda que enverga, teria conduzido, de forma isenta e técnica, o Inquérito Policial Militar que apurou as responsabilidades, na esfera militar, acerca dos fatos que estiveram no entorno do Massacre de 29 de Abril.
Apertar o assento ejetor do Coronel Buherer por tal fato é como o governo federal destituir das funções o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pelo avanço das investigações da Polícia Federal e do MPF, na Lava-Jato.
É como espancar o carteiro por trazer a carta com notícias que desagradam.
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Impossível esta coluna – que fala sobre segurança pública – não deixar um breve registro sobre a tragédia que se abateu sobre Paris, pela ação tresloucada de terroristas insanos que fizeram jorrar sangue de inocentes sobre um país de reconhecida tradição de acolhimento de povos e de tolerância com a divergência.
Difícil também escrever algo novo sobre o que já se disse por estes dias, em corretas abordagens sobre segurança interna e externa, no novo cenário mundial.
Permitam-me, então, ao lado da solidariedade que expresso ao povo francês, sugerir a leitura de apenas dois artigos, muito sintéticos e ao mesmo tempo muito profundos.
O primeiro, de autoria do jornalista Nicolas Henin, feito refém do dito Estado Islâmico por dez longos meses, e que foi originalmente escrito para o “The Guardian”, sendo depois traduzido pela Folha.
O outro texto, de absoluta clareza e clarividência, apresentado pelo Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional, Ali Mazloum, publicado no Estadão.
Recomendo que dediquem dez minutos numa atenta leitura. Vale muito a pena.
*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.