Transição energética para onde? Para quê?

Por Pedro Augusto Pinho*

A man so various, that he seemed to be

Not one, but all mankind’s epitome;

Stiff in opinions, always in the wrong,

Was everything by starts and nothing long”.

John Dryden (1631-1700) – “Absalom and Achitophel” (1681).

*****

Um homem tão diverso, que não parecia ser um,

Mas o apanhado de toda a humanidade;

Firme em opiniões sempre erradas,

No começo, impulsivo, no fim, inconstante”.

(na poética tradução da Maria Judith Martins).

De uma característica, o neoliberalismo certamente não fugirá, das farsas e falácias, das imprecisões e incorreções que acompanham seus argumentos, astúcias e feitos.

Marco Túlio Cícero, o grande orador romano, político e filósofo, qualificou a História como Mestra da Vida (“magistra vitae”). Porém não o fez para que ela entrasse no Templo dos Deuses, mas para fornecer exemplos, auxiliar, com o já ocorrido, as decisões para o futuro.

As energias caracterizaram as sociedades de seus tempos. A primeira, contida no próprio corpo humano, a do sacrifício físico, da demora a concluir o objetivo, da fragilidade.

Então, usando seu discernimento, sua capacidade de racional, o homem domesticou outros animais, descobriu como produzir o fogo, a se utilizar do fluxo das águas, do vento, e conseguiu muito mais. Foi longe, atravessou mares, disputou terras e alimentos com outros seres vivos.

Tornou-se mais forte, teve menor cansaço e mais gratificações.

Economia

Observou, talvez receasse, não fosse variado e inconstante como da satírica poesia de Dryden, que “great wits are to madness near allied” (“grandes inteligências são quase aliadas da loucura”, em “Absalom and Achitophel”).

Porque levou milênios estacionado nestas energias. Mudou a Era, mudaram as sociedades e os poderes, e a energia restava a mesma.

Se estimarmos que a agricultura, talvez a primeira organização do homem na terra, é datada pela maioria dos arqueólogos entre 12.500 a 15.000 anos, e o uso das energias de origem fóssil tem início na Revolução Industrial (1760), veremos quanto tempo o homem levou para dar este salto imenso no sentido de seu conforto e proteção.

Não temos dúvida, a energia condiciona a vida. Mas parece a todos que está aí como o ar; sempre à disposição, sem que fizéssemos qualquer esforço para o usufruir.

Todos achamos normal que tenhamos água gelada e café quente, que iluminemos a casa à noite e usemos aquecedor ou refrigerador do ar. E tudo, rigorosamente tudo, tem a energia que lhe garante o funcionamento otimizado: mais constante, mais garantido e menos oneroso.

Ao descobrir o uso com insumo energético do carvão vegetal, o homem deixou de lado a queima de florestas, ao descobrir o petróleo, substituiu o carvão mineral e o mesmo tenderá a acontecer com a energia nuclear e outras que sejam ainda mais poderosas e econômicas, este é o sentido da História, nossa mestra.

Há, no entanto, um empecilho para este paraíso: o poder. O poder manteve por séculos o homem na ignorância, acreditando em deuses que o poder criava. E nas disputas do poder, guerreavam os adeptos de diferentes deuses.

O poder do capital industrial, que necessita ter, nos homens, consumidores, buscou não apenas os recursos para a grande produção, como alguma distribuição de riquezas ou o Estado protetor, para poder vender seus produtos.

E se levamos milênios para chegar ao carvão mineral, nem bem um século nos separou o carvão mineral do petróleo, e menos tempo, ainda, a energia nuclear do petróleo.

A demografia, a economia e a energia correm juntas. Muita gente, muitos produtos, energias mais eficazes.

A transição energética

Não fosse originada de poder farsante, o das finanças apátridas, fruto de especulações, crimes e comportamentos reprováveis, unicamente preocupadas em aumentar e concentrar riquezas, sem o esforço produtivo, poderíamos examinar as pretensas qualidades da transição energética como um interesse na humanidade.

E sabemos que, como o poder que a impõe, todos os dados são falsos, toda informação desonesta, em tudo que atua se descobrem erros, não pela imperícia ou ingenuidade ou loucura, mas para enganar, iludir, simular interesses que nunca lhe orientaram.

A transição energética é voltar às fontes de energia anteriores à revolução industrial.

Não mais progresso, o tempo é do retrocesso.

O que nos trouxe o neoliberalismo? A segurança ou a intranquilidade da vida futura? A aposentadoria, a pensão da viúva, ou a insegurança de micro empresário individual (MEI)? O que estamos vendo na outrora evoluída e culta Europa: greves, lixo nas ruas, coletes amarelos, depredações de patrimônios públicos e privados. Num país rebelde e revolucionário ou por toda parte?

Teremos então, não mais a certeza da energia do petróleo, porém a inquietação da energia solar, porque o mês choveu, a safra se perdeu, e o vento foi pouco. Voltaremos a usar pernas e braços para solução dos nossos problemas. É isso avanço ou retrocesso civilizatório?

Em nome de quem? Dos deuses inventados ou dos capitais apátridas?

Energia é assunto muitíssimo sério. Dela depende a produção e a segurança, individual e do Estado Nacional. É com mais ou menos energia que as nações se tornam ricas e poderosas, ou fracas e dependentes.

Um pouco do poder

Tratamos até agora do denominado mundo ocidental e seu poder unipolar. Precisamos conhecê-lo melhor e as outras forças que governam nosso Planeta.

Acreditamos que estas forças, no século XXI, sejam três: (a) unipolar neoliberal financeira, que domina a Europa e suas antigas e mesmo atuais colônias no Continente Americano e na Oceania, chamaremos algumas vezes por “ocidente”; (b) islâmica, que se espalha pelo norte da África, Oriente Médio e avança pela Ásia Ocidental, é a força unida pela religião e suas vertentes, a Europa conheceu algo semelhante na Idade Média, e (c) multipolar.

A multipolar, como se deduz da designação, é múltipla. Os polos se congregam, de algum modo, na Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR, ou, na sigla em inglês, BRI) que, em 2018, contava com 125 países e 29 organizações internacionais. Distinguimos, internamente, neste poder: o polo chinês, o polo indiano, o polo russo e o polo africano. Este último tende a crescer e se repartir ainda nesta primeira metade do século.

Os cinco principais eixos de atuação do ICR são: 1) comunicação; 2) conectividade (infraestrutura de transporte); 3) aumento dos fluxos monetários; 4) facilitação do comércio e 5) migração, visando à criação da área de cooperação que se estende do Pacífico Oeste ao mar Báltico. Afirma o historiador francês François Godement (1949), “a China está buscando suplementar a ordem (mundial) em vez de revisá-la”.

É ainda um pouco mais complexo do que a visão economicista, comum ao neoliberalismo e ao próprio ocidente, quando tratam da República Popular da China (China).

Ao invés do retrocesso da transição energética, a China, na liderança do mundo multipolar, procura avanços tecnológicos e reestruturas do poder.

Ao discursar, em maio de 2018, para duas Academias, a de ciência “CAS” e a de engenharia “CAE”, Xi Jin Ping afirmou: “observem as fronteiras da ciência e tecnologia, liderem a direção de seu desenvolvimento, assumam as pesadas responsabilidades conferidas pela história e sejam vanguardas em inovação na nova era”. Além disso, Xi enfatizou a importância do apoio do Estado à pesquisa e à realização científica. Por sua vez, ele espera que maior inovação doméstica estimule a autossuficiência tecnológica da economia e modernizar a China.

Como observam, em artigo no MACRO POLO (23/05/2023), “Nanômetros sobre o PIB: os líderes tecnocratas podem melhorar a política industrial da China?”, os pesquisadores e escritores Ruihan Huang e AJ Cortese: “O espaço é a fronteira final, é também uma porta giratória na política chinesa nos dias de hoje. Dos 205 membros plenos do 20º Comitê Central (CC) do Partido Comunista Chinês (PCCh), dez são veteranos da indústria aeroespacial, alguns dos quais executaram grandes projetos como o Programa “Lunar Chang’e 4” (a segunda sonda espacial chinesa a pousar na Lua, construída como gêmea e suplente da Chang’e 3). O orgulho pelo programa espacial bem-sucedido da China é efusivo na mídia oficial. Com a intensificação da competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos, Pequim pode facilmente promover produtos tangíveis como trens, foguetes, jatos comerciais e sua estação espacial como “vitórias” para a autossuficiência tecnológica. Essa ênfase na autossuficiência tecnológica não se manifesta apenas na ascensão dessa “cabala aeroespacial”. Também se reflete no ressurgimento mais amplo de tecnocratas no alto escalão da política chinesa, como destacou nossa análise anterior. Os números deixam claro que os tecnocratas se saíram muito bem ao serem promovidos ou reterem seus assentos na transição política do 20º Congresso do Partido. Dos 205 membros plenos do 20º CC, mais de um terço (69) são tecnocratas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), um aumento de 35% em relação ao 19º CC. Mesmo no nível do Politburo (órgão de decisão intermediário entre o Comitê Permanente, com sete integrantes, e o Comitê Central do Partido), oito dos 24 membros são tecnocratas, o dobro do 19º Politburo” (em tradução livre).

Portanto, caros leitores, o Brasil pode considerar que a “transição energética” pode ser substituída pelo “nanômetro da energia”, aplicando mais conhecimento na produção e nos usos da energia nuclear e no petróleo, as mais recentes incorporações à sociedade humana.

No mundo da energia

Vivemos realmente num país abençoado. Temos energia hidrelétrica, rios fluindo por todo território, capaz de nos suprir de energia limpa, não poluidora. E que leva progresso, quebra o marasmo da indolência e integra populações ao contexto nacional.

Temos insolação abundante, para nossa agricultura, para a alegria de viver. Temos aquíferos, temos terras fertilizáveis. E temos petróleo, muito mais petróleo do que a “banca”, as estatísticas estrangeiras apontam para manter o País submisso.

Quem importa mais para o Brasil: o seu cidadão ou um peixinho do rio? E inquerimos à dona Marina: se este peixinho é único, ele deve então ser colocado em lugar de destaque e ter tratamento incomum. E vamos preservá-lo dos predadores.

Por que nossas florestas tropicais devem ser mais preservadas do que as boreais? Estas últimas mais sensíveis e muito mais capazes de promover o degelo que destruirá as cidades costeiras do mundo. Não é WWF – World Wide Fund for Nature Inc.? Não é mesmo, Greenpeace?

Transcrevemos de Organização Não Governamental (ONG), fundada em 1970, sediada em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA), a Natural Resources Defense Council (NRDC), pequeno excerto de artigo por eles publicado em 31 de dezembro de 2015:

Ao sul da tundra estéril da região polar, a floresta boreal do Canadá oferece 1,3 bilhão de acres de habitat selvagem para uma variedade impressionante de espécies – de grandes carnívoros como ursos pardos, lobos e linces a aves migratórias nidificantes e milhares de variedades de plantas. Suas árvores e pântanos capturam grandes quantidades de poluição de carbono que altera o clima, e seus pântanos filtram milhões de litros de água. O boreal também abriga centenas de comunidades das Primeiras Nações, muitas das quais dependem da caça, pesca e armadilhas para sua subsistência. No entanto, este paraíso intocado é central para um dos debates mais contenciosos de hoje sobre energia suja. (Melissa Denchak, “A luta suja pelo petróleo das areias betuminosas canadenses”, NRDC).

Estaria a WWF camuflada para tratar da floresta amazônica brasileira?

Do que se trata então? De “um depósito lamacento de areia, argila, água e betume preto pegajoso (usado para fazer óleo sintético) que fica abaixo da floresta boreal do norte de Alberta, em uma região do tamanho da Flórida. Extrair e converter areias betuminosas em combustível utilizável é um empreendimento extremamente caro e intensivo em energia e água, que envolve a mineração em faixas gigantes de terra e a criação de cargas de lixo tóxico e poluição do ar e da água”.

A “BP Statistical Review of World Energy” (BP Review), até dois anos, publicava as Reservas Mundiais de Petróleo e assim constavam as do Canadá e dos EUA, ambos com as areias betuminosas, e o petróleo em outros países. 

País2000201020192020
Canadá181,5171,8169,1168,1
EUA30,435,068,868,8
Brasil8,514,212,711,9
Venezuela76,8295,5303,8303,8
Reino Unido4,72,82,52,5
Rússia112,1105,8107,8107,8
China15,223,326,026,0
Oriente Médio696,7765,9836,0836,9
Mundo1300,91636,91734,81732,4

Outro dado bastante necessário para evitar as falácias neoliberais é conhecer a relação R/P, ou seja, as reservas existentes (R) divididas pela produção (P) do ano. Tem-se assim que, se não houver grandes alterações no consumo e não ocorreram mais descobertas ou melhores fatores de recuperação dos reservatórios já conhecidos, em quantos anos aquele petróleo ali computado irá terminar.

Em 2020, conforme os dados da BP, o petróleo existente acabaria em 53 anos e meio.

Mas não acabaria igual para todos. Para os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o petróleo acabaria em 108 e quatro meses; já para os países da União Europeia (UE), em 16 anos e sete meses.

Considerando

O mundo ficou mais intercomunicado, porém aumentou imensamente a censura e a informação propositalmente errônea e doutrinária, dogmática, colonial (fake news). Nos poucos dados que colocamos, já se observam falácias e contradições com outras informações, dirigidas pelos poderes.

O Brasil precisa de amplo debate sobre o tema da energia. É dificílimo, pois os interesses neste tema estão impregnados em todos os poderes, e, o pior, nos preconceitos criados pela comunicação de massa. Há muito “acho” e pouquíssimos “provo”. Títulos acadêmicos e prêmios têm sido distribuídos para dar validade às maiores sandices.

É uma questão política, da qual depende a soberania do Brasil e o bem estar de seus cidadãos.

Todos devemos estudar, analisar e participar deste debate sobre energia, não nos convencermos pelas “falsas e ferozes razões” neoliberais e das bilionárias ONGs, para que não venhamos a nos reunir, no futuro, como no magnífico romance de Arthur C. Clarke, à volta da lareira, pois as energias se foram, e sentimos frio.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.

LEIA TAMBÉM