O ministro Alexandre de Moraes afirma que Jair Bolsonaro violou de forma “dolosa e consciente” a tornozeleira eletrônica, enquanto Flávio Dino acompanha o relator e abre 2×0 pela manutenção da prisão preventiva na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
A manutenção da prisão de Bolsonaro deixou a direita sem liderança definida, com Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) assumindo, na prática, o posto de figura hegemônica do bolsonarismo, ao menos por ora, já que o senador Flávio Bolsonaro (PL-SP) também se complicou no caso. Segundo o STF, o filho zero um contribuiu para a decretação da preventiva ao convocar apoiadores para uma vigília em frente ao condomínio onde o ex-presidente cumpria prisão domiciliar desde o início de agosto.
O movimento judicial de sábado teve efeito político imediato: desorganizou o campo conservador, reacendeu temores de racha e provocou inquietação na Faria Lima, que há meses pressiona por uma alternativa “estável” e “previsível” para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2026.
A prisão do ex-presidente consolidou uma leitura que era sussurrada entre executivos e parlamentares, a de que Tarcísio se torna o herdeiro natural do eleitorado bolsonarista, ainda que o governador de São Paulo repita que não é candidato. A ausência de Bolsonaro do tabuleiro, somada ao desgaste do seu grupo, reorganiza a direita em torno de quem tem cargo, estrutura e trânsito institucional.
O problema é que esse realinhamento não acontece de forma harmônica. Deputados federais, governadores aliados e a cúpula do PL tentam conter o impacto da derrocada do ex-presidente, enquanto avaliam como sobreviver a um novo arranjo de poder. Nos bastidores, há quem reclame que Tarcísio avança “sem fazer esforço”, ocupando um espaço político que, até a semana passada, ainda seria renegociado.
A Faria Lima, que já vinha desconfiada da instabilidade de Bolsonaro diante da pena de 27 anos e três meses, reagiu com pragmatismo. Gestores ouvidos pelo Blog do Esmael avaliam que os oligarcas do sistema financeiro tendem a migrar para Tarcísio, com expectativa de maior previsibilidade de juros altos, mas temem que a direita se fragmente entre bolsonaristas órfãos e um novo bloco conservador liderado pelo governador paulista.
A votação ocorre no plenário virtual, com encerramento previsto às 20h. O julgamento decide se a decisão individual de Moraes, que converteu no sábado, 22, a prisão domiciliar em preventiva, será ou não referendada pela Turma. O ex-presidente está detido na Superintendência da Polícia Federal em Brasília.
A narrativa sustentada por Bolsonaro, de que um “surto” causado por medicamentos psiquiátricos explicaria a tentativa de violar o monitoramento, não sensibilizou o relator. Moraes registra no voto que o próprio réu confessou inutilizar o dispositivo, configurando falta grave, descumprimento reiterado de cautelares e desrespeito à Justiça.
A Polícia Federal relatou indícios concretos de possível fuga após constatar que a tornozeleira foi danificada com uso de solda. O equipamento precisou ser trocado às pressas na madrugada de sábado, após disparo do alarme às 0h07. Para o ministro, esse fato, somado à convocação pública para vigília na porta da residência, leva à conclusão de risco à ordem pública e à execução da pena de 27 anos e três meses pela trama golpista.
Na audiência de custódia, Bolsonaro disse que teve “certa paranoia” por causa de pregabalina e sertralina, reclamou de sono fragmentado e relatou ter mexido no aparelho por curiosidade, usando ferro de solda. A defesa anexou laudos médicos alegando “confusão mental”, insistiu que não houve tentativa de fuga e pediu prisão domiciliar humanitária.
Juristas ouvidos por veículos nacionais avaliam que, apesar da gravidade da violação, eventuais problemas clínicos podem pesar futuramente para um regime domiciliar, desde que comprovados por perícia independente. Advogados criminais lembram que o STF tem histórico de conceder esse benefício a presos debilitados, mas apenas quando há risco real de morte ou impossibilidade de tratamento adequado no sistema prisional.
Conforme apuração, aliados de Bolsonaro procuraram ministros do Supremo logo pela manhã de sábado para tentar minimizar a crise. A linha adotada foi negar intenção de fuga e reforçar a tese de surto medicamentoso, afirmando que o ex-presidente estaria isolado e sem acompanhamento constante em casa. O gesto, porém, não produziu efeito: ministros relatam surpresa e classificam a situação como “bizarra”.
A versão do ex-presidente sobre o dano no aparelho mudou ao longo do dia, passando de “batida na escada” para “uso de solda”. O relatório da Secretaria de Administração Penitenciária do DF desmente a primeira explicação ao apontar queimaduras em toda a circunferência do dispositivo. O governo distrital pagará R$ 737,52 pela reposição, valor que poderá ser cobrado de Bolsonaro, conforme regra de ressarcimento ao erário.
O episódio da tornozeleira ampliou a dificuldade da defesa para reverter a prisão e enfraqueceu a estratégia de retomar a domiciliar nas próximas semanas. A avaliação de autoridades que acompanham o caso é que a conduta da madrugada alterou os planos do relator, antecipando a ordem de prisão preventiva antes mesmo da execução da pena no chamado “Papudinha”, unidade da Polícia Militar visitada recentemente pela equipe de Moraes.
A Primeira Turma deve manter a prisão preventiva de Bolsonaro, consolidando o entendimento de que o ex-presidente rompeu deliberadamente a confiança do Judiciário. O peso político do julgamento é evidente: o líder máximo do bolsonarismo enfrenta seu momento mais delicado desde o colapso da trama golpista, enquanto o Supremo reafirma autoridade sobre a execução penal.
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Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.




