Onda de greves dispara corrida presidencial entre Biden e Trump; por Milton Alves

Por Milton Alves*

Os Estados Unidos atravessam há meses uma poderosa onda grevista de massas da classe trabalhadora, a mais combativa e extensa das últimas décadas. As greves começaram entre os roteiristas, atores e trabalhadores da cadeia da indústria cênica de Hollywood. Após meses, a greve terminou nesta semana com um acordo vantajoso de proteção de empregos e a adoção de cláusulas que limitam o uso da inteligência artificial.

Diversos segmentos de trabalhadores realizaram greves nas várias regiões do país nos últimos meses: professores, trabalhadores do sistema postal e, com destaque pela magnitude econômica e repercussão política, a greve em curso dos metalúrgicos das três grandes montadoras, conhecidas como as “Big Three” – General Motors, Ford e Stellantis [Chrysler, Jeep e Dodge], que já dura duas semanas e envolve diretamente quase 160 mil trabalhadores.

Segundo pesquisas de opinião, a maioria da população norte-americana apoia os movimentos grevistas, que tem como reivindicações centrais: melhores condições de trabalho, demandas salariais e a formalização de direitos.

Um dos traços marcantes do atual movimento grevista, é a intensa participação de trabalhadores negros, latinos e de mulheres. Além disso, é verificada uma renovação etária na liderança sindical, mesmo nas organizações sindicais tradicionais e altamente burocratizadas, como a central AFL-CIO, são atravessadas por mudanças em suas instâncias médias e de base — com uma maior influência dos setores políticos de esquerda, por exemplo, do DSA (Democratic Socialists of America) de Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez e de grupos socialistas que atuam nos “Reform Caucus”, setores sindicais que privilegiam a construção de comissões de trabalhadores nas fábricas, orientando para a necessidade da sindicalização e renovação das direções sindicais.

A onda grevista tem impactado fortemente na polarização política entre os principais candidatos dos partidos Democrata e Republicano, que concorrem para a eleição presidencial de 2024: Joe Biden e Donald Trump disputam o apoio e a simpatia dos grevistas.

Economia

Após a visita de Biden, na terça-feira (26), ao piquete dos trabalhadores em greve da Ford, um fato inédito, Donald Trump também foi até Michigan, um dos chamados “swings state” [estados-pêndulo], colégios eleitorais que muitas vezes são decisivos nas disputas presidenciais dos EUA.

Trump, na quarta-feira (27), fez uma reunião com metalúrgicos não sindicalizados no sindicato da categoria [UAW-United Auto Workers] e com ativistas do partido Republicano que moram nas áreas fabris de Michigan.

Onda grevista no epicentro da disputa política

Historiadores apontam que há 88 anos não ocorria uma movimentação operária com tal dimensão e abrangência nos Estados Unidos, impactando na cena política nacional.

A emergência da luta dos trabalhadores metalúrgicos das montadoras do “cinturão da ferrugem” – integrada pelos estados de Michigan, Pensilvânia, Wisconsin, Ohio e Iowa – revela uma reação ao continuado processo de desindustrialização, corrosão salarial, retirada de direitos laborais e de ameaças ao emprego, com as crescentes inovações tecnológicas — fatores objetivos agravados pela crise econômica-financeira de 2008 e a recente pandemia de Covid.

É também nesse contexto político que se insere o pacto assinado pelos presidentes Joe Biden e Luiz Inácio Lula da Silva, que visa garantir proteção aos trabalhadores precarizados, como os de aplicativos, e promover campanhas de melhorias e atualização das normas internacionais de trabalho no âmbito da Organização Internacional do Trabalho [OIT].

Tudo indica que a disputa pela preferência do voto da classe trabalhadora norte-americana entre Biden e Trump apenas teve início, e foi aberta pela força e a pujança do movimento grevista, o que vai demandar das direções dos sindicatos um programa classista e independente no sentido de garantir direitos e conquistas efetivas para os trabalhadores diante da profunda crise capitalista, que abala os alicerces do império.

Resta saber que alcance terá na prática e na subjetividade das direções sindicais dos países industrializados e semi-industrializados a disposição combativa demonstrada pelos metalúrgicos de Detroit, epicentro do movimento, que retomam as boas e velhas práticas do trabalho de base e da organização horizontal nos locais de trabalho. Um sopro alvissareiro, sem dúvida.

Nota:Nesta sexta-feira (29), Shawn Fein, presidente do UAW, declarou durante uma live que a greve foi ampliada para os centros de distribuição de peças, incluindo a adesão de quase 7 mil novos trabalhadores ao movimento. O dirigente sindical informou ainda que a Stellantis, controladora da Chrysler e da Jeep, apresentou uma proposta salarial com ganhos efetivos para os metalúrgicos da montadora.

*Milton Alves é jornalista e escritor. Atua também na imprensa sindical. Militante do Partido dos Trabalhadores (PT) em Curitiba. Autor dos livros ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país’ (Kotter, 2022) e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (Kotter, 2021). É pós-graduando em Ciência Política.

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