Curitiba330anos: As mãos que abençoaram as armas da Guarda são cúmplices do assassinato de Caio, por Milton Alves

Por Milton Alves*

Às vésperas dos festejos de 330 anos de fundação de Curitiba, preparada com toda a pompa e a circunstância que o momento exige pelo prefeito Rafael Greca, eis que a ultramilitarizada Guarda Municipal assassinou o jovem Caio José Ferreira, 17 anos, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), no sábado passado (25), deixando a indelével marca da morte nos festejos patrocinados pela administração do burgo dos pinheirais.

Segundo as informações disponíveis fornecidas pela família de Caio e por seus colegas, o adolescente foi vítima de uma bestial execução, após uma abordagem de uma patrulha da Guarda. O jovem era estudante secundarista do Colégio Estadual Júlia Wanderley e trabalhava como jovem aprendiz numa empresa de telemarketing.

Em nota, a Guarda alega que foi chamada para a região após uma suspeita de tráfico de drogas. Na versão dos guardas, o adolescente teria tirado do boné uma faca de 25 centímetros e que tentou fugir da abordagem, recebendo do agente público um tiro fatal na cabeça. A prefeitura de Curitiba informou também que as câmeras corporais dos guardas estavam desligadas durante o período da abordagem de Caio. Uma mera coincidência, talvez…

A versão da Guarda é insustentável, não para em pé. É impossível alguém armazenar uma faca ou qualquer objeto de 25 centímetros num boné. Nem um mágico…Tudo aponta para um cenário de execução do rapaz. Até o momento, a Prefeitura de Curitiba adotou apenas as medidas de rotina, como o afastamento dos agentes envolvidos.

O caso, com intensa repercussão nos últimos dias, exige uma rigorosa investigação e a punição dos agentes envolvidos. No entanto, para além da atual ação criminosa praticada pela Guarda, é necessário o debate sobre o desarmamento da força policial e a adoção de novos protocolos de atuação. Ou seja, uma redefinição do papel da GM, criada inicialmente como uma força de proteção do patrimônio público, de apoio e segurança comunitária.

Economia

Nos últimos anos, a tese da ultramilitarização também alcançou as guardas municipais, que passaram a utilizar farto e pesado armamento, praticamente o mesmo das polícias militares estaduais.

Vale lembrar que o prefeito Greca comandou, em janeiro de 2022, uma macabra e inusitada solenidade de bênção do armamento de guerra comprado para a Guarda Municipal. O armamento abençoado foi adquirido da empresa tcheca Ceska Zbrojovka (CZ), uma fábrica de armamentos de reputação internacional e construída durante o governo comunista da então Tchecoslováquia – atual República Tcheca.

Na ocasião a prefeitura informou que foram compradas 1.053 pistolas calibre 9 mm para os guardas municipais. O armamento, de grosso calibre e potente precisão, é utilizado largamente pelas forças policiais e militares do Leste Europeu. Quem sabe que desse lote de armas saiu o tiro que matou Caio.

Militarização da Guarda e a criminalização da pobreza

A utilização das armas tchecas significou uma completa e perigosa militarização da Guarda Municipal de Curitiba, uma tendência crescente no país nos últimos anos. A GM de Curitiba é a primeira a utilizar abertamente armamento de guerra dentro do espaço urbano.

As teses de segurança pública da extrema direita defendem uma política de criminalização da pobreza e do extermínio dos “marginais” como uma forma necessária de combate à criminalidade. O populismo punitivista do encarceramento em massa é o discurso predominante no aparelho policial e de boa parte do Poder Judiciário.

A extrema direita promete para a sociedade uma política de segurança baseada no armamento individual para a classe média, o Bope e a milícia para “disciplinar” os pobres e a segurança particular especializada para os mais ricos.

Uma política excludente de segurança pública – com um sistema policial mais repressivo em ação ao lado de milícias particulares – é o modelo que já vem sendo instituído, na prática, em diversas regiões metropolitanas e nas fronteiras agrícolas e de extrativismo mineral no centro oeste e extremo norte do país.

A pauta da segurança pública e do combate eficaz ao crime organizado é complexa, de difícil resolução, mas as forças de esquerda e democráticas precisam enfrentar o tema com coragem, propor medidas e desmoralizar a narrativa demagógica do neofascismo.

Questões como a defesa intransigente dos direitos humanos, a reforma do sistema penal, o fim da política de encarceramento em massa, a descriminalização das drogas, o combate duro aos partidos do crime e aos milicianos, mais investimentos sociais nas comunidades pobres, a reformulação da doutrina das forças de segurança e o papel de cada ente da federação são alguns dos desafios para um debate sobre uma nova política de segurança pública.

Oxalá que o governo Lula III reúna as condições políticas para criar um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), indicando uma nova rota no enfrentamento desta questão crucial, inadiável.

*Milton Alves é jornalista e colabora em diversas mídias progressistas e de esquerda. É o autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020), ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) e de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país‘ (2022) — todos pela Kotter Editorial. É militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba.

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