Símbolo de trabalho precarizado na pandemia, entregadores de aplicativos deflagram greve no dia 1º

Na próxima quarta-feira, 1º de julho, cerca de 98 dos entregadores de aplicativos —delivery— cruzarão os braços por melhores condições de trabalho e pelo aumento da remuneração pelas entregas. Eles são símbolo de resiliência e trabalho precarizado durante a pandemia de coronavírus.

De acordo com a CUT (Central Única dos Trabalhadores), está crescendo a adesão à greve dos entregadores de alimentação por aplicativo e 98% dos trabalhadores devem parar no dia 1º de julho, em todo o Brasil. A estimativa anterior era de que cinco mil iriam parar. Muitos clientes estão prometendo apoiar não fazendo pedidos neste dia, segundo os organizadores da paralisação.

“A gente está conseguindo o apoio de parte dos clientes que sabem o quanto a gente trabalha sem direito algum. Não fizemos este tipo de pedido a eles, mas é bom contar com esse apoio”, diz Mineiro, um dos organizadores da greve no Brasil, que faz questão de ressaltar que o movimento será pacífico.

“Não haverá manifestação nas ruas, mas vamos dialogar com quem quer trabalhar neste dia, especialmente nos locais de maior movimentação de entregadores da Uber, Ifood, Rappi, Lalamove e Loggi, para que entendam que a luta é de todos”, afirma.

Adesão internacional

Além do aumento da adesão por melhores condições de trabalho e remuneração, que chegou a cair para 68% da categoria, segundo pesquisa da Unicamp, os entregadores brasileiros agora contam com o apoio internacional de trabalhadores de outros países.

Economia

De acordo com Mineiro, no mesmo dia da greve no Brasil, haverá paralisação em mais cinco países: Argentina, Austrália, China, México e Inglaterra.

“Conseguimos contatos com nossos parentes que moram no exterior e a corrente chegou até lá fora. Chegamos a nos reunir virtualmente com entregadores de outros países que prometeram também organizar paralisações na mesma data”, diz Mineiro.

Robinho, outro líder do movimento, diz que foi graças à corrente de solidariedade que recebeu de brasileiros que moram fora do país que eles conseguiram uma tradutora para realizar a reunião virtual, que contou com 20 entregadores brasileiros e dos outros países.

“Eles disseram que também estão linha de frente na pandemia e, por isso querem nos apoiar”, contou.

Entendendo que a luta é de todos, Neguin, 28 anos, casado, com a esposa desempregada, é um dos milhares de entregadores que dependem do trabalho por aplicativos para pagar o aluguel e as despesas de casa.

Ele, que prefere não se identificar por temer represálias, pretende fazer parte da paralisação, mas optou por ficar em casa respeitando o distanciamento social por ter um filho pequeno de seis anos de idade.

Trabalhando como entregador desde 2007, Neguin vem sentindo as consequências da pandemia e do desemprego de milhares de brasileiros, que agora também engrossam as fileiras de empresas que operam por aplicativos, o que acaba permitindo que elas decidam pagar cada vez menos e exigir cada vez mais.

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Não se sabe o número exato de entregadores de alimentação por aplicativo no país. A última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no ano passado, apontou que 10,1 milhões de pessoas, em 2018, trabalhavam em local designado pelo empregador, patrão ou freguês, grupo que inclui os entregadores em geral.

A Rappi, empresa de um grupo colombiano, afirmou ter registrado uma subida de 30% nas entregas em toda a América Latina nos dois primeiros meses deste ano. Já a instalação de aplicativos de entrega cresceu no Brasil 24% entre 20 de fevereiro e 16 de março, na comparação com o mesmo período em 2019, segundo a empresa de análise RankMyApp. A Ifood disse à Agência Reuters que recebeu pedido de inscrição de mais 120 mil novos entregadores, em março deste ano.

É junto com este exército de trabalhadores que Neguin começa cedo, às 7 da manhã e para somente às 16h, quando vai almoçar em casa. São 11 horas de trabalho direto para conseguir entre R$ 3.000,00 e R$ 4.000,00 brutos, sem descontar os gastos com a manutenção da sua moto e o combustível.

Ele conta que hoje só trabalha com o aplicativo IFood, mas que desistiu da Rappi pelas taxas de transferência que ela cobra de R$ 5,00 a R$ 8,00 semanalmente pela transferência bancária.

“O dinheiro fica no aplicativo e quando a gente transfere pra nossa conta no banco, a Rappi cobra a taxa de transferência. Por isso desisti de trabalhar com ela”, critica.

Outra queixa é que as empresas, dependendo do local, dão um prazo de 5 a 10 minutos para retirada da mercadoria e se não chegam a tempo o pedido é retirado da tela. Essa pressa pode ser uma das causas do aumento no número de mortes entre motoqueiros em São Paulo. Segundo o Infosiga, sistema de dados do governo de São Paulo, divulgado na última sexta-feira (19), morreram 40 motociclistas na capital, em maio deste ano. No mesmo período do ano passado foram 29, um aumento de 38%. No estado inteiro, também em maio, morreram 179 motociclistas, um aumento de óbitos de 7,2% em relação ao ano passado, quando perderam a vida 167.

“A gente tem de correr para pegar o pedido, mas muitas vezes, o restaurante, não terminou de embalar a encomenda e ficamos esperando até meia hora, alguns clientes acabam cancelando e a gente fica com a dívida até explicar pra empresa o que aconteceu”, desabafa Neguin.

Com informações da CUT