China e Petrobras: Duas datas, mesmo evento e um universo os separando

Pedro Augusto Pinho*

O início de outubro nos remete a dois eventos separados pelo tempo e pelas consequências. O mais antigo foi o 1º de outubro de 1949, quando Mao Tse Tung mobilizou o povo chinês e venceram séculos de dominação estrangeira e de humilhação. O mais recente foi a 03 de outubro de 1953, com a criação da Petrobrás, empresa brasileira de petróleo, que seria nas décadas seguintes a promotora do desenvolvimento tecnológico, econômico, social e colocaria o Brasil em novo patamar civilizacional. Se Mao Tse Tung foi reconhecido e aclamado como libertador da China, Getúlio Vargas foi levado à auto-imolação pelo atrevimento de enfrentar os capitais estrangeiros e a elite colonizada, que dirigia e, até hoje, governa o Brasil.

CHINA

A República Popular da China (China) tem a área de 9.596.961 km² e população, em 2022, de 1 bilhão e 411 milhões de habitantes.

É das mais antigas civilizações do mundo ocupando o mesmo e altamente diversificado espaço geográfico (planícies, montanhas, planaltos, desertos, rios), com o mesmo idioma, e sua influência chegou ao Ocidente, que deve muito ao que recebeu da China, a começar pela impressão e o papel, a pólvora, a seda e possibilidade de atravessar o Oceano Atlântico.

Na China convivem 56 grupos étnicos, sendo o han constituintes de 91,5% da população.
Politicamente, a China está dividida em 22 províncias, cinco regiões autônomas, quatro cidades dirigidas pelo poder central (Xunquim ou Chongqing, Pequim, Tianjin e Xangai) e duas regiões administrativas especiais (Hong Kong e Macau).

Economia

A China é país quase integralmente ateu. Não devido ao comunismo, mas à formação cultural anterior à Era Cristã. Em três pensadores não teístas – Lao Tse ou Lao Zi, Confúcio e Mêncio – está a base do pensamento chinês. Pesquisa realizada em 2010 indicou que 52,2% dos chineses declararam não ter qualquer religião, 21,9% cultuarem seus ancestrais e 18,2% serem seguidores de Sidarta Gautama, o Buda, totalizando 92,3%.

Nos 74 anos da China revolucionária tudo mudou, e para melhor, muito melhor, que a tornou das duas maiores potências da Terra. Mas as raízes desta evolução estão nas lutas que o povo pacífico sempre precisou empreender, construindo muralhas, suportando agressões, para viver sua vida produtiva e reflexiva.

A independência veio com a dupla luta contra os invasores estrangeiros e os que representaram os interesses colonizadores dentro da China. O povo viu no Partido Comunista Chinês (PCCh) o ideal nacionalista, que já lutara contra os japoneses entre 1937 e 1945. Porém os primeiros anos foram difíceis, principalmente pela guerra na vizinha Coreia, o bloqueio estadunidense (por que os Estados Unidos da América (EUA) sempre usam esta forma de ataque aos que não se curvam a seus desejos?) e uma classe que tirava seus privilégios da escravidão de seus irmãos.

Em 1957 lançou-se o Movimento das Cem Flores procurando conciliar o desenvolvimento industrial com a tradição agrária. Em 1958 e 1960, o Grande Salto Para Frente mobilizou ideológica e politicamente o povo para economia e o desenvolvimento industrial. As dificuldades levaram ao programa entre 1962 e 1964 das Quatro Modernizações – indústria, agricultura, defesa nacional e ciência e tecnologia. Em 1966, a China entra na Revolução Cultural.

É necessário entender que, nestas duas décadas de dificuldades, o povo passara a participar das decisões sobre as soluções de seus problemas. Crescia a consciência e o conhecimento sobre os entraves e obstáculos às soluções. Erros se somavam a acertos e a China, diferentemente do que acontecia na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o grande país comunista de então, não se burocratizava. Não criava a classe que pelos séculos III a.C. ao I d.C. dirigiu a China, denominada shi, dos intelectuais, ou da lógica e concepção instrumental dos discursos.

No mundo exterior o capitalismo financeiro inicia a década de 1970 com ataques a mais consumida fonte primária de energia: o petróleo, no que ganhou o rótulo de “crises do petróleo”. Nos anos 1970 e 1980, as finanças derrubam a industrialização do poder e ao fim desta última década impõem seu decálogo: o Consenso de Washington (1989), a Bíblia neoliberal globalizante para o mundo.

Como é natural, a China recebeu toda esta agressão apátrida da banca. Houve momentos de dúvidas, hesitações, mas prevaleceu o desejo de prosseguir no caminho do desenvolvimento e da democracia popular.

Lembremos que Mao, logo no início da Revolução, procurou estabelecer o sistema socialista sem exclusão do capitalismo. Mas os capitais só aceitam participar tendo posição hegemônica no poder. Eles, sim, são os radicais intransigentes!

Desde a invasão neoliberal, a China teve os seguintes líderes na condução do País: Deng Xiao Ping (1978-1992), Zhao Zi Yang (1980-1989), Jiang Zi Min (1989-2003), Hu Jin Tao (2002-2013) e o atual Presidente Xi Jin Ping, desde 2013.

Foram realizados dez Congressos do Partido Comunista Chinês de 1970 (10º Congresso, entre 24 e 28 de agosto de 1973) a 2022, o 20º, último, entre 16 e 20 de outubro de 2022. No 10º Congresso do PCCh, 1.249 delegados representavam 28 milhões de membros do Partido; no 20º eram 2.300 delegados representando mais de 96 milhões de filiados.

As posições ocupadas não foram as mesmas, até porque a China também administrava as consequências da Revolução Cultural e Mao Tse Tung tinha indiscutível liderança e veio a falecer em setembro de 1976. Embora vivendo outros tempos e realidades, a resiliência dos chineses já era encontrada nos textos de Gong Sun Long (325 a.C.), verdadeira percepção sistêmica avant la lettre.

O ocidente capitalista, neoliberal, também tinha interesse em desconstruir o esforço de industrialização e desenvolvimento tecnológico chinês, como se lê em Antoine Brunet e Jean-Paul Guichard (“La visée hégémonique de la Chinie. L’imperialisme économique”, 2012, nomeado para o Prêmio Turgot), imputando ao interesse meramente mercantilista exportador o esforço de desenvolvimento chinês.

Em publicação mais recente, de Isabella M. Weber (2021), “Como a China Escapou da Terapia de Choque” (tradução de Diogo Fagundes para Boitempo, SP, 2023), lê-se: “O XIII Congresso do Partido, em outubro de 1987, marcou a consolidação da agenda de reforma de mercado da China. Ele desencadeou uma tensão crescente entre reformadores como Zhao Zi Yang e Deng Xiao Ping, que estavam dispostos a fazer o que fosse necessário para reformar o sistema econômico chinês, e líderes como Chen Yun, que achavam que a reforma não deveria anular a primazia do planejamento socialista”, e conclui: “O XIII Congresso resolveu esse debate em favor da reforma econômica a todo custo”. Seria mesmo?
Reflitamos sobre as palavras de Xi Jin Ping, no 18º Congresso do PCCh, em 17 de novembro de 2012:
(O Partido) “delineia um grandioso plano (para) construir uma sociedade moderadamente próspera e acelerar a modernização socialista”, (objetivando) “alcançar o socialismo com características chinesas”. E detalha, “o socialismo é a conquista fundamental obtida pelo Partido e pelo povo, através de luta árdua”. E discorre sobre os elementos e as práticas a serem adotadas, pois “só o socialismo pode salvar a China”.
No mesmo pronunciamento afirma: “O sistema do socialismo com características chinesas integra organicamente o sistema político fundamental”. “Ele integra também organicamente o sistema democrático” e a “posição do povo como dono do nosso País, fornecendo garantia sistêmica fundamental para o nosso desenvolvimento e progresso”.

Vê-se que o socialismo, o planejamento e a democracia participativa formam a governança chinesa.
Após anos de aumentos extraordinários do Produto Interno Bruto (PIB), a governança da China se dedica à maior distribuição da renda e ao desenvolvimento tecnológico. Em esclarecedor artigo, “Nanômetros sobre o PIB: os líderes tecnocratas podem melhorar a política industrial da China?”, os pesquisadores associados da MacroPolo, Rui Han Huang e A. J. Cortese demonstram toda modificação da governança para que, até 2050, a China seja não apenas uma nação próspera, mas domine toda a tecnologia mais avançada aeroespacial, cibernética e termonuclear.

PETROBRÁS

A Petrobrás nasce com a organização do Estado Nacional Brasileiro, graças à conquista do poder pelo movimento civil e militar denominado Revolução de 1930.

Foi um árduo percurso cheio de ameaças, golpes que se intitularam “Revolução”, perseguições e restrições à liberdade para que as finanças inglesas e o industrialismo estadunidense não se apossassem do Brasil e suas riquezas.

A Petrobrás não decepcionou; em três décadas transformou o país que importava todos os derivados de petróleo, e por empresa estrangeira, no país quase autossuficiente na produção de petróleo cru, autossuficiente nos derivados que necessitava, e expandia, por seus profissionais, a tecnologia que dispunha, a mais avançada, para exploração, produção e planejamento energético aos países mais necessitados da África, América do Sul e Oriente Médio.

Nos primeiros 35 anos de existência a Petrobrás cresceu e desenvolveu o Brasil. Ao ser criada, em 1953, a população de analfabetos, com mais de 15 anos, era majoritária no Brasil, 51%, chegando em alguns estados a 65%. Em 1988, cerca de 25%, pelo levantamento da época, não sabiam ler e escrever. A Petrobrás necessitava de técnicos e profissionais e, desde o início de sua atividade, se preocupou com a formação de seus empregados e da educação nas regiões onde atuava. Muitos foram estudar no exterior, outros tiveram professores contratados nos EUA e em países que produziam petróleo há mais tempo.
A Petrobrás logo se deu conta que nas bacias terrestres não encontraria petróleo em abundância que abastecesse o desenvolvimento brasileiro. Assim, na década de 1960, iniciou sua ida para a plataforma continental brasileira, tornando-se pioneira e colecionadora de prêmios por inovações e recordes de profundidade em perfurações oceânicas.

Todos governantes desde 1953, mesmo ideologicamente contrários ao monopólio estatal, mantiveram a Petrobrás como única empresa brasileira de petróleo, até que o entreguismo de Fernando Henrique Cardoso (FHC – 1995-2002), com assessoramento estrangeiro, não apenas extinguiu o monopólio estatal como reorganizou a Petrobrás para ser “empresa de negócios”, não de petróleo. E, assim, permanece até hoje.

Foi FHC quem criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP), e designou um de seus parentes, David Zylbersztajn, para presidi-la. Este, em seu discurso de posse, afirmou: “O Petróleo não é mais Nosso, ele agora é Vosso”, dirigindo-se aos representantes das petroleiras estrangeiras ali presentes.
Desde então, com maior ou menor açodamento, a Petrobrás vem sendo fatiada e se descaracterizando como empresa integrada de petróleo, como é o modelo universalmente adotado para este tipo de negócio, o do petróleo.

As atividades de qualquer empresa de petróleo são (1) a exploração e produção, que busca e produz petróleo (óleo e gás natural) no subsolo, (2) a industrialização, que extrai do petróleo uma infinidade de produtos, sejam para a produção de energia, movimentação de transportes, lubrificação, fertilizantes, e tudo que a petroquímica produz, de remédios a armas, (3) o comércio de petróleo e derivados, (4) o transporte dos combustíveis em suas diferentes fases, por dutos, navios e trens, e (5) o armazenamento. Esta é a empresa de petróleo que enfrenta todo tipo de crise, de preço, de falta de matéria prima ou de produtos derivados, pela abrangência da sua ação.

Hoje a Petrobrás está fora do comércio, tendo alienado sua Distribuidora, tem reduzida sua participação na industrialização a algumas refinarias e tentando reerguer uma fábrica de fertilizante, sem os dutos, já privatizados, alguns terminais, e, na área de exploração e produção marítima, onde tem domínio tecnológico, está aceitando parcerias para retirarem parte do lucro, pois as parceiras não têm capacidade de agirem sozinhas.

Mesmo com a descoberta do pré-sal e todo ganho tecnológico que tem adquirido com o trabalho em águas profundas, a Petrobrás chega aos 70 anos, menor na expressão nacional do que a empresa que Ernesto Geisel deixou a seu sucessor, na presidência do Brasil.
Não se vislumbram, fora dos discursos, nenhuma iniciativa de colocar a Petrobrás no século XXI. Muito ao contrário.

Infestado o Estado Nacional pelas Organizações não Governamentais (ONGs), com falácias climáticas e preconceitos ambientais, pela sujeição ao decálogo do Consenso de Washington, em todos escalões do governo, pelos neopentecostais, a Petrobrás volta-se para o passado, para a energia dos ventos, solar, ao invés de agir como suas concorrentes, investindo na fusão nuclear: ENI (italiana), EDF (francesa) e Chevron (estadunidense).

A verdadeira transição energética não nos leva para o passado mas para o futuro. Este não é, no entanto, nem mesmo o discurso do presidente da Petrobrás, nem o do Brasil.
Voltando ao século XIX, estamos também restaurando a escravidão, agora na modalidade do uber, na farsa do microempreendedor individual, do trabalho sem salário, sem horário, sem repouso remunerado, férias ou qualquer direito trabalhista. E vendo se aproximar o fim das aposentadorias e pensões, o fim da previdência social.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), é atual presidente da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.

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