A recuperação pós-cirúrgica impôs limites ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não participará da manifestação marcada para esta quarta-feira, 7 de maio, em Brasília. Convocado pelo pastor Silas Malafaia, o ato defende a anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. A ausência foi confirmada por sua equipe médica, que recomendou repouso absoluto e isolamento controlado para evitar novos riscos.
Bolsonaro recebeu alta do Hospital DF Star no domingo, 4 de maio, após 22 dias internado. Submetido a uma cirurgia considerada uma das mais complexas desde a facada de 2018, o ex-presidente passou duas semanas na UTI e retomou a alimentação oral apenas nos últimos dias. A operação teve como objetivo remover aderências intestinais, uma complicação recorrente das intervenções anteriores.
O cirurgião Cláudio Birolini afirmou que “não seria recomendável neste momento qualquer exposição pública ou deslocamento para eventos de massa”. O cardiologista Leandro Echenique complementou que “o risco de infecções ainda é alto” e que a prioridade agora é respeitar uma dieta restrita e fisioterapia motora diária. O protocolo médico inclui evitar visitas, aglomerações e atividades fora da rotina controlada no condomínio onde Bolsonaro reside em Brasília.
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A manifestação organizada por Malafaia mantém força política mesmo sem a presença do principal nome da pauta da anistia. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro deve assumir o papel de destaque no evento, ao lado dos filhos Flávio e Carlos Bolsonaro. A aparição pública do núcleo familiar é vista como estratégica pelo PL, que testa a viabilidade de Michelle como figura política em momentos de ausência do marido.
Nos bastidores, a decisão de Bolsonaro de não ir ao protesto é interpretada como cautela médica e cálculo político. Sua presença poderia tensionar ainda mais a relação com o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, onde o PL 2858/2022, que trata da anistia, está emperrado. A ausência, por outro lado, não impede que o ex-presidente continue influenciando os rumos do debate, mantendo sua base mobilizada e colocando a família como escudo simbólico.
A narrativa do perdão aos atos golpistas ganha nova tentativa de legitimação pública com o ato de 7 de maio. Ao se afastar fisicamente do protesto, Bolsonaro se preserva juridicamente, mas permanece no centro do jogo político. Sua recuperação médica caminha em paralelo à disputa pelo domínio da memória coletiva sobre os ataques de 8 de janeiro.
A leitura dentro e fora da direita é que o gesto de Michelle no ato será observado com lupa. A ex-primeira-dama, já ativa nos bastidores e no comando do PL Mulher, pode ocupar, mesmo que temporariamente, o vácuo deixado por Bolsonaro nos palanques. Com sua imagem blindada, linguagem moderada e forte identificação com o eleitorado evangélico, ela se torna peça-chave em uma eventual reorganização do campo conservador.
A ausência de Bolsonaro no ato desta quarta-feira não encerra a mobilização por anistia, mas a desloca para outros protagonistas. O bolsonarismo testa, mais uma vez, a resiliência de sua base e a plasticidade de sua narrativa. No limite, o que está em disputa não é apenas a liberdade dos presos de 8 de janeiro, mas a capacidade de reescrever a história à luz dos interesses do grupo político que ainda orbita o ex-presidente.
Se a democracia exige vigilância permanente, o que se viu nos últimos dias é que ela também depende de quem ocupa o palanque — ou decide se ausentar dele.
Bolsonaro é réu no STF e teme ser preso. Seus principais alidados nacionais, sob reserva, admitem que o ex-presidente será detido ainda este ano. No entanto, imaginam, poderá cumprir pena em regime domiciliar em virtude da idade e do estado de saúde — a exemplo do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.