Assembleia lança guia de documentação e direitos durante debate sobre acolhimento a migrantes e refugiados

A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) realizou na tarde desta quarta-feira (19) um amplo debate sobre as políticas de acolhimento a migrantes e refugiados no Estado. Proposto e organizado pelo deputado Goura (PDT), a audiência pública “Cidadania sem Fronteiras” reuniu lideranças, gestores públicos, pesquisadores, professores universitários e representantes de entidades. O evento sediou o lançamento de uma cartilha dedicada a auxiliar quem busca recomeçar a vida no Paraná a ter acesso à documentação e aos direitos. O material foi produzido pela Assembleia Legislativa do Paraná, por meio do mandato do parlamentar.

“O guia é um canal de informações sobre como as pessoas podem acessar a regularização dos seus documentos. Ele permite acessar emprego, trabalho, saúde e tudo que é necessário para ter uma boa vida”, frisou Goura, ressaltando que o Paraná é um dos estados brasileiros que mais recebem migrantes. “É uma palavra contra a xenofobia. A gente vê um mundo onde o discurso contra os estrangeiros está cada vez mais marcante, na fala de políticos e de líderes. Temos que afirmar um ‘não’ à xenofobia e um ‘sim’ ao acolhimento”.

O “Guia de Documentação e Direitos” está disponível digitalmente – por meio deste link  – e fisicamente em seis idiomas: português, inglês, árabe, crioulo, espanhol e francês. Ao longo de 16 páginas, o manual elucida caminhos necessários para pessoas migrantes e refugiadas terem posse de documentos como Registro Nacional Migratório (RNM), Documento Provisório de Registro Nacional Migratório (DPRNM), Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), entre outros. Ele detalha também em quais circunstâncias cada documento é exigido, sua validade e quando é necessária renovação. Também permite que o público-alvo compreenda os passos necessários para requerer uma segunda via e disponibiliza contatos úteis, compilando dados de diferentes associações de apoio e órgãos públicos.

O material teve a realização também da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Centro de Línguas e Interculturalidade (Celin), vinculado à instituição. O reitor Marcos Sfair Sunye elogiou a iniciativa e elencou os esforços da UFPR na promoção de direitos aos migrantes e refugiados, em ações como processos de egressos e reingressos, disponibilização de vagas suplementares, acompanhamento acadêmico, social e psicológico.

Discursando em francês, com tradução realizada pelo deputado Goura, a embaixadora da República do Haiti, Rachel Coupaude, saudou o lançamento. “É uma ferramenta valiosa para facilitar o acesso aos direitos e apoiar os esforços de instituições públicas em prol de uma integração digna, inclusiva e efetiva”, ressaltou. Ela anotou que, entre 2011 e 2018, mais de 106 mil haitianos chegaram ao Brasil. “O Estado do Paraná consolidou-se como importante lugar de acolhimento”. Coupaude elencou ainda os percalços presentes na vida da população migrante na sociedade paranaense, como acesso a emprego, o adequado reconhecimento de suas qualificações e a discriminação.

A questão também foi tratada pela deputada federal Carol Dartora (PT). “Precisamos avançar em pontos centrais como acesso à documentação rápida e desburocratizada, com mediação cultural e linguística, revalidação de diplomas e empregos dignos, enfrentamento à xenofobia e ao racismo que atingem sobretudo imigrantes negros”.

Ao realizar um comentário sobre as contradições dos movimentos econômicos e sociais contemporâneos, o deputado estadual Professor Lemos (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Alep, realizou uma provocação. “As fronteiras foram erguidas ao longo do tempo. Foram instituídas para fazer com que seres humanos sejam tratados como ilegais. Se fala tanto em globalização da economia, mas como fica a globalização dos povos?”.

Gil Souza, superintendente-geral de Governança Migratória (SGGM) da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania do Paraná (Seju), frisou a relevância dessa população para o Estado. Há hoje cerca de 211 mil migrantes vivendo no Paraná. “Se fosse um município, seria o nono maior município do Paraná, maior que Guarapuava”, ilustrou. “Quando conversamos com o sistema de comércio, serviço e indústrias, eles olham para o imigrante como uma garantia do crescimento do nosso Estado.”

Dados do Censo Demográfico 2022, divulgados em junho, mostram que mais de 32 mil estrangeiros escolheram o Paraná como lar entre 2017 e 2022. A América Latina é a principal origem: venezuelanos correspondem a 22.125 residentes, seguidos por 7.709 paraguaios, 3.971 haitianos e 1.787 argentinos. Também se destacam colombianos (1.155), peruanos (576), bolivianos (472), chilenos (433), uruguaios (120) e cubanos (1.107). O compilado foi divulgado pela Agência Estadual de Notícias (AEN), do governo do Paraná.

Poder Público elenca iniciativas

A audiência pública foi dividida em dois momentos, sendo o primeiro uma oportunidade para o Poder Público elencar iniciativas voltadas ao acolhimento, proteção e apoio às pessoas que recomeçam suas histórias no Paraná. Integrantes do Judiciário, do governo do Estado e do Executivo federal, além de outras entidades, apresentaram ações.

A desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Suzana Massako Hirama Loreto de Oliveira, tratou da criação do Observatório Interinstitucional de Direitos Humanos (OIDH), criado em 2021. “O Paraná se tornou destino expressivo de fluxos migratórios, especialmente de origem latino-americana”, pontuou. “Esse cenário exige do Judiciário não só conhecimento técnico, mas o reconhecimento da humanidade de cada pessoa que aqui chega: histórias interrompidas, trajetórias recomeçadas e direitos que precisam ser garantidos.”

Paulo Fernando Pinheiro Machado, chefe substituto do Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores no Paraná (Erepar), destacou a participação do Brasil nos pactos globais sobre Refugiados e para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, bem como nos processos de Cartagena e Quito. “Desde 2017, o Brasil recebe mais de 1 milhão de imigrantes. É um país de imigrantes e que está de braços abertos para acolher todas as populações que venham aqui e queiram reconstruir a sua vida”.

No âmbito da Prefeitura de Curitiba, Michelle Taís Faria Feliciano, chefe do Departamento da Criança e do Adolescente Migrantes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano (SMDH), destacou iniciativas estudadas pela pasta, como a criação de uma política municipal migratória e de um conselho municipal dedicado a esse público. “Dos 211 mil migrantes no Paraná, um terço está em Curitiba. Temos registros de entrada no serviço de atenção primária à saúde de cerca de 70 mil migrantes na cidade”, citou a gestora, enaltecendo a contribuição prestada por esses novos moradores.

Fernanda Rosa Becker, coordenadora de Promoção dos Direitos das Pessoas Imigrantes, Refugiadas e Apátridas do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, também abordou iniciativas federais. Ela destacou o lançamento do aplicativo “Clique Cidadania”, voltado a migrantes e que facilita o acesso a informações e orientações sobre direitos.

O promotor de Justiça Rafael Osvaldo Machado Moura, integrante do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná, tratou da necessidade de combater o pânico moral da população diante do outro. “A vinda de imigrantes não aumenta a criminalidade, não retira riquezas ou traz crises econômicas. Pelo contrário: produz riquezas, traz pessoas ordeiras, belezas e muitos outros benefícios. São os fluxos migratórios que mantêm nosso Estado em pé”.

A atuação da Defensoria Pública do Estado (DPE-PR) foi tratada pelo defensor Antonio Barbosa.

Pesquisadores e entidades apontam desafios

Em seguida, uma segunda mesa reuniu organizações sociais, professores e pesquisadores para discutirem os desafios enfrentados pela população migrante e refugiada no Paraná.

Os esforços da Cáritas Paraná foram abordados por Francisco Xavier Rodrigues. Vinculada à Igreja Católica e presente em mais de 170 países, a Cáritas conta no Paraná com 18 entidades dedicadas à promoção da integração dos migrantes. Mesmo sendo brasileiro naturalizado, Rodrigues falou sobre a experiência da migração. “Muitas vezes as pessoas pensam: ‘quem é que estou recebendo?’. Todo migrante que chega vive um luto migratório. Essa pessoa traz consigo histórias — laborais, culturais e de vivência — que precisam ser respeitadas. Temos que avaliar de que forma ela pode dar um aporte ao Brasil. Todo migrante chega ao Brasil com essa expectativa”, frisou.

“É uma luta com todos e para todos, mas é necessário ter maior presença dos migrantes nesses espaços”, complementou Rodrigues. A maior representatividade também foi defendida pela fotógrafa e ex-dentista síria Yara Osman, que pontuou a necessidade de prezar o protagonismo dos imigrantes na definição das demandas atinentes a essa população.

Apesar do apoio inicial prestado pelo Poder Público no começo de suas jornadas Brasil, os imigrantes sofrem depois com a falta de encaminhamento, integração e oportunidades reais, denunciou Christiane Silva, presidenta da ONG Feminny. “A principal falha das políticas de acolhimento não é a falta de informação, mas a falta de continuidade”, frisou. Ela sugeriu a criação de um protocolo estadual de integração de refugiados.

Tatyana Friedrich, professora titular e especialista em Direito Internacional Privado da UFPR, elogiou a atuação da sociedade civil em prol da população migrante, mas frisou que o Poder Público não pode tratá-la como uma terceirização de sua responsabilidade. Por parte do Executivo estadual, ela apontou a urgência da criação de centros de atendimento a imigrantes, inclusive em unidades móveis. Entre outras carências, a pesquisadora ressaltou a necessidade de maior celeridade e efetivação da revalidação de diplomas dos migrantes.

“A dignidade humana não pode ser limitada por passaportes ou pelos muros visíveis ou invisíveis que estão por aí. É enxergar o ser humano antes do território, a história antes do documento e o direito antes da fronteira”, pontuou.

Negligências por parte da Polícia Federal no atendimento à população migrante, bem como a ausência de representantes da corporação no evento, foram pontuadas pela docente, uma vez que a PF é responsável pela orientação e regularização da situação migratória.

O imbróglio também foi tratado pelo advogado Francelino Sanha, natural da Guiné-Bissau, especialista em imigração e membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR. “Quando você orienta um cliente e ele vai até a PF e não consegue um atendimento, é como se você tivesse dado um cheque sem fundo. A garantia está lá, mas não há como exercê-la”, denunciou.

Entre outros aspectos, a professora Fabiane Cristina Silva Mesquita, do Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica da UFPR, considerou a insuficiência das políticas públicas em considerar as transformações nas dinâmicas de migração. “Elas também são feminilizadas, com mulheres e mães, e também adolescentes desacompanhados, o que se fala muito pouco”, afirmou.

A ausência de uma casa de acolhida no Estado específica para pessoas imigrantes e refugiadas foi outro aspecto frisado pela pesquisadora. “Temos hotéis sociais, mas as famílias são separadas. A grande maioria chega sem conhecer o idioma, sem conhecer a legislação. Explicam que mãe e filho ficarão em um lugar, pai em outro, o que causa um choque imenso. Muitas famílias ficam em situação de rua por desconhecimento. É uma emergência urgente.”

Mesa

A audiência pública foi organizada em dois momentos distintos, que somaram trinta participantes. Além dos que foram citados na reportagem, também compuseram a mesa a vereadora de Curitiba Laís Leão (PDT); Rockmillys Basante Palomo, presidenta do Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas (Cerma); Rubens Jacó das Neves, diretor executivo da Fundação Club Athletico; Padre Sales Melo, coordenador da Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Curitiba; José Antônio Peres Gediel, professor da UFPR. Rodly Julien, presidente da Associação de Migrantes, Indígenas e refugiados de Foz do Iguaçu (AMIRF), e Leonardo Cavalcanti, professor da UnB, participaram de forma remota. O evento também contou com apresentações culturais.

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