Empresário admite que Barros agendou reunião, mas, à CPI, nega favorecimento

O empresário Emanuel Catori, sócio da empresa Belcher, admitiu nesta terça-feira (24/08) que participou de uma reunião no Ministério da Saúde agendada pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Catori confirmou que, no dia do encontro, 15 de abril, a Belcher já havia assinado um termo de confidencialidade com a farmacêutica chinesa CanSino para a venda da vacina Convidecia no Brasil. Mas ele negou que tenha negociado a venda desse imunizante com o ministro Marcelo Queiroga.

Questionado pelo relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), o empresário disse que na ocasião tentou vender ao governo federal o antiviral Favipiravir. Ele afirmou que não poderia ter negociado a venda da Convidecia nesse encontro porque ainda não havia recebido uma carta de autorização da CanSino. O documento só teria sido emitido quatro dias depois do encontro intermediado por Ricardo Barros.

“Eu tive apenas dois ou três minutos. Falei apenas do medicamento antiviral Favipiravir”, disse Catori.

Calheiros, no entanto, contestou a declaração do empresário. Para o relator da CPI, há “uma contradição muito grande” no depoimento de Emanuel Catori. Segundo o relator, existe “um envolvimento muito sério” do líder do governo na Câmara na negociação de vacinas intermediadas pela Belcher.

“É a repetição do modus operandi na aquisição de vacinas pelo governo federal, que recusou contatos com a Pfizer e com o Butantan enquanto priorizou atravessadores como a Belcher, a Davati e Ricardo Barros. Enquanto brasileiros morriam e continuam a morrer. O senhor [Catori] tenta passar a ideia de que, no encontro com Ricardo Barros, não poderia ter tratado da questão, uma vez que a CanSino não havia credenciado a Belcher. Mas não é verdade. Já havia uma carta de confidencialidade”, afirmou Renan.

O depoente admitiu que a Belcher contratou o advogado Flávio Pansieri para atuar junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Embora Pansieri tenha sido sócio de um genro de Ricardo Barros até março deste ano e que o parlamentar paranaense seja “amigo de longa data” de um acionista da Belcher, Catori negou que Ricardo Barros tenha atuado como “facilitador político” para a compra da CanSino. Segundo Catori, a ligação entre Pansieri, Barros e Belcher “é mera coincidência”.

Economia

“O deputado Ricardo Barros não fez gestões com órgãos nesse sentido. Não há vínculo comercial ou societário direto ou indireto da Belcher ou seus sócios com o parlamentar. Ele não iria receber valores pelo sucesso da negociação da Convidecia. A Belcher não o procurou nas tratativas com vacinas. Participação zero. Em nenhum momento ele me ajudou em nada sobre a vacina”, declarou Catori.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que, um mês antes do encontro no Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro já havia sido alertado sobre o suposto envolvimento de Ricardo Barros em irregularidade na compra do imunizante indiano Covaxin. Aziz fez referência a uma expressão amazonense para se referir à desenvoltura do parlamentar paranaense na negociação de vacinas.

“Mesmo alertado o presidente, o deputado Ricardo Barros continua operando dentro do governo como se nada tivesse acontecido. Um cabra, quando tem essa coragem, na minha região é conhecido assim: “Esse aí tem coragem de mamar em onça”. Além de ser um tucunarezão, o deputado Ricardo Barros tem coragem de mamar em onça”, disse Aziz.

Tráfico de influência

O senador Renan Calheiros perguntou por que a vacina da CanSino era 70% mais cara do que o imunizante da farmacêutica Janssen — considerando que ambas são aplicadas em dose única. Segundo o empresário, isso se deve ao modelo de importação contratado pelo Ministério da Saúde: enquanto a Janssen foi comprada pelo sistema CIF (Cost, Insuranse and Freight), em que frete e seguro são pagos pelos fornecedores, a Convidecia seria adquirida pelo sistema FOB (Free on Board), em que essas despesas estão embutidas no valor final.

“Isso envolve logística, envolve frete. Por precisar manter uma temperatura de dois a oito graus, é um frete extremamente caro. Por isso tem toda essa diferença de valores”, afirmou o depoente.

Emanuel Catori prestou depoimento à CPI da Pandemia amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com a possibilidade de permanecer em silêncio sobre temas que o incriminassem, o empresário se recusou a responder, por exemplo, quanto a Belcher receberia de comissão pela venda de 60 milhões de doses do imunizante ao governo brasileiro. Ele também preferiu não responder sobre a operação Falso Negativo, que apura irregularidades na venda de testes rápidos para detecção do coronavírus no Distrito Federal.

Catori apresentou à CPI um cronograma com datas que envolvem a representação da CanSino pela Belcher. De acordo com o empresário, a farmacêutica chinesa estabeleceu uma carta de autorização para a empresa brasileira no dia 19 de abril. Em 27 de maio, a Belcher solicitou uma carta de intenção de compra junto ao Ministério da Saúde. O documento foi expedido pela pasta apenas uma semana depois, no dia 4 de junho. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) estranhou a rapidez do processo.

“A carta de intenção foi emitida em apenas oito dias. Por quê? A Pfizer levou vários meses, quase um ano. É muita rapidez. Um tratamento muito diferenciado em relação à empresa. Houve uma agilidade na emissão de carta de intenção, mesmo se tratando de uma vacina 77% mais cara do que outra de dose única. Foi tudo muito rápido. Houve agilidade para tudo”, disse Eliziane.

O senador Humberto Costa (PT-PE) reforçou a suspeita de que a Belcher tenha sido privilegiada pelo deputado Ricardo Barros, que foi Ministro da Saúde entre 2016 e 2018 na gestão do presidente Michel Temer.

“Você [Emanuel Catori] vai dizer que não tem nada a ver, que caiu do céu. Que o Ministério da Saúde descobriu que sua empresa estava habilitada para isso. A CanSino, lá na China, ouviu dizer que tinha uma empresa lá em Maringá para ser representante no Brasil. É difícil a gente acreditar nessas coisas, que não teria havido algum tipo de ajuda e que isso não teria sido feito pelo senhor Ricardo Barros. Esse argumento não se sustenta. Houve aqui, sim, tráfico de influência e advocacia administrativa”, declarou Humberto.

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Hang e Wizard

O sócio da Belcher reconheceu que participou de encontro virtual com os empresários Luciano Hang e Carlos Wizard. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ambos teriam atuado para que houvesse a compra, pelo governo brasileiro, de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Emanuel Catori disse ter sido procurado pelos empresários entre fevereiro e março deste ano para intermediar a compra de doses da vacina CoronaVac, produzida pelo laboratório SinoVac. Segundo ele, o imunizante seria doado ao Sistema Único de Saúde (SUS). No dia 17 de março, Catori, Hang e Wizard participaram de uma live sobre o assunto. Mas o representante da Belcher negou que os empresários tenham participado da negociação do imunizante da CanSino.

“Aventou-se a possibilidade de aquisição de 9 milhões de doses prontas da CoronaVac. Essas doses seriam adquiridas e doadas sem fins comerciais. Após a vacinação dos grupos prioritários, 50% iriam para colaboradores das empresas envolvidas na ação. Não há qualquer relação da Convidecia com os empresários. Não houve interferência com a interface institucional realizada pela Belcher junto ao Ministério da Saúde sobre a Convidecia. Também não há relação societária formal ou informal entre os empresários e a Belcher ou qualquer de suas empresas”, afirmou.

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse que não é papel da CPI censurar a atuação dos empresários Luciano Hang e Carlos Wizard durante a pandemia de coronavírus. Para ele, Wizard atuou como “voluntário” no enfrentamento à covid-19.

“Não é papel desta Casa ser censuradora do papel de voluntários de alguns brasileiros. No caso de Carlos Wizard, de forma reiterada a CPI tenta atacar sua imagem, sua honra e sua atuação. Como cidadão brasileiro, em momentos difíceis da vida nacional ele se colocou como voluntário. Esta CPI, de maneira bastante covarde, procura atacar a honra desse brasileiro. Gastar esse tempo para difamar pessoas que procuram servir ao Brasil não é um bom serviço”, disse Marcos Rogério.

A Belcher foi representante da CanSino entre 19 de abril e 10 de junho de 2021. Após a emissão da carta de intenção pelo Ministério da Saúde, a farmacêutica chinesa revogou unilateralmente as credenciais da Belcher alegando razões de compliance. Em 28 de junho, em razão do descredenciamento legal da empresa, a Anvisa encerrou o processo em que a Belcher pedia a autorização emergencial do imunizante.

O senador Jorginho Mello (PL-SC) lembrou que a Belcher não chegou a vender vacinas ao governo federal. Ele minimizou a relevância do caso para a investigação da CPI.
“É mais uma negociação que não aconteceu. É um barulhão danado”m declarou ele.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) discorda. Para ela, a CPI conseguiu revelar que empresas privadas atuaram junto com servidores do Ministério da Saúde “para ganhar dinheiro”.

“É óbvio que tem que ter a participação de servidores públicos. Não tem como um processo desses ser tratado sem o conluio de servidores. Eles, sim, têm que estar aqui se explicando. Por que avançaram e deram uma carta à Belcher, concordando com o processo? Esse é um enredo em que primeiro negam a compra de vacinas e depois, quando veem a possibilidade de negócio, com ganância e volúpia, resolvem ganhar dinheiro à custa da dor e da morte de milhares de brasileiros. No banco dos réus, tem que estar o Ministério da Saúde”, afirmou Simone.

As informações são da Agência Senado