Haddad: A imprensa brasileira é realmente a favor da liberdade de imprensa?

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo neste sábado (22), o ex-ministro da Educação e ex-candidato à presidência da República pelo PT, Fernando Haddad, reflete sobre liberdade de imprensa a partir do caso Intercept. Ele afirma que há boas razões para duvidar se imprensa brasileira é realmente a favor da liberdade de imprensa.

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“Greenwald vem sendo covardemente atacado pelo presidente da República, por seu filho senador e pelo ministro da Justiça sem que a imprensa local se solidarize com ele na proporção exigida, muito pelo contrário”, diz trecho do artigo.

Leia a íntegra do artigo:

Por Fernando Haddad

A imprensa brasileira é realmente a favor da liberdade de imprensa? Há boas razões para duvidar.

Economia

O caso The Intercept, por duas graves circunstâncias, levanta dúvidas sobre a questão.

A primeira, mais antiga. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5613) junto ao STF em que pede algo surpreendente.

O artigo 222 da Constituição estabelece que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão é privativa de brasileiros que deverão deter um mínimo de 70% do capital da empresa e exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e a responsabilidade editorial.

A ANJ pretende que os efeitos deste dispositivo sejam estendidos à internet e justifica: “Houve uma opção constitucional por estabelecer uma espécie de alinhamento societário e editorial com vista à formação da Opinião Pública nacional”.

É possível especular sobre o que a ANJ entende por isso, mas, nas condições locais, a afirmação mais parece um chiste freudiano.

Não há nada mais uniforme no Brasil do que a linha editorial dos jornais.

Em momentos decisivos, seus proprietários unem-se numa só voz “com vistas à formação da opinião pública”.

O que pretende a ANJ? Que sites de notícias progressistas como The Intercept Brasil, El Pais Brasil etc. saiam do ar? Que não possam utilizar o domínio .com.br? La Repubblica ou Le Monde não poderiam publicar notícias sobre o Brasil em português? O tradutor Google seria desabilitado?

A pretensão é tecnologicamente extravagante, mas reveladora de uma visão política nada moderna.

Parece desconhecer inclusive que, em tempos de big tech, o que conta não é apenas a notícia, falsa ou não, mas seu impulsionamento, que se dá, lícita ou ilicitamente, pela força do dinheiro e do poder de Estado no “black mirror” da internet.

Nesse admirável mundo novo, a presença do The Intercept e de Glenn Greenwald entre nós é uma felicidade e fonte de inspiração para novas formas de cooperação entre jornalistas.

O que me leva a uma segunda circunstância. Greenwald vem sendo covardemente atacado pelo presidente da República, por seu filho senador e pelo ministro da Justiça sem que a imprensa local se solidarize com ele na proporção exigida, muito pelo contrário.

A reputação internacional de Moro como juiz está comprometida, mas isso não lhe dá o direito de usar seu poder como ministro para prejudicar quem cumpre seu dever. Faria melhor se tomasse a conduta profissional de Greenwald como modelo.

Os jornais locais, se defenderem a liberdade e integridade de Greenwald, poderiam ajudá-lo nesta tarefa.