Água não é mercadoria

O deputado Enio Verri (PT-PR) denuncia a MP 844/2018 que privatiza os serviços de fornecimento de água e de saneamento e deixará 55% da população brasileira, eminentemente os pobres, ainda mais distantes de acesso a esse serviço básico para o desenvolvimento humano. O IDH está diretamente ligado às condições de potabilidade da água e o esgotamento sanitário, de uma sociedade.

Água não é mercadoria

Enio Verri*

Estima-se que apenas 45% do esgoto, no Brasil, sejam tratados. Por ano, mais de 5 bilhões de m³ de esgoto são despejados na natureza. Cerca de 100 milhões de brasileiros estão expostos à falta de saneamento básico e 35 milhões não têm água tratada. A meta brasileira é a de universalizar o saneamento, até 2033, mas 33 cidades não contam com abastecimento de água tratada e mais de duas mil não têm esgotamento sanitário. Paradoxos de um país que possui um dos mais avançados aceleradores de partículas do mundo e é referência mundial em fabricação de aviões para até 100 passageiros.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2017, dos 5.570 municípios, 27% registraram dengue; 23%, diarreia; 17%, chikungunya e, 14,6%, zika vírus. O Norte e o Nordeste do País foram os que mais atingidos, justamente porque são as regiões onde os serviços são menos difundidos. Mas a falta de saneamento é uma questão mundial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% das doenças registradas no mundo poderiam ser evitadas com acesso a água limpa e esgotamento sanitário.

A universalização do serviço, no Brasil, ainda muito longe de ser alcançado, está sob sério risco de não ocorrer. Trata-se da MP 844/2018, que privatiza os serviços de fornecimento de água e de saneamento e deixará 55% da população brasileira, eminentemente os pobres, ainda mais distantes de acesso a esse serviço básico para o desenvolvimento humano. O IDH está diretamente ligado às condições de potabilidade da água e o esgotamento sanitário, de uma sociedade.

Economia

A MP extingue uma condição fundamental para o Estado conseguir buscar a universalização do serviço, o subsídio cruzado. Os serviços nos grandes municípios são superavitários. Porém, nos pequenos, dá-se o contrário. O subsídio cruzado é a destinação de uma percentagem do que é pago por um contribuinte de um município rico, para financiar o processo de universalização nos municípios onde os serviços não dão lucro. A medida provocará a desestruturação dos serviços em municípios que não são interessantes para o mercado. E esses são a maioria.

É disso que se trata a MP, lucro para acionistas que podem estar em qualquer lugar do planeta e não se interessarem em aplicar recursos num determinado município, porque não compensa o investimento em papéis, que ele fez. As grandes empresas são lucrativas e o mercado sabe disso, há muito tempo. A Companhia de Saneamento do Estado do Paraná, na bolsa de valores, desde 2002, fez parte de um acordo de cooperação técnica entre o governo Beto Richa e o BNDES, em junho de 2017, para empreender projetos de desestatização. Entre as 44 empresas estatais passíveis de privatização, está a Sanepar.

A Sabesp, talvez a maior do País, entrou para a Bolsa de Valores de Nova York, também em 2002. Especuladores estrangeiros jamais investiriam nela porque são apaixonados pela garoa de São Paulo. Provavelmente nem conhecem o município. Mas não vem ao caso, o importante é que se trata de uma empresa na qual não para de entrar dinheiro dos contribuintes que, ao invés de pagarem para o Estado, pagam a acionistas que não estão preocupados em investir em lugar onde não dá lucro, como nas periferias e nos pequenos municípios, principalmente.

Sem água, não há vida e nem desenvolvimento. Ela é um bem da humanidade e não pode pertencer a um banco, ou a uma agência de investimento que, de uma hora para outra, pode desinvestir em alguma localidade para forçar uma negociação que lhe aufira alguma vantagem. O País não pode ser refém dos humores e dos interesses do mercado de capital, principalmente quando se trata da água. É um bem estratégico e, portanto, inadmissível ficar nas mãos de uma empresa sem relação alguma com a sociedade onde esse bem deve ser aplicado. Somente a participação popular é capaz de impedir mais esse atraso perpetrado por Temer e seu ministério de notáveis entreguistas.

*Enio Verri é deputado federal pelo PT do Paraná.