Como os grupos bolsonaristas reagiram à prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro mexeu profundamente com a militância digital da direita. Nos grupos de WhatsApp e Telegram, a reação seguiu um roteiro conhecido do bolsonarismo, negar o fato, sacralizar o líder e convocar mobilizações de choque, incluindo paralisações e até uma greve geral.

Os dados levantados pela Palver, com base em mais de cem mil grupos públicos entre 21 e 23 de novembro, revelam um ambiente hiperpolarizado. Entre os participantes que se manifestaram, 63% rejeitaram a decisão de Alexandre de Moraes, enquanto 37% viram legitimidade na prisão.

A primeira onda foi de negação. Mensagens afirmavam que não houve tentativa de violação da tornozeleira, apenas “defeito do equipamento”. A versão se manteve mesmo após o vídeo da Polícia Federal, no qual o ex-presidente admite ter usado ferro de solda. Nos grupos, surgiram teorias que iam da troca de voz a supostas imagens manipuladas. Cerca de 38% insistiram que Bolsonaro não mexeu no aparelho.

Em paralelo, a religião inundou as conversas. Passagens bíblicas, pedidos de oração e alertas de que a fé estaria “sob ataque” ganharam enorme circulação. A declaração de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), de que “oração virou crime”, virou combustível para transformar Moraes em inimigo espiritual, deslocando a discussão para o terreno simbólico.

O fio conspiratório também atravessou fronteiras imaginárias. Mencionar os Estados Unidos e a embaixada americana tornou-se expediente diário. Entre 5% e 7% das mensagens citavam os EUA como possível “árbitro moral” da crise, reforçando a ideia de que “o mundo está vendo” ou de que haveria pressão internacional contra o STF. Postagens de aliados de Donald Trump, como Jason Miller, foram tratadas como prova de que haveria apoio externo ao discurso bolsonarista.

O destaque inesperado foi Flávio Bolsonaro. Seu nome apareceu quase vinte vezes mais que no período anterior. O senador tenta ocupar o vácuo deixado pelo pai, pedindo moderação à militância e, ao mesmo tempo, cuidando para não perder protagonismo. Ainda assim, a base radical ensaiou caravanas, paralisações e até uma “greve geral patriótica”, que triplicaram em volume na comparação com o mês anterior.

Nos grupos que reconheceram a violação da tornozeleira, a leitura foi diametralmente oposta. Para 62% desses usuários, o vídeo da PF é definitivo e desmonta a retórica de perseguição. Ali, Bolsonaro é acusado de vitimismo e impulsividade, responsável por criar sua própria armadilha política.

O retrato apontado pela Palver é claro. O bolsonarismo continua reproduzindo a lógica que o sustentou desde 2018, transformar qualquer fato negativo em narrativa interna de coesão. Mesmo diante de evidências, a militância opera em um circuito fechado que cria, sustenta e recicla versões convenientes.

Esse mecanismo mantém a base unida, mas trava a sucessão no campo da direita. Sem Bolsonaro, nenhum nome se impõe sozinho. E o país entra na disputa de 2026 com a polarização renovada, alimentada não só pelo conflito institucional, mas por uma guerra de sentidos que corre diariamente nos celulares.

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