O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica, na quinta-feira (21/9), que reverberará na proteção dos direitos dos povos indígenas do Brasil ao aprovar, por uma maioria de 9 votos a 2, a rejeição à tese do “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas.
Mas, afinal, que bicho é esse rejeitado pelo Supremo?
Essa decisão foi proferida durante o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que possui repercussão geral e foi abordado sob o Tema 1.031 [definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional].
A partir desta decisão, a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, não será mais utilizada como critério para definir a ocupação tradicional da terra por comunidades indígenas.
Um julgamento histórico
O julgamento em questão teve início em agosto de 2021 e é considerado um dos maiores da história do STF. Ele se estendeu por 11 sessões, sendo as seis primeiras realizadas por videoconferência.
Duas sessões foram exclusivamente dedicadas a ouvir as manifestações das partes envolvidas no processo, bem como de terceiros interessados, do advogado-geral da União e do procurador-geral da República.
Esse julgamento foi acompanhado de perto por representantes de povos indígenas, que se reuniram tanto no Plenário do STF quanto em uma tenda montada no estacionamento ao lado do Tribunal.
A atmosfera era tensa, à medida que a decisão final se aproximava.
Ancestralidade e proteção constitucional
O primeiro a votar nesse julgamento histórico foi o ministro Luiz Fux.
Ele argumentou que a Constituição Federal, ao se referir às terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, considera não apenas as áreas ocupadas, mas também aquelas que mantêm vínculos com a ancestralidade e a tradição desses povos.
Portanto, mesmo que as terras não estejam formalmente demarcadas, elas devem ser objeto da proteção constitucional.
Direitos fundamentais em jogo
A ministra Cármen Lúcia, ao apresentar seu voto, destacou que a Constituição Federal garante expressamente aos povos indígenas a manutenção de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
Para a ministra, a posse da terra não pode ser separada dos outros direitos fundamentais concedidos a esses povos.
Ela enfatizou que o julgamento envolve a dignidade étnica de um povo que sofreu opressão e dizimação ao longo de cinco séculos.
Critérios objetivos e indenização
O ministro Gilmar Mendes também se pronunciou contrário à tese do marco temporal, desde que fosse assegurada a indenização aos ocupantes de boa-fé, incluindo a terra nua.
Ele ressaltou a importância de que o conceito de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, que serve de base para as demarcações, siga objetivamente os critérios estabelecidos na Constituição e atenda a todos os envolvidos.
Posse tradicional e proteção inalienável
Por fim, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, afirmou que a posse de terras pelos povos indígenas está ligada à tradição, não à posse imemorial.
Ela explicou que os direitos desses povos sobre as terras que ocupam são direitos fundamentais que não podem ser mitigados.
A ministra também destacou que a posse tradicional não se limita à posse atual ou física das terras e que a legislação brasileira tradicionalmente reconhece a posse indígena sob a ótica do indigenato, ou seja, como um direito que existia antes da formação do Estado brasileiro.
Impactos e próximos passos
Essa decisão do STF terá implicações significativas para a demarcação de terras indígenas no Brasil.
A partir de agora, a data de promulgação da Constituição Federal não será mais usada para negar o direito dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.
O Plenário do STF ainda definirá a tese que servirá como parâmetro para resolver cerca de 226 casos semelhantes que estavam pendentes aguardando essa definição.
Em um momento crucial para a proteção dos direitos indígenas e da justiça histórica, o Supremo Tribunal Federal tomou uma posição clara a favor da preservação das terras tradicionalmente ocupadas por essas comunidades.
A decisão ressoará como um marco na luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil e marca um passo importante na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para todos os brasileiros.
Marco temporal nas terras indígenas, que bicho é esse?
O “marco temporal” nas terras indígenas é uma tese jurídica, derrotada no STF, que buscava estabelecer um critério temporal para a demarcação de terras ocupadas por comunidades indígenas no Brasil.
Essa tese propunha que apenas as áreas já ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da Constituição Federal de 1988 podem ser consideradas como terras indígenas, excluindo aquelas que foram ocupadas posteriormente.
No entanto, essa tese foi esmagada pelo plenário do Supremo, por 9 votos contrários e 2 favoráveis a “esse bicho”.
Na quinta-feira (21/9), o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria dos ministros, rejeitar a tese do marco temporal como critério único para a demarcação de terras indígenas, considerando-a inconstitucional.
Com essa decisão, as terras indígenas podem ser demarcadas com base em critérios que considerem a ocupação tradicional, ancestralidade e outros elementos, independentemente de sua ocupação na data de 1988.
Essa decisão do STF tem implicações significativas para a proteção dos direitos das comunidades indígenas e representa um marco importante na luta pela demarcação e preservação das terras indígenas no Brasil.
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