A polêmica que envolve a primeira-dama Janja Lula da Silva e o TikTok transcende o campo da diplomacia. Vai além do suposto “constrangimento” causado na China. É, antes de tudo, um alerta sobre o poder das big techs e a urgência de regular seus algoritmos – inclusive com respaldo internacional.
Janja tem razão ao denunciar os impactos nocivos do TikTok no Brasil. A plataforma virou um terreno fértil para a extrema direita, que manipula narrativas, promove desinformação e incita ataques misóginos e antidemocráticos. A ministra Gleisi Hoffmann já havia advertido: Janja incomoda porque tem opinião própria – e isso, para a extrema direita, é imperdoável.
As críticas da primeira-dama ocorrem num contexto de hostilidade virtual crescente, especialmente contra mulheres progressistas. Janja não falou apenas por si. Ela representou milhões que são afetados diariamente pela lógica perversa de algoritmos que priorizam o ódio, a mentira e a radicalização política.
O ataque não é contra a primeira-dama Janja, mas contra todas as mulheres que ousam participar e se destacar na política brasileira.
O bom exemplo da ALEP, no Paraná
O tema ganhou tamanha gravidade que o presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), deputado Alexandre Curi (PSD), determinou nesta semana o encaminhamento ao Conselho de Ética de todo e qualquer episódio de ataque misógino ou discurso de ódio ocorrido no plenário. “Não vou permitir que ideologias radicais contaminem esta Casa”, afirmou Curi, em tom firme.
Além dos ataques dirigidos a Gleisi e Janja, que vinham sendo ecoados na ALEP, deputadas da própria Casa também se tornaram alvo da misoginia praticada por parlamentares da extrema direita. Foi contra esse cenário que Alexandre Curi se insurgiu nesta semana.
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O erro não foi da Janja. Foi o vazamento.
A cobertura da chamada “velha mídia”, como de costume, se apressou em condenar a postura da primeira-dama. Acusaram-na de quebrar protocolo. A diplomacia de manual – aquela que se cala diante de injustiças em nome de uma suposta etiqueta – viu “erro” onde houve coragem.
A verdadeira quebra de protocolo foi o vazamento da conversa. Lula, visivelmente irritado, atribuiu o fato a um ministro que, segundo ele, deveria ter pedido para sair se estivesse desconfortável. A suspeita recai sobre o chefe da Casa Civil, Rui Costa, com quem Janja já teria enfrentado atritos desde o início do governo.
Se houve desconforto na comitiva chinesa, ele foi contornado com maturidade. O próprio presidente Xi Jinping, segundo Lula, não só acolheu o tema como se comprometeu a enviar um emissário ao Brasil para discutir a regulação das redes sociais. Ou seja, o diálogo foi aberto – não encerrado.
Regulação dos algoritmos: um debate inadiável
No Brasil, o debate sobre regulação das plataformas digitais tem sido sistematicamente sabotado pela extrema direita e por setores da mídia que temem qualquer medida que possa interferir nos interesses das big techs. Mas a realidade é que o modelo atual está falido. E quem paga essa conta é o cidadão comum.
A defesa da regulação não é censura, como afirmam os detratores. É um direito do consumidor. É proteger crianças e adolescentes da exploração digital. É impedir que algoritmos transformem a política em um jogo de ódio e mentira. É garantir que o ambiente digital seja plural, seguro e democrático.
O Blog do Esmael defende há anos uma regulamentação com viés consumerista, baseada no Marco Civil da Internet e atualizada para a realidade das plataformas atuais. Isso inclui transparência algorítmica, responsabilização por danos, e freios contra a formação de monopólios informativos.
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A crítica de Janja foi necessária
É preciso reconhecer a legitimidade política de Janja no debate público. Ela não é “cidadã de segunda classe”, como o próprio Lula lembrou. E sua fala sobre o TikTok, longe de ser um deslize diplomático, foi um gesto de coragem.
A tentativa da oposição de transformar o episódio em um escândalo é sintoma de uma resistência a mudanças. E a velha mídia, ao ecoar essas críticas sem aprofundar o debate de fundo – a regulação dos algoritmos –, presta um desserviço ao país.
A democracia exige mais do que boa educação à mesa. Exige compromisso com a verdade, coragem para enfrentar os interesses dos poderosos e disposição para debater temas sensíveis. Janja, com sua fala, rompeu o silêncio conveniente. E isso é jornalisticamente relevante.
Se você também acredita que o Brasil precisa avançar na regulação das plataformas digitais, compartilhe esta análise, comente, participe. O debate não pode ser adiado.
Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.