Guilherme Boulos relata a vitória de Gabriel Boric que ele [líder do MTST] testemunhou no Chile

O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Guilherme Boulos, e seus camaradas do PSOL integraram a delegação de observadores na eleição presidencial do Chile. Na volta ao Brasil, Boulos relata que testemunhou a vitória de Gabriel Boric, eleito no domingo (19/12), e, consequentemente, a queda da primeira experiência neoliberal na América Latina.

Chile mostra que refluxo da direita pode chegar ao Brasil

Por Guilherme Boulos*

Enfim, abriram-se as grandes alamedas chilenas por onde passarão o homem e a mulher livres. Essa foi a previsão de Salvador Allende em seu último e corajoso discurso, antes de ter o Palácio de La Moneda bombardeado e ser morto pelas forças golpistas de Pinochet. Demorou 48 anos, mas as alamedas se abriram neste domingo.

A vitória de Gabriel Boric sobre José Antonio Kast representa uma espécie de segunda morte do pinochetismo, o mais cruel regime latino-americano. Foi a expectativa de presenciar esse acerto de contas histórico que me levou, com a delegação do PSOL, a Santiago para acompanhar as eleições.

O resultado tem dois significados diretos para a América Latina. Simboliza, primeiro, o refluxo da ofensiva direitista. No último período, a esquerda venceu na Bolívia, no Peru, em Honduras e, agora, no Chile. Já havia vencido antes no México e na Argentina. No Brasil, Bolsonaro está enfraquecido, e pesquisas indicam amplo favoritismo de Lula para 2022. Ao que parece, a onda de governos autoritários e antipopulares se desfaz antes do que muitos imaginavam.

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E Boric venceu apesar de todo o jogo baixo da extrema-direita. Tantas foram as fake news que ele teve que mostrar um exame toxicológico para comprovar que não usava drogas. No dia do pleito, empresas de ônibus reduziram a frota para dificultar a locomoção de eleitores, afetando mais a base de Boric. Ainda assim o comparecimento foi recorde, e a vitória foi por margem maior do que a esperada, 55% a 45%.

O segundo ponto que merece destaque é a chegada de nova geração de esquerda ao poder. Boric tem 35 anos. É produto das grandes mobilizações estudantis de 2011, que também formaram lideranças como Giorgio Jackson e Camila Valejos, com papel de destaque na coalizão vitoriosa e provavelmente no futuro governo. Foram ainda os jovens chilenos que protagonizaram as grandes mobilizações de 2019, sem as quais a vitória de Boric seria impensável.

Pude conversar com várias dessas lideranças e com o próprio Boric nesses dias em Santiago e é muito bom ver como não carregam velhos vícios políticos, têm abertura para novas pautas —com destaque para a ambiental e a feminista— e são capazes de uma comunicação mais direta com a juventude, sem chavões tradicionais.

Mas o governo de Boric terá grandes dificuldades, a começar pelo boicote anunciado de setores econômicos e por não ter maioria parlamentar. Além disso, a contraofensiva da direita se concentrará na Constituinte, formada como resposta à revolta popular. A próxima batalha será o plebiscito sobre as alterações constitucionais progressistas. E não será fácil. Na verdade, nunca foi. Mas os ventos que vem do Chile nos enchem de esperança. O próximo acerto de contas será no Brasil.

*Guilherme Boulos é coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018. É pré-candidato ao governo de SP pelo PSOL. Artigo originalmente publicado na Folha.