“Delação da delação” contra Gleisi e Paulo Bernardo tem sete versões diferentes

A acusação da PGR contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o ex-ministros Paulo Bernardo tem sete versões distintas e sobra suposições, escreve Pedro Canário no CONJUR. A ação penal contra os petistas é resultado da “delação da delação”, de onde escorre “convicções’ e nenhuma prova.

Acusação contra Gleisi e Paulo Bernardo tem sete versões distintas

Por Pedro Canário, no CONJUR

A ação penal em que o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo e a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) são acusados de corrupção tem versões desencontradas sobre os mesmos fatos, todas narradas nas delações premiadas que serviram de ponto de partida para a operação, ainda em 2014.

É o que ambos afirmam em alegações finais apresentadas ao Supremo Tribunal Federal. Gleisi é defendida pelos advogados Rodrigo Mudrovitsch e Felipe Fernandes de Carvalho, do Mudrovitsch Advogados. Paulo Bernardo é representado pela advogada Verônica Sterman, do Abdalla Sterman Advogados.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, o ex-ministro pediu R$ 1 milhão ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa para ajudar a financiar a campanha da mulher para o Senado, em 2010.

Economia

Esse dinheiro, segundo a PGR, foi entregue a um terceiro “estranho à campanha”, Ernesto Kugler Rodrigues. Mas, segundo as defesas, não há provas de que isso tenha acontecido.

Segundo o advogado de Ernesto Kugler, José Carlos Cal Garcia, não foram apresentadas provas de que ele tenha participado de qualquer entrega de dinheiro. E diversos depoimentos de delatores, como Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Ricardo Pessôa, dizem que ele nunca teve qualquer relação com o esquema de cartel, fraudes a licitação e desvio de dinheiro na Petrobras, o objeto da operação “lava jato”, conforme escreveu em suas alegações finais.

Só o que a PGR apresentou para embasar seus argumentos são as delações premiadas de Paulo Roberto Costa, do doleiro Alberto Youssef e de seu assessor Rafael Ângulo e de outro doleiro, Antonio Carlos Pieruccini. E cada um com a sua versão sobre quem pediu o dinheiro para quem, e quem entregou para quem, e de que forma.

A principal prova citada pela PGR é uma agenda mantida por Paulo Roberto Costa em que há uma inscrição “PB – 1”. Para a acusação, a anotação quer dizer “Paulo Bernardo – R$ 1 milhão”.

Essa agenda, porém, já foi descartada como prova pela 2ª Turma do Supremo no dia 12 de dezembro, quando o colegiado rejeitou denúncia de outro caso da “lava jato”. De acordo com o relator desse outro caso, ministro Dias Toffoli, a agenda é “uma anotação unilateral” que “não tem o condão de corroborar o depoimento do colaborador”.

Eu, não
A primeira versão para o crime pelos quais os réus são acusados veio de Paulo Roberto Costa. Segundo ele, Alberto Youssef o procurou no início de 2010 com um pedido de Paulo Bernardo para a campanha de Gleisi. Youssef, no entanto, disse que ele é quem foi procurado por Paulo Roberto com o pedido, e que não conhecia – e nem conhece – o ex-ministro, e nem a senadora.

“Paulo Roberto Costa quem repassou o pedido de Paulo Bernardo, assim como o telefone do contato”, disse Youssef, em delação premiada. “Paulo Roberto me pediu que entregasse esse um milhão, falando que era para a campanha da senadora Gleisi.”

Segundo a defesa de Paulo Bernardo, esse conflito de versões, nunca resolvido durante o processo, prova que nenhum delator teve contato direto com o ex-ministro. O que derruba a versão da acusação.

A PGR, então, começou a trabalhar com a tese de que Ernesto Kugler foi o emissário de Paulo Bernardo, responsável pelos contatos com Youssef. O relatório da quebra do sigilo telefônico do doleiro mostrou uma ligação entre ele e Kugler. Mas os relatórios policiais mostraram que, além de Kugler não ter ido a São Paulo nenhuma vez durante o período investigado, não há qualquer registro de entrada dele em nenhum dos prédios em que Youssef tem ou tinha escritórios na época.

A delação que salva
Depois disso, o Ministério Público passou a trabalhar com a tese de Kugler foi de Curitiba a São Paulo de carro, e por isso não havia registros de passagens aéreas. Segundo a defesa da senadora Gleisi, “tudo no campo da suposição”.

Foi quando o MPF em Curitiba recorreu à delação que praticamente sustenta a acusação: Antonio Carlos Pieruccini, sócio de Youssef desde a época do famoso caso Banestado e representado pelos mesmos advogados que fizeram a delação do doleiro.

Ele apareceu na “lava jato” apenas para delatar como fez os repasses de dinheiro a Paulo Bernardo, para que ele abastecesse a campanha de Gleisi. Em troca, recebeu a garantia da suspensão de “todos os feitos e procedimentos” instaurados contra ele e de que o MPF não ajuizaria nenhuma ação de improbidade administrativa contra ele ou suas empresas.

Mas, segundo a defesa de Gleisi, há diversas contradições em seus depoimentos. Ele contou, por exemplo, que ia quase toda semana de Curitiba a São Paulo, mas nunca pernoitava, sempre fazia “bate-volta”. Logo depois, ele disse levar a filha em suas viagens, mas só quando passava “dois ou três dias”.

Ao mesmo tempo, a defesa de Gleisi não encontrou nas “provas de corroboração” nenhum registro de pedágio que mostrasse que Pieruccini fizesse bate-volta.

A defesa de Paulo Bernardo demonstrou outra incoerência: Pieruccini disse não ter ficado mais de dois dias sem “dinheiro dos outros” com ele. Mas ficou, de acordo com os registros de pedágio, 18 dias sem ir a São Paulo.

Depois o delator disse que levou o dinheiro numa caixa de papelão com uma ficha escrito “PB/Gleisi”. Mas tanto Youssef quanto Rafael Ângulo negaram ter o hábito ou o procedimento de etiquetar as caixas com dinheiro. “Não me lembro de ter feito isso”, disse o doleiro. “Nunca se deixava nenhum nome. Talvez quem pegou colocou posteriormente quando pegou comigo”, completou Ângulo.

“Resta por demais explícita a tentativa da incriminação a todo custo, que se furta a analisar e despreza as provas angariadas”, diz a petição da defesa de Gleisi.

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