Resistir à supressão da soberania

Enio Verri*

O mercado financeiro, por meio de um voraz e errático desgoverno, ocupa os espaços onde a classe trabalhadora não está conseguindo se organizar para enfrentar o desmantelamento deste País, oferecido aos nacos, como uma gorda presa. O circo de horrores que ocupa o Palácio do Planalto confia na apatia política da sociedade. Enquanto trabalhadores e sindicatos não se reconciliam, mantêm-se dispersos o suficiente para os organizados banqueiros controlarem ainda mais os meios de produção nacionais. A tranquilidade com que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, fala em reformas e desinvestimento, parece que o Brasil vive a pujança, quando há 30 milhões de famílias desempregadas e desassistidas de alguma segurança social, que estão indo às ruas, todos os dias, para batalhar o que comer. São invisíveis para o governo e o grupo para quem ele governa.

Bolsonaro trata o Brasil e os pobres da mesma maneira como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso os tratou, abandonando-os, o primeiro ao mercado especulativo e, os segundos, aos saques a supermercados e a cargas de comida, porque não suportavam mais passar fome. A exemplo de FHC, Bolsonaro desvaloriza as empresas nacionais para entregá-las a outros países, da mesma maneira que o tucano entregou a Vale do Rio Doce, as teles e vários bancos estaduais que serviram de, entre outras coisas, canais por onde saíram do Brasil R$ 674.560.000.000 em valores corrigidos. Durante os governos do PT, esse patrimônio foi utilizado como ferramenta no desenvolvimento da nação e no fortalecimento das empresas. Em 2002, o valor de mercado da Petrobras era de R$ 15,5 bilhões. Em 2014, R$ 105 bilhões. Nos governos de FHC, o lucro anual da empresa foi de R$ 4,2 bilhões. Já nos governos Lula e Dilma, foi de R$ 25,6 bilhões. Porém, parte da imprensa comercial, do Judiciário e do MPF conseguiu convencer que o PT havia quebrado a empresa.

O desgoverno Bolsonaro está prestes a jogar no lixo quase sete milhões de testes para COVID-19, porque vai expirar a validade. Quantas vidas não teriam sido poupadas e quanto recurso público não teria sido economizado se todo esse material, disponível para a sociedade, tivesse sido usado a tempo e hora? O auxílio emergencial, de R$ 600, já não era um valor digno da classe trabalhadora. Porém, diante de uma oferta de R$ 200, foi um avanço. Desde outubro, o valor do benefício passou para R$ 300 e, em dezembro, será suspenso. Vira as costas para a população e pede aos supermercadistas, interessados nos lucros da empresa, que sejam patriotas. “A falta que faz um estadista, né minha filha”? A atitude revela, mais uma vez, o que a sociedade está cansada de ver, mas contra o que não reage, inexplicavelmente. É um governo genocida de uma classe trabalhadora que não se indigna de ser abandonada e atacada por um governo que odeia o Brasil e os pobres.

A apatia social e a falta de organização da classe trabalhadora são condições ideais para um governo ultraliberal e subalterno entregar a soberania a quem pagar mais. Bolsonaro de Guedes estão indóceis para entregar tudo. Eles são a voz da classe dominante brasileira, que vende este país por qualquer 30 moedas, desde que a fartura do seu bolso seja garantida. A sociedade não é consciente da importância das ferramentas estatais, mantidas com todo o cuidado por países desenvolvidos da Europa. Os correios dos EUA, por exemplo, são público desde 1775. Vários países da Europa estão reestatizando serviços de fornecimento de água, eletricidade, esgoto, segurança, educação, porque as privatizações não deram certo. A qualidade dos serviços caiu vertiginosamente e o preço subiu absurdamente. Sem reação, agora, pode ser o fim de um projeto de nação soberana que já demonstrou competência de sobra para essa construção.

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.

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