Frente democrática com Bolsonaro? Por Ricardo Cappelli

O jornalista Ricardo Cappelli afirma que vê “fortes sinais, forte sinais” no editorial do Globo, neste domingo (31), pregando frente democrática com a participação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Se houver um entendimento entre o fascismo e a Casa Grande, quem vai para a fogueira, mais uma vez, é a turma da senzala”, alerta Cappelli.

Leia a íntegra do artigo:

Frente democrática com Bolsonaro?

Ricardo Cappelli*

O editorial do jornal O Globo fez uma leitura interessante das aspirações totalitárias do presidente, defendeu o diálogo entre os democratas e concluiu:

Economia

“Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política.”

Será que a família Marinho pensa que o capitão é um ingênuo envolvido na marcha autoritária de forma desavisada? Acredita mesmo que ele pode ressurgir como um verdadeiro democrata?

Foi uma sinalização para um entendimento por cima? Ou uma tentativa de colocar no colo de Bolsonaro o impasse? Será um último aviso antes da ofensiva final pela sua derrubada?

O Globo fez este movimento descolado da Banca?

O jornal diz que a “esquerda democrática” deveria participar do entendimento. Quem estaria dentro desta “categoria global”? Quem seria excluído?

O texto diz que o importante é a agenda de Guedes avançar. Não é coincidência a emissora ter escondido o desempenho do ministro da Economia na reunião dos palavrões.

O editorial de hoje seguiu a mesma linha do editorial publicado pelo Estadão na semana passada. Num dia pediu a derrubada de Bolsonaro. No dia seguinte disse que ele e Lula são iguais.

Os liberais estão numa fria. Defendem a mesma agenda de Guedes, mas sabem que ela foi engolida pela pandemia. E temem que a cassação da chapa pelo TSE abra caminho para um novo processo eleitoral. Qual seria o desfecho?

Sabem que o neoliberalismo tardio não passa no voto popular. Podem estar fazendo as contas e optando pela “redução de danos” – é péssimo com Bolsonaro, mas pode ficar pior sem ele.

Por isso sinalizam por um acordo. Com as mortes escalando, o desemprego e o desalento explodindo, estamos virando um barril de pólvora, prestes a explodir. As conseqüências da crise, gravíssima e cada vez mais profunda, são imprevisíveis.

Um regime de força conseguiria avançar rapidamente nas “reformas” defendidas pelo mercado? As reformas da previdência, tributária e administrativa poderiam ganhar celeridade? O fascismo é a ditadura terrorista do capital financeiro?

A elite brasileira nunca teve apreço pela democracia. É antinacional e antipovo. Significa que devemos abrir guerra contra estes setores? Não.

Se o capitão decidir marchar por cima deles, eles podem “virar democratas”, não por amor repentino à democracia, e sim pelo velho e bom instinto de sobrevivência.

Mas é bom ficar atento.

Se houver um entendimento entre o fascismo e a Casa Grande, quem vai para a fogueira, mais uma vez, é a turma da senzala.

*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.

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Em editorial, Globo pede frente para continuar a política de Bolsonaro

Publicado em 31 maio, 2020

Pode isso, caro leitor? Pode.

O Globo, no editorial deste domingo (31), defendeu [pasme!] uma frente democrática com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para conter a “extrema esquerda” na atual conjuntura.

“Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo”, escreve o editorialista, ainda sobre efeito da cloroquina estragada.

Na prática, o leitor do Blog do Esmael sempre soube, Globo quer continuar a política econômica que ferra os trabalhadores e o povo brasileiro.

“Forças políticas que têm suas diferenças, mas compartilham a defesa das liberdades, devem se reaproximar”, diz a empresa dos Marinho, alinhando o discurso com os bolsonaristas que temem o “comunismo” e estrema esquerda.

Nessa matemática do Globo, por óbvio, restou claro que não tem espaço para o PT, Ciro Gomes, ou Flávio Dino.

Há um mês, Jair Bolsonaro prometeu em público que não renovaria a concessão da Rede Globo.

Portanto, a julgar pelo editorial, Globo sucumbiu aos “encantos” de Bolsonaro e da Secom — a secretaria da Presidência da República responsável pela distribuição de verbas públicas.

Leia a íntegra do editorial do Globo:

Os democratas precisam conversar

Nestes 32 anos de vigência da Constituição de 1988 e nos 35 da saída dos militares do Planalto, não houve momentos em que a estabilidade democrática parecesse estar por um fio. A morte de Tancredo antes da posse foi uma tragédia mitigada aos poucos, à medida que o vice, José Sarney, com a habilidade dos velhos políticos conservadores, foi conduzindo o país até a primeira eleição direta pós-ditadura para presidente, em 1989. Os acidentes no percurso da renascida democracia continuaram. Fernando Collor de Mello sucumbiu ao impeachment, em uma crise acompanhada com adequada distância pelos militares. Nem a perspectiva da subida do PT pela rampa do Planalto causou temores. Transcorreram sem sustos 13 anos com a esquerda no Executivo, vencendo-se ainda mais um impeachment, de Dilma Rousseff.

Mas Jair Bolsonaro e o que pensa, quem o cerca e a conjuntura histórica em que país e mundo se encontram passaram a ser a maior ameaça à democracia brasileira neste período de uma geração. Ter a extrema direita no Planalto, na democracia, é uma experiência nova que gera enormes pressões sobre todos os poderes republicanos. Seria o mesmo se fosse a extrema esquerda. Num mundo digitalizado, os ataques a pessoas e a instituições se multiplicam, há muito ruído, agitação, e o que cabe fazer é aplicar a Constituição sem recuos.

O Congresso, mesmo com a limitação das sessões remotas, cumpre sua pauta, e o Judiciário trabalha. Mas a grave crise política exige mais. Bolsonaro, quem diria, usa o método chavista de cooptar militares — alguns da ativa —, para comprometê-los com seu projeto de poder. Finja-se de desentendido quem quiser, mas a estratégia é clara. O uso desta fórmula da experiência bolivariana acrescenta mais tensão ao momento.

A sociedade precisa encontrar a saída de uma situação em que crises provocadas pelo presidente se sucedem e são amplificadas por manifestações, concentradas em Brasília nas últimas semanas, nada expressivas, mas causadoras de intranquilidades, pois são potencializadas por milícias digitais. Tudo transcorre numa séria crise humanitária, social e de saúde pública, em que o número de mortes já se aproxima dos 30 mil, e dentro de uma hecatombe econômica. São ingredientes que favorecem a quem deseja criar o caos para dele se aproveitar.

Durante a semana, ministros do Supremo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fizeram o que se espera deles. Defenderam as instituições, frisaram o papel vital da democracia, enalteceram a necessidade do diálogo. Mas falta para todas essas acertadas intenções uma via política, que só será construída se os democratas dos diversos matizes se entenderem. Forças políticas que têm diferenças no campo da economia, na área social e outras, mas compartilham zonas de intercessão na defesa das liberdades, têm de se reaproximar.

Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política. E continuará assim com o fim da epidemia, se este momento não for superado.

O Brasil republicano já venceu fases difíceis, e conseguiu superá-las com a ajuda de alianças entre segmentos políticos que aceitaram deixar de lado diferenças e se unir em torno de interesses compartilhados contra o inimigo comum que ameaçava a todos com a supressão da democracia. Foi assim na resistência ao Estado Novo getulista (1937-45), na ditadura militar (1964-1985/88), e em ambas as transições para a democracia.

Fechada a saída inviável da luta armada, após a decretação do AI-5, e deixada para trás a fase do “milagre econômico”, esgotado na insolvência do modelo, a memória ainda está viva de como liberais, a chamada esquerda democrática e mesmo frações mais à esquerda se entenderam sobre o melhor caminho para a abertura democrática, que não passava pela violência. E numa negociação bem-sucedida entre experientes políticos de direita e de esquerda, incluindo egressos do velho regime, teceu-se um entendimento sobre a abertura com militares geiselistas que venceram o confronto com falanges de extrema direita nos porões da ditadura. São os herdeiros ideológicos daqueles comandos radicais criados nos subterrâneos do regime militar que chegaram ao poder com Bolsonaro. Importa que o país tem de contornar a atual crise da melhor maneira, dentro da lei e pelo diálogo.

É preciso reaprender com a História e voltar a costurar o entendimento entre forças democráticas — mesmo com nuances —, como na década de 70 e início dos anos 1980, desta vez para proteger a Constituição de 1988, que tem garantido anos de estabilidade, sem a qual o Brasil se tornará um pária no mundo. As pressões bolsonaristas contra o Supremo são um ataque à Carta. Mas o país tem a vantagem de contar com instituições edificadas. Não se trata mais de enfrentar a ditadura de Getúlio nem a dos generais. Trata-se de sustentar a democracia, na qual há espaço para todos.