O juiz federal Eduardo Appio, na noite de terça (24), trouxe à tona novas revelações que prometem esquentar o debate sobre os bastidores da finada Operação Lava Jato. Em entrevista ao jornalista Leandro Demori, na TV Brasil, Appio não poupou críticas ao ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR), à juíza Gabriela Hardt e ao ex-procurador Deltan Dallagnol.
Durante quase uma hora de conversa, Appio fez duras acusações sobre a condução dos processos na 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele afirmou ter encontrado obstáculos para obter informações sobre casos importantes quando assumiu a vara em fevereiro de 2023, sugerindo que havia elementos ocultos da sociedade. “O processo nesta corte é eletrônico, mas não consegui acesso a dados fundamentais”, disse.
Uma das principais denúncias feitas por Appio envolve o uso de recursos de acordos de leniência que deveriam ser destinados à União. Segundo ele, mais de US$ 100 milhões foram utilizados para pagar honorários advocatícios da Petrobras nos Estados Unidos, em vez de retornarem aos cofres públicos. “Isso se configura como um esquema clássico de lavagem de dinheiro”, afirmou o juiz.
Appio também levantou suspeitas sobre a tentativa de autoridades brasileiras de driblar a legislação nacional, estabelecendo um acordo triangular que envolvia o Departamento de Justiça dos EUA e uma fundação privada em Curitiba. “Há indícios de corrupção e tentativa de peculato”, ressaltou, mencionando relatório produzido pelo ministro Luiz Felipe Salomão.
Outro ponto polêmico abordado na entrevista foi a suposta existência de gravações ilegais feitas pelo ex-deputado Tony Garcia, que teriam sido usadas em investigações da Lava Jato. Appio afirmou que não teve tempo suficiente para investigar a fundo essas questões antes de ser afastado do cargo em maio de 2023.
O juiz também relatou a pressão e hostilidade que enfrentou durante seu mandato, inclusive com a necessidade de contratar advogados para se defender em múltiplos processos. “Fui deixado para trabalhar sozinho, o que levou a um esgotamento físico e mental”, desabafou.
A entrevista de Eduardo Appio lança luz sobre questões que ainda precisam ser esclarecidas em relação à Lava Jato. Suas declarações reforçam a importância de uma justiça transparente e imparcial, que esteja acima de interesses pessoais ou políticos.
Seguiremos acompanhando de perto os desdobramentos dessa história que ainda promete capítulos intensos.
Aqui está a íntegra da entrevista de Appio a Leandro Demori:
Leia a íntegra da entrevista do juiz Eduardo Appio a Leandro Demori, na TV Brasil:
Leandro Demori: Olá, tudo bem por aí? Por aqui, tudo certo, estamos começando mais um “Dando a Real”, comigo, Leandro Demori, aqui na nossa TV Brasil. A partir de agora, a gente vai saber um pouco mais sobre as figuras que movimentam as redes, a política e a vida dos brasileiros. O nosso papo reto e direto já vai começar. Estão preparados? Então vamos embora, que o papo vai começar.
Ele ocupou um dos lugares mais quentes da República: a cadeira do ex-juiz Sérgio Moro, naquela que ficou conhecida como a Vara da Lava Jato em Curitiba. Disposto a abrir a “caixa preta” da operação que abalou o país, ficou pouco tempo no cargo, revelou documentos até então secretos e foi abatido em pleno voo. Uma história que será contada no programa de hoje. Pela primeira vez com vocês, o juiz federal Eduardo Appio. Doutor, muito obrigado por estar aqui.
Eduardo Appio: Imagina, é uma honra estar aqui com você, na nossa “BBC brasileira”, não é? Sou um espectador fiel do programa.
Leandro Demori: Ah, que legal! Isso sim, agora gostamos! O programa é um defensor da TV pública, inclusive. Muita gente não gosta, mas a gente gosta!
Eduardo Appio: Exatamente, nós precisamos que as pessoas repensem. A TV pública desempenha um papel essencial, especialmente na questão da checagem de fatos e combate às fake news, que hoje é o grande problema das relações sociais no Brasil e no mundo.
Leandro Demori: Todos os países europeus têm TV pública. Não deve ser por acaso, né? Ou todos estão errados, ou alguém está errado por aqui. Bom, doutor, vamos falar sobre a Lava Jato. Existe algo como uma “caixa preta” na 13ª Vara em Curitiba, a Vara da Lava Jato? Há coisas ali que a sociedade brasileira desconhece e que estão, de algum modo, escondidas do escrutínio público?
Eduardo Appio: Sim, há elementos. Quando cheguei na Vara, em fevereiro de 2023, encontrei processos eletrônicos com graus de sigilo variando de 1 a 55. Havia interceptações telefônicas, e, apesar de ver os processos, eu não conseguia identificar quem eram as pessoas interceptadas. A Vara tem um passado sombrio, principalmente com a interceptação ilegal que contribuiu para o golpe de Estado contra a presidenta Dilma. Isso levanta suspeitas sobre a espionagem política de autoridades públicas.
Quando cheguei, a tradição era que a juíza substituta, Gabriela Hardt, me passasse um briefing dos processos importantes. Isso não aconteceu. Ela adotou uma postura quase hostil e não me passou detalhes. Foi assim que comecei a tatear no escuro.
Leandro Demori: Então havia sim documentos e interceptações importantes que você encontrou?
Eduardo Appio: Sim, encontrei várias interceptações, mas não consegui saber quem eram as pessoas envolvidas. Além disso, descobri que existia uma conta bancária sigilosa desde 2016, que acumulou transferências de cerca de 5 bilhões de reais de dinheiro da União. Esses valores eram oriundos de multas, acordos de leniência e outras fontes, mas não eram repassados para os cofres públicos como deveria ser feito. Havia uma gestão discreta desses recursos por Sérgio Moro e Gabriela Hardt, com liberação de valores para a Petrobras, que, por sua vez, repassava dinheiro ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Leandro Demori: Isso parece um esquema complexo de movimentação de dinheiro. Pode explicar mais?
Eduardo Appio: Sim, o que acontecia era uma triangulação de dinheiro. O dinheiro ia para fora do país e voltava através de acordos com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, sendo destinado para uma fundação privada, controlada pelos próprios membros da Lava Jato. Esse sistema clássico de lavagem de dinheiro foi revelado pelas mensagens da Vaza Jato, mostrando uma cooperação entre advogados, procuradores e empresas de compliance.
Leandro Demori: Então havia uma tentativa de desviar esses recursos que pertenciam à União?
Eduardo Appio: Exatamente. O dinheiro arrecadado com as multas e pagamentos lenientes deveria ir para a União, mas criaram esse esquema para fugir da fiscalização do Tribunal de Contas da União. O CNJ apurou que isso era feito de forma indevida. A Petrobras era pressionada a colaborar e, ao firmar um acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, parte dos recursos era desviada. Graças a uma liminar do ministro Alexandre de Moraes, esse dinheiro foi impedido de ir para uma fundação privada.
Leandro Demori: Agora falando sobre grampos. Um personagem importante, Tony Garcia, ex-deputado, afirmou que trabalhou como uma espécie de agente infiltrado para Sérgio Moro, fazendo escutas ilegais. Qual é a sua visão sobre isso? Quantos grampos e áudios o senhor acha que existem na 13ª Vara?
Eduardo Appio: Quando cheguei à 13ª Vara, encontrei um cenário caótico, semelhante a um campo de concentração de processos parados. A gestão da Vara era caótica, como identificou a Corregedoria. A quantidade de grampos e interceptações era grande. Vi algumas dezenas na tela, mas não tive tempo de abrir uma a uma antes de ser afastado. Muitas dessas interceptações não eram usadas oficialmente nos processos, o que levanta a questão: para quem elas foram usadas? Quantas personalidades da República foram grampeadas? A suspeita de espionagem política é forte.
Leandro Demori: E o senhor também teve contato com o caso do advogado Tacla Duran, que mencionou um esquema de “indústria de delações”. Ele chegou a dizer que pagou para advogados próximos a Moro e aos procuradores. O senhor encontrou algo que pudesse confirmar isso?
Eduardo Appio: Tacla Duran mencionou dois advogados: Marlos Arns e Carlos Zucoloto, este último, amigo de Sérgio Moro e sócio de Rosângela Moro. Tacla trouxe provas, incluindo extratos bancários de depósitos, que corroboravam suas acusações. Infelizmente, não conseguimos trazê-lo ao Brasil para depor, apesar de ter organizado um salvo-conduto com o ministro da Justiça. A resistência foi grande, tanto que o desembargador Malucelli decretou a prisão de Tacla, o que o impediu de embarcar para o Brasil.
Leandro Demori: Após essa decisão de Malucelli, descobriu-se que seu filho era sócio de Sérgio Moro e genro de Rosângela. Isso acabou levando ao seu afastamento da 13ª Vara?
Eduardo Appio: Sim, fiz uma ligação para o filho de Malucelli para confirmar se ele era realmente sócio de Moro. Essa ligação foi gravada e utilizada contra mim. Embora a imprensa já estivesse investigando, o rapaz negava o vínculo familiar. No entanto, a verdade veio à tona: ele era sim sócio de Moro e ocupava um cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Paraná. Essa ligação foi o pretexto utilizado para me afastar, num processo que não me deu direito a uma ampla defesa.
Leandro Demori: O senhor se arrepende de ter feito essa ligação?
Eduardo Appio: Com a cabeça fria, posso dizer que o meio foi inadequado, mas, naquele contexto, parecia ser minha única alternativa. Eu não tinha com quem contar dentro da própria Vara ou no Tribunal, que eram dominados por uma lógica lavajatista. Hoje, eu teria feito isso de outra forma, mas o que me resta é o sentimento de que minha permanência na 13ª Vara poderia ter aprofundado as investigações sobre os grampos e outros esquemas.
Leandro Demori: Doutor, agradeço muito pelo seu tempo e por compartilhar essas informações com a gente.
Quem é Eduardo Appio?
Eduardo Fernando Appio é um juiz federal conhecido por sua atuação na Justiça Federal do Paraná. Em fevereiro de 2023, ele assumiu a titularidade da 13ª Vara Federal de Curitiba, que foi central na condução dos processos da Operação Lava Jato. Appio tornou-se notório por rever decisões anteriores e por adotar uma postura crítica em relação a aspectos da operação.
Em maio de 2023, ele foi afastado de suas funções por determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o TRF4, devido a investigações sobre possíveis irregularidades em sua conduta profissional. O caso gerou debates sobre a imparcialidade e a conduta de magistrados envolvidos em processos de grande repercussão.
Dentre as medidas de Appio à frente da Lava Jato, em Curitiba, estava o levantamento de sigilos em processos que envolviam a leniência de empresas investigadas nos períodos do então juiz Sergio Moro e do então procurador Deltan Dallagnol, que hoje são objeto de exame de órgãos de controle judiciais nacionais.
Atualmente, o juiz Eduardo Appio está à frente da 18ª Vara Federal de Curitiba, que trata de questões previdenciárias.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.