Dia de stand up presidencial e disputa atualizada

Ricardo Cappelli: a temperatura da disputa vai subir nos próximos dias; até vídeo institucional com o slogan “O Brasil não pode parar!” o Palácio do Planalto soltou; as mortes por coronavírus também vão subir.

O jornalista Ricardo Cappelli fez uma compilação de como foi o dia, nesta quinta-feira, 26 de março, e chegou à conclusão de que foi um dia de stand up presidencial e de disputa.

“Estamos dentro de um avião caindo com um piloto ensandecido estourando champanhe”, comparou, já admitindo que esta sexta-feira (27) também promete fortes emoções.

Para Cappelli, o presidente protagonizou hoje um verdadeiro Stand Up Comedy na porta do Alvorada ao fingir que está do lado dos trabalhadores.

“O Congresso percebeu o movimento do Capitão de tentar capturar o discurso para os mais vulneráveis e tentou reagir”, avalia. “Guedes havia enviado uma proposta de “Coronavoucher” de apenas 200 reais por mês”, completa.

Leia a íntegra do artigo de Ricardo Cappelli:

Dia de stand up presidencial e disputa em 26 de março

Economia

Ricardo Cappelli

1 – Bolsonaro quadruplicou a aposta. O dia de hoje foi marcado por uma disputa. De quem é a culpa e/ou responsabilidade pela iminente situação econômica dramática dos mais vulneráveis? De um lado, Bolsonaro acusando “alguns governadores e a mídia”. Do outro, governadores, deputados e a Globo acusando o governo de não cuidar adequadamente dos mais pobres.

2 – O discurso do presidente – contrariando a experiência internacional e a ciência – polarizou parte da sociedade e pautou o debate nacional. Associações empresariais e comerciais subiram o tom pela reabertura das cidades. Há sinais de que alguns governadores e prefeitos podem ceder.

3 – O presidente protagonizou um verdadeiro Stand Up Comedy na porta do Alvorada. Bolsonaro fala como se estivesse de chinelo e sunga num quiosque da Barra. Desconhece a palavra liturgia. O desempenho de hoje vai entrar para história:

“É um absurdo o que fizeram com a economia. Um crime fecharem tudo. Como fica a diarista? O barbeiro? O motorista do UBER?”

“O brasileiro tem que ser estudado, mergulha no esgoto e não pega nada. O vírus já deve estar por aí e não acontece nada (risadas). Quer pegar o metrô agora comigo? Vamo porra? Tá com medo? Hahaha”, disse ao repórter.

“Se minha mãe, que faz 93 anos amanhã, pegar covid-19 eu assino me responsabilizando e dou cloroquina a ela. Não tem mais na farmácia (mostrando o remédio), alguém quer comprar aí? (risadas para os jornalistas) Tô fazendo negócio! (gargalhadas).

“Tá preocupado por quê? Você vai dormir comigo? (risadas)”. Respondendo à imprensa sobre seu exame para aferir covid-19.

“Eu não sei o que é Bolsa de Valores, eu não sei nada de economia, por isso a economia está dando certo (risada)”.

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4 – O Congresso percebeu o movimento do Capitão de tentar capturar o discurso para os mais vulneráveis e tentou reagir. Guedes havia enviado uma proposta de “Coronavoucher” de apenas 200 reais por mês. Os deputados aumentaram o valor para 500 reais. Na porta do Alvorada, o presidente parece ter jogado Guedes para o alto e dado um contragolpe nos deputados anunciando 600 reais. Foi o valor aprovado.

5 – Importante registrar que esta situação – que ao final fez o povo contar com um valor bem maior que o original – só foi possível graças à articulação do Centrão com a esquerda. Um ótimo sinal. O deputado Orlando Silva, do PCdoB, foi decisivo nesta construção.

6 – Na mesma disputa de narrativas, a Globo fez hoje um “JN Social”. Tentou empurrar no Capitão o pouco investimento para superação da crise econômica. A Globo keynesiana foi demais!

7 – O liberalismo nunca mais será o mesmo. Trump anunciou 2 trilhões de dólares para proteger a renda dos cidadãos e salvar empresas. A União Europeia, 5 trilhões de dólares. Espanha e Grã-Bretanha estão estatizando hospitais. O vírus engoliu Adam Smith. É cada vez mais difícil imaginar Guedes na Economia. Não faz o menor sentido.

8 – Witzel pediu água. Disse que se até segunda-feira o governo federal não ajudar, o estado entrará em colapso. Doria tem em São Paulo uma fortaleza. O Rio está quebrado, absolutamente dependente da União. No meio de uma guerra aberta entre presidente e o governador, uma população vulnerável ameaçada por uma epidemia.

9 – Mandetta não apareceu na coletiva do Ministério da Saúde. Os rumores de sua demissão voltaram a circular com força. Quem apareceu se esforçou para fornecer argumentos que sustentem a tese do confinamento vertical.

10 – O fantasma do dia ficou por conta da troca de comando nas Forças Armadas. Uma mudança de rotina, sem nenhuma inspiração política. Tem momentos que fica a impressão de que uma parte da esquerda deseja uma Ditadura pra chamar de sua.

11 – A temperatura da disputa vai subir nos próximos dias. Até vídeo institucional com o slogan “O Brasil não pode parar!” o Palácio soltou. As mortes também vão subir.

12 – Numa situação de normalidade já seria uma das piores crises de nossa história. Estamos dentro de um avião caindo com um piloto ensandecido estourando champanhe. A tripulação resolveu sair no tapa. Os passageiros também. Vivemos uma guerra de todos contra todos. Como disse outro dia Aldo Rebelo, estamos num momento de grave desorientação nacional.