Bolsonaro admite: “Se for condenado, acabou”

Bolsonaro ensaia despedida melancólica e lança Michelle como herdeira política

A entrevista de Jair Bolsonaro ao UOL, nesta terça-feira (14), foi mais do que um retorno calculado ao noticiário político: foi um retrato íntimo de um ex-presidente encurralado. Ao longo de quase duas horas ao vivo, Bolsonaro deixou escapar que já não é o mesmo. Apresentou-se não como o líder de outrora, mas como alguém resignado diante da Justiça — e, talvez, da própria biografia.

“Se eu for condenado, acabou. É ‘game over’”, disse, ao comentar o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre sua suposta participação na tentativa de golpe após as eleições de 2022. A frase ecoa como confissão, mas também como alerta à sua base: ele se prepara para sair de cena — ou, pelo menos, simula essa retirada.

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Resignado, mas estratégico: a dramatização do fim

A entrevista teve ares de despedida, mas embutida nela está uma manobra discursiva para manter o controle da narrativa. Ao falar da prisão como “pena de morte física e política”, Bolsonaro constrói uma imagem de mártir — uma figura sacrificada por um sistema que ele classifica como “politizado”.

Aos 70 anos, diz que não teria forças para enfrentar uma nova eleição em 2034, tampouco para resistir ao cárcere: “Não tenho mais condições de enfrentar um presídio”, confessou, com uma sinceridade quase desconcertante para quem sempre apostou no confronto.

Trata-se de uma tentativa de transferir capital político à família e aliados, ao mesmo tempo que cria uma aura trágica em torno de sua própria trajetória. É o bolsonarismo adaptando-se à ausência do seu líder original.

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O roteiro do golpe e a delação de Mauro Cid

Entre uma provocação e outra, Bolsonaro tentou normalizar o que o STF já tipifica como crime contra o Estado Democrático de Direito. Disse que apenas “conversou” com os chefes das Forças Armadas sobre decretar estado de sítio, alegando que as reuniões se deram em contexto “legal e constitucional”.

A fala confronta diretamente a denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que destacou a gravidade de um presidente reunir os altos comandos militares com propósito deliberado de romper a ordem constitucional.

Mais ainda, Bolsonaro atacou o ministro Alexandre de Moraes e desqualificou a delação de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens. Chamou o processo de “tortura psicológica”, comparando-o a um “pau de arara do século 21”. Reclamou de uma suposta pressão envolvendo familiares de Cid e lançou dúvidas sobre a legalidade da colaboração premiada.

A estratégia é clara: deslegitimar provas, desviar o foco e vitimizar-se — mesmo diante de um enredo golpista que se sustenta em vídeos, mensagens, testemunhos e documentos oficiais.

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INSS e a tentativa de inverter o jogo

Em uma manobra discursiva, Bolsonaro também tentou se apropriar do escândalo das fraudes no INSS, dizendo que elas podem ter começado em seu governo, mas culpando Lula por não ter instalado a CPI. A fala é calculada: ao se antecipar a uma possível acusação, ele tenta parecer transparente — ao mesmo tempo em que acusa seus adversários de omissão.

É uma cortina de fumaça. Enquanto finge ajudar na investigação, Bolsonaro tenta desviar a atenção de sua responsabilidade por nomeações suspeitas e pela fragilidade de controles internos durante sua gestão.

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Michelle, Tarcísio e o plano de sucessão

Ao abordar o futuro, Bolsonaro foi direto: não será candidato. Mas deixou claro que pretende continuar como fiador do projeto da direita radical. E, para isso, acena com dois nomes: sua esposa Michelle Bolsonaro e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

“Michelle tem carisma, é evangélica e fala bem. Está empatada com Lula nas pesquisas”, afirmou, abrindo caminho para consolidar sua figura como herdeira política. Sobre Tarcísio, disse ter “dívida de gratidão”, mas insinuou que lhe falta estofo para o jogo presidencial.

O gesto é estratégico. Bolsonaro tenta manter sob seu domínio a direção do bolsonarismo — ainda que inelegível — e impedir que novas lideranças descolem da sua sombra.

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O culto à perseguição e o milagre da reabilitação

Na parte final da entrevista, Bolsonaro retomou velhas narrativas: disse que sua inelegibilidade se deu por “jogar papel no chão”, que Alexandre de Moraes atropelou ritos processuais, e que a Justiça o transformou em alvo político.

Aos seus seguidores, prometeu fé: “Ainda acredito em milagres”. E afirmou que Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o considera “candidato até os 48 minutos do segundo tempo”. Uma insinuação de que, mesmo fora do páreo formalmente, ele pode ser convocado às pressas como último recurso.

Mas há mais desespero do que fé nesse discurso. Bolsonaro sabe que perdeu as rédeas do Judiciário, do Exército e de parte do seu próprio campo político. Agora, busca preservar o que resta: influência, memória e controle da sucessão.

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Entre o adeus e a conspiração contínua

A entrevista ao UOL escancara a transformação de Bolsonaro: de líder destemido a réu calculista. Seu discurso alterna entre bravatas e lamúrias, entre provocações e apelos, entre tentativas de golpe e pedidos de clemência.

Mas o mais preocupante é a tentativa de naturalizar o autoritarismo. Ao tratar uma conspiração com os chefes militares como “conversa de rotina”, Bolsonaro rebaixa o crime à categoria de divergência política. E ao se colocar como vítima, tenta empurrar seus seguidores para a trincheira da radicalização.

O bolsonarismo, ao que tudo indica, não acaba com a inelegibilidade do seu líder. Mas se transforma — e já testa nomes e narrativas para 2026. A história, porém, cobrará seu preço. E o julgamento pode não vir apenas do STF, mas das urnas, da história e do próprio tempo.

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