Diploma de bem comportado

Enio Verri*

Para um país ser devidamente dominado, é fundamental que sua classe trabalhadora esteja sob controle de quem detém os poderes econômico e político. A imposição pela força é limitada, onerosa e, no mais das vezes, não dura muito. A submissão dos trabalhadores aos interesses da classe dominante deve, portanto, passar pela anuência do submetido. Para isso, nada mais eficiente para produzir operários obedientes e bem comportados do que formá-los com essas características, sem que eles percebem que assim o são. Deve-se, portando, adotar um método de acorrentá-los sem que sintam o peso dos elos que os prendem. Grosso modo, trata-se de um processo de lobotomia social. Pensando nisso, o governo federal, em parceria com governadores igualmente autoritários e fascistas, introduz sub-reptícia e celeremente o modelo de escolas cívico-militares.

O passo a passo da metodologia começa pelo sucateamento do sistema educacional. Os governos federal e estadual abandonam as escolas e os profissionais da educação. Deixam de investir na estrutura, na infraestrutura e passam a demonizar, os profissionais da educação. Os reparos e a modernização dos espaços físicos são deixados de lado, assim como a aquisição de material pedagógico é suspensa. Já os docentes são sistematicamente acusados de desleixados e incompetentes, quando não de doutrinadores de uma série de bobagens criadas para corroborar a narrativa do perigo de supostas ideologias que atentam contra a família, a ordem, o patrimônio e a pátria. As famílias, em sua grande maioria pobre, são formadas de pais que não tiveram acesso aos bancos escolares, sendo muito desinformados, sem condições de perceberem a perversidade. Já disse Darcy Ribeiro, “a crise da educação não é uma crise; é projeto”.

A segunda fase do projeto é a de vender gato por lebre. A campanha mentirosa que elegeu Bolsonaro, em 2018, dá a confiança necessária a ele e a governadores, como o do Paraná, Ratinho Júnior, de oferecerem uma coisa e entregarem outra, completamente diferente. Cria-se uma narrativa positiva para a expressão escola cívico-militar, com a apresentação de imagens de colégios militares. Esse modelo de escola foi criado, em 1888, no Rio de Janeiro. Ao longo do século 20 e o início do segundo quadrante do século 21, vêm desenvolvendo e aprimorando sua metodologia. Hoje, o sistema possui 13 colégios subordinados ao Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEX). É uma estrutura grande e complexa. Todos os professores, civis ou militares, possuem licenciatura em suas respectivas disciplinas, com formação em pedagogia, com pós graduação e são extremamente exigidos no aprimoramento da formação.

À primeira vista, seria uma coisa muito boa implantar toda a infraestrutura dos colégios militares nas combalidas e desmanteladas escolas estaduais e municipais. Porém, a realidade é bem outra. O que será oferecido a estudantes pobres e pretos, em sua maioria, é a presença de policiais militares aposentados na direção das escolas. E aqui não há nenhum julgamento aos agentes da segurança pública, operários cujas condições de trabalho são igualmente precárias às dos professores. Porém, a formação de um policial militar implica no cumprimento de ordens sem reflexão, ou critica ao comando recebido. Ora, a escola é um lugar onde se exige a liberdade de crítica, o questionamento e as dúvidas. Sem essa condição, a educação não avança e não há criatividade.

Já o público atendido é eminente jovem, que traz a rebeldia como um dos traços da sua fase etária. Isso para não falar de milhares deles que vêm de lares onde a ausência é uma constante. Faltam: alimentação, conforto, tecnologia e, no mais das vezes, afeto e diálogo. Enfim, são os jovens oriundos dos lares ditos desajustados pela excludente sociedade de consumo. Se, nesse contexto social, já é difícil para um professor com formação em pedagogia, acolher e contribuir para que os estudantes superem suas dificuldades, como um profissional da segurança pública, sem formação pedagógica e que passou toda a vida profissional trabalhando na repressão ao crime e em outros tipos de repressão, pode contribuir para tornar a escola um local mais humanizado e produtivo? Os profissionais da força de segurança estão sendo usados por Bolsonaro e por governadores autoritários, como Ratinho Júnior, para formar mão de obra obediente e alienada. Como disse o poeta Gonzaguinha, “para ganhar um fuscão no juízo final e diploma de bem comportado”.

Economia

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.

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