Nas últimas horas os bolsominions ficaram ensandecidos com a ameaça do PGR Augusto Aras de decretar “Estado da Defesa” para conter as pressões pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Uma nota de Aras, divulgada na terça-feira (19), foi o combustível usado para incendiar as redes sociais.
No texto divulgado pelo PGR, ele menciona a possibilidade de decretação do Estado de Defesa e procura justificar a não abertura de investigações contra autoridades. Aras vê a necessidade de “temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional”.
Mas houve quem discordasse do PGR.
“Indicação de Aras para uso do Estado de Defesa deu gás à turba bolsonarista nas redes sociais. Mesmo previsto na Constituição, é uma medida extrema, com duras restrições e um perigo nas mãos de um presidente como Bolsonaro. Aras precisa se explicar”, declarou a deputada Gleisi Hoffman (PT), presidenta nacional do PT.
O simples movimento legítimo pelo impeachment, que tem previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, não pode ser confundido com 1. Grave e iminente instabilidade institucional e 2. Calamidades de grandes proporções na natureza.
As instabilidades e as calamidades ocorridas até hoje, desde 1º de janeiro de 2019, foram criadas pelo próprio presidente Bolsonaro.
Estado de Defesa. Mas, afinal, que bicho é esse?
O Estado de Defesa é um dispositivo constitucional, previsto no art. 136 da CF 88, que estabelece um período de 30 dias de restrição de direitos de reunião e de sigilos nas comunicações, ocupação de serviços públicos, prisões por “crime de Estado”, dentre outras medidas restritivas de direitos e garantias individuais.
O Estado de Defesa no contexto atual seria nomear o presidente Jair Bolsonaro como ditador do Brasil. Seria um “golpe branco”, portanto.
O Congresso seria convocado extraordinariamente, em até 5 dias, para votar o decreto presidencial do Estado de Defesa.
Na greve dos caminhoneiros, em 2018, o presidente Michel Temer (MDB) cogitou decretar o Estado de Defesa, mas, na época, ele foi alertado de que a medida seria derrubada pelo Congresso.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA POLÊMICA NOTA DA PGR SOBRE O ESTADO DE DEFESA
O Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020, reconheceu o estado de calamidade pública no país até 31 de dezembro de 2020. Em 30 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu a validade dos dispositivos da Lei 13.979/2020, que estava vinculada ao prazo do Decreto Legislativo 6, mantendo em vigor as medidas sanitárias para combater a pandemia da covid-19.
O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa A Constituição Federal, para preservar o Estado Democrático de Direito e a ordem jurídica que o sustenta, obsta alterações em seu texto em momentos de grave instabilidade social. A considerar a expectativa de agravamento da crise sanitária nos próximos dias, mesmo com a contemporânea vacinação, é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional.
Segmentos políticos clamam por medidas criminais contra autoridades federais, estaduais e municipais. O procurador-geral da República, no âmbito de suas atribuições e observando as decisões do STF acerca da repartição de competências entre União, estados e municípios, já vem adotando todas as providências cabíveis desde o início da pandemia. Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo.
Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, o PGR criou o Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19 (Giac), que, juntamente com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), estabeleceu diálogo e integração entre segmentos da sociedade e autoridades em todos os níveis de governo, resolvendo questões emergenciais no cotidiano dos serviços de saúde.
Também tem realizado a fiscalização de verbas destinadas ao enfrentamento da pandemia, em trabalho conjunto com todo o Ministério Público brasileiro e com os tribunais de contas, e abriu inquéritos criminais contra oito governadores suspeitos de desvios, tendo um deles sido afastado do cargo.
As medidas intensificaram-se nos últimos dias, diante do grave quadro registrado em Manaus devido à falta de oxigênio medicinal em hospitais. O PGR abriu investigação criminal sobre atos envolvendo o governador do estado do Amazonas, o prefeito atual e o ex-prefeito de Manaus por suposta omissão. Requisitou a instauração, pelo Ministério da Saúde, de um inquérito epidemiológico e sanitário, instrumento usado pela primeira vez, embora esteja previsto na lei desde 1975. Solicitou esclarecimentos ao ministro da Saúde sobre sua atuação quanto à falta de oxigênio na capital amazonense.
Neste momento difícil da vida pública nacional, verifica-se que as instituições estão funcionando regularmente em meio a uma pandemia que assombra a comunidade planetária, sendo necessária a manutenção da ordem jurídica a fim de preservar a estabilidade do Estado Democrático.
O PGR continuará investigando atos ilícitos e contribuindo para que a ordem jurídica, centrada na Constituição e nas leis do país, seja observada, a fim de que não haja o alastramento da crise sanitária para outras dimensões da vida pública.
Leia o trecho da Constituição sobre o Estado de Defesa
Título V
Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
Capítulo I
Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio
Seção I
Do Estado de Defesa
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I – restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
§ 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
§ 3º Na vigência do estado de defesa:
I – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;
II – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;
III – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
IV – é vedada a incomunicabilidade do preso.
§ 4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta.
§ 5º Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias.
§ 6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.
§ 7º Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.