Manter a crise para dominar

Enio Verri*

A educação é o caminho trilhado pela totalidade dos países desenvolvidos. São nações cujos governantes aprenderam que é muito mais barato e lucrativo o investimento na formação, desde à alfabetização à pós-graduação. O domínio tecnológico é um desdobramento da solidez das bases educacionais, desde as primeiras letras. A Holanda, onde não apenas a educação, mas o serviço público é ampliado e respeitado, é dos países do mundo que mais inova tecnologicamente. A área agricultável do Brasil é 16 vezes maior que o território daquele país. Em 2018, o agronegócio holandês exportou US$ 111 bilhões. Cerca de 10% em tecnologia. Já as exportações do recorrente recordista mundial em produção de grãos foram de US$ 100 bilhões. Os volumosos e bem aplicados recursos destinados à formação dos estudantes holandeses produzem profissionais cada vez mais qualificados e cidadãos mais conscientes das vantagens de uma educação pública de qualidade, bem como saúde, transporte, comunicação, entre outros serviços. Lá, os parlamentares não retiram dinheiro público para financiar educação privada.

Já no Brasil, como disse Darcy Ribeiro, a crise na educação é um projeto. A afirmação veste como uma luva na quinta-feira (10), quando o esforço conjunto de vários partidos de diferentes espectros ideológicos foi covardemente aviltado e desfeito pela classe dominante mais atrasada do mundo, a brasileira. A data entra para o rol das históricas traições de parte do Legislativo à educação, pois o projeto é a desfiguração da PEC 108, aprovada em agosto, que constitucionalizou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação; ampliou o investimento da União, de 10% para 23%, até 2026, e destinou 70% dos recursos à remuneração dos profissionais da educação básica, entre outras conquistas. Contudo, é secular e não tratado o vício dos ultraliberais nos recursos dos contribuintes. Não causa estranheza, mas é indignante ver parlamentares que bradam aos quatro ventos as qualidades da independência, ousadia e capacidade de correr riscos da iniciativa privada, destinarem recursos auferidos de impostos a instituições filantrópicas e ao Sistema S, cujo orçamento é superior a R$ 20 bilhões.

Foi exatamente o que aconteceu. Deputadas e deputados ultraliberais retiraram 10% do Fundeb para financiar as referidas instituições. É um contundente passo rumo à privatização da educação. Não é em todo município brasileiro que se encontra uma unidade do Sistema S. Alguns estudantes terão acesso, outros não. Isso tem nome, exclusão. Instituições filantrópicas serão financiadas com o recurso drenado da educação pública. Isso é um ataque à Constituição e uma injustiça grave, que enfraquece o tecido social. Um artigo e três emendas do PL 4.372/20 vão retirar do Fundeb, em 2021, quase R$ 16 bilhões para entidades particulares. Com esse incentivo é muito cômodo ser iniciativa privada. Bem típico da parasita casa-grande. Nesse sentido, o Senado tem, hoje, não apenas a oportunidade, mas a obrigação de restituir o direito constitucional à educação pública, de qualidade, oferecida por um Estado laico. Os senadores, se quiserem, podem desdizer o mestre Darcy Ribeiro, ao mesmo tempo em que se distanciam daqueles cujo projeto é a crise.

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.