Aos modos do ditador que é

O líder do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PR-PR), acusa o presidente Jair Bolsonaro de cometer crime contra a ordem pública e a segurança sanitária ao ocultar dados sobre mortes e casos de coronavírus no país.

Verri considera infantil e macabra a tentativa de Bolsonaro esconder a morte diária de mais de mil rostos, histórias, relacionamentos, famílias, realização profissional, referência parental, que a sua negligência está produzindo.

“Com a medida, Bolsonaro deve ter queimado mais um pouco de apoio popular, que já vem ladeira a baixo”, especula o líder petista.

Para o líder do PT, infelizmente, a hedionda comédia pastelão de quinta categoria é real, letal e não tem graça alguma. “Sonegar a publicidade de dados em plena pandemia é mais um dos crimes que autorizam a Presidência da Câmara dos Deputados a colocar para votar um dos pedidos de impeachment, contra Bolsonaro.”

“Chega, em nome da vida, fora Bolsonaro”, propõe Enio Verri.

Leia a íntegra do artigo:

Economia

Aos modos do ditador que é

Enio Verri*

O Brasil, há pelo menos 20 dias, registra mais de mil mortes diárias. Imagine a reação da população e das instituições democráticas, caso o primeiro-ministro da Inglaterra, ou a chanceler alemã, determinasse que o Ministério da Saúde de seus respectivos países considerasse apenas o número de mortos nas últimas 24 horas. Ou seja, uma pessoa cujo resultado positivo tenha saído há mais de uma semana, jamais será considerado e, portanto, omitido. Ninguém suporia que Boris Johnson e Ângela Merckel teriam qualquer intenção de esconder corpos. Tirando o simples fato de a medida ser um crime contra a ordem pública e a segurança sanitária dos países, ela é bem pouco inteligente, pois faltaria espaço para esconder corpos quando a curva da pandemia não para de crescer.

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E isso o que está acontecendo no Brasil, sob o alerta da OMS. Tirando o debate na imprensa, nenhuma ação contundente de quem se espera, dos órgãos de fiscalização e controle e dos Poderes da República, para dar cabo dessa tentativa infantil e macabra de Bolsonaro esconder a morte diária de mais de mil rostos, histórias, relacionamentos, famílias, realização profissional, referência parental, que a sua negligência está produzindo. Aos moldes autoritários com os quais se identifica, impõe censura sobre dados fundamentais para a segurança epidemiológica do País, que já tem uma subnotificação gigantesca, podendo ser multiplicado por mais de sete vezes os mais de 700 mil infetados confirmados pelo Ministério da Saúde.

O País pode ter mais de quatro milhões de infectados e o presidente decide impor mais sombras sobre os dados. Com a medida, Bolsonaro deve ter queimado mais um pouco de apoio popular, que já vem ladeira a baixo. Não é possível acreditar em brasileiros, todos sob o mesmo risco de contaminação e morte, que ainda acreditam num presidente contra o qual se é obrigado a entrar na justiça para garantir o mínimo de informação que um governo tem a obrigação de fornecer. É cansativo e aterrador viver num país cujo presidente age constantemente contra os interesses da nação. O Brasil está vivendo a maior crise sanitária da sua história e a sua população vê, entre incrédula e inerte, o Ministério da Saúde perder dois ministros, médicos, e ser tocado interinamente por um general que recebe ordens de um capitão reformado, que se acha o infectologista.

Infelizmente, a hedionda comédia pastelão de quinta categoria é real, letal e não tem graça alguma. O desconhecimento histórico provoca, fatalmente, a repetição de erros que podem custar muitas vidas e até atrasos civilizatórios. Mais de 40% de uma população brasileira, eminentemente desconhecedora do desserviço prestado ao Brasil, pela ditadura militar, apoiam a sua volta. É bom que essa parcela da sociedade saiba que Bolsonaro repete o mesmo modo de agir do período mais sangrento da ditadura, governo de Emílio Garrastazu Médici, quando Carlos Alberto Brilhante Ustra era o senhor todo poderoso e o terror do DOI-CODI.

Entre 1971 e 1974, o Brasil foi acometido de um surto que meningite, cujos dados foram imediata a solenemente sonegados. Bolsonaro faz a mesma coisa, como se fosse possível esconder, na era da internet, as vítimas da doença com a mesma facilidade com que os militares ocultavam corpos trucidados em infindáveis sessões de torturas. Bolsonaro representa os calabouços ainda não resolvidos e, portanto, não calados. Sonegar a publicidade de dados em plena pandemia é mais um dos crimes que autorizam a Presidência da Câmara dos Deputados a colocar para votar um dos pedidos de impeachment, contra Bolsonaro. Chega, em nome da vida, fora Bolsonaro.

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.