“A própria Lava Jato denunciaria a Lava Jato”, diz jornalista do Intercept

O editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, rememorou a série de “atropelos da lei e ações antiéticas” cometidas pelo então juiz Sergio Moro e procuradores do Paraná reveladas nos últimos três meses, no escândalo conhecido como Vaza Jato. Em audiência na Câmara dos Deputados, em Brasília, nesta terça-feira (10), ele afirmou que “a própria Lava Jato denunciaria a Lava Jato”, nos casos em que procuradores planejaram utilizar suas esposas como “laranjas” em empresa voltada para administrar o ganho com palestras dadas pelo país, em função da fama alcançada como combatentes da corrupção.

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, foi convidado a participar, mas não compareceu, nem justificou. É a segunda vez que ele se nega a dar explicações aos deputados. A primeira ocorreu em audiência que tinha como objetivo debater a finalidade de uma fundação privada a ser criada pelos procuradores que administraria cerca de R$ 2,5 bilhões em recursos da Petrobras devolvidos pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

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“O que a Lava Jato diria sobre a Lava Jato em situações como essas?”, questionou o jornalista, que também destacou que os procuradores tentar buscar, no exterior, informações que pudessem levar ao impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “O que temos ali nos arquivos da Vaza Jato são procuradores se aproveitando da exposição pública que tiveram, da fama quase inconteste, intocáveis que não podiam nunca ser criticados. Se aproveitando, inclusive, financeiramente, como Dallagnol faturando cerca de meio milhão de reais com palestras”, disse Demori.

Economia

Ele afirmou que a série da Vaza Jato serve para mostrar “como a Lava Jato funcionou de fato”. “Antes tínhamos a imagem da Lava Jato, construída e autoconstruída por eles próprios, que foi vendida para a população brasileira como se aquele grupo de procuradores fosse ‘o combate à corrupção’. Ninguém mais poderia combater à corrupção no Brasil. Só eles. E todo mundo que se colocava contra estava a favor da corrupção. Uma lógica bastante simples e absurda, mas que infelizmente foi comprada por boa parte da imprensa e da população brasileira.”

Demori ressaltou que as revelações da Vaza Jato reforçam o combate à corrupção. “Essas reportagens mostras atropelos absurdos da lei. Agentes do Estado, que deveriam ser a guarda legal do devido processo, acabaram atuando na ilegalidade. Boa parte da população brasileira não confia mais na Justiça, há muito tempo. Estamos mostrando porque devemos desconfiar. São coisas assustadoras para procuradores da República e um juiz de primeira instância.

Outro exemplo citado por ele das ilegalidades cometidas pela Lava Jato se deu quando Moro e os procuradores tramaram para vazar conteúdos que pudessem ajudar a derrubar o governo da Venezuela. “Não importa a opinião que as pessoas tenham sobre (o presidente Nicolás) Maduro ou sobre o (ex-presidente Hugo) Chávez. Isso é absolutamente irrelevante. O relevante aqui é procuradores e um juiz tramando vazamentos ilegais para a oposição de um país na tentativa de derrubar um governo estrangeiro.”

Um dos editores responsáveis da série de reportagens que passou a ser conhecida como Vaza Jato frisou que não há mais contestação sobre a veracidade das mensagens divulgadas envolvendo os procuradores, pois também atuam na cobertura outras oito redações de veículos de imprensa – como os jornaisl Folha de S.Paulo e El País Brasil, a emissora da rádio e TV BandNews, a revista Veja e o portal Buzzfedd.

Organização criminosa
Para o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que também participou da audiência, os conteúdo das conversas divulgadas pela Vaza Jato trazem um “verdadeiro universo criminógeno”. Ele afirmou que os crimes cometidos por Moro e os procuradores, que vão desde fraude jurídica a quebra de sigilo funcional, passando até mesmo pela lavagem de dinheiro – em função da tentativa de criação da fundação bilionária, configurariam uma organização criminosa, já que agiam de maneira estruturada, com divisão de tarefas.

“Está na hora de agirmos de forma mais contundente. Se utilizarmos todo esse arcabouço jurídico que eles se serviram, de forma abusiva, na Lava Jato, podemos dizer que eles são uma organização criminosa”, disse o ex-ministro, defendendo inclusive a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico dos envolvidos.

Aragão também afirmou que a obtenção das mensagens dos procuradores é “absolutamente legal”, pois são oriundas de um telefone celular funcional, instrumento de trabalho pago com o dinheiro do contribuinte. “Não há nesses dispositivos nada a ser falado que não possa se submeter aos princípios que regem a administração pública, como, por exemplo, a publicidade. Ninguém pode alegar privacidade”, pontuou. “Celular funcional é devassável, sim. É direito do público saber o que agentes da administração estão fazendo. Até porque é o contribuinte que está pagando por esse celular.”

Ele disse, ainda, que o conjunto de mensagens tem validade jurídica. “Mesmo que tivessem sido obtidas de foram ilegal, a legislação diz que podem ser utilizadas, não como prova incriminadora, mas como prova desincriminadora. Essas mensagens tem validade jurídica para tratar da defesa de pessoas que foram alvo dessa operação, de forma interesseira, conspiratória e ilegal.”

Confira a íntegra da audiência pública sobre a Vaza Jato na Câmara:


Por RBA