Enio Verri: Um problema de cada vez

Enio Verri*

Bolsonaro estava lá, no golpe de 2016, com boa parte dos parlamentares dos dois grupos mais fortes que disputam a Presidência da Câmara. Juntos, aprovaram a Emenda Constitucional 95, um crime de lesa-pátria que impede o País de investir no seu desenvolvimento, durante 20 anos. Votaram alinhados nas reformas trabalhistas, que desfiguraram centenas de artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, precarizam as condições de trabalho, expõem os trabalhadores aos sabores do mercado e, consequentemente, reduzem a arrecadação, uma vez que, com rendimentos menores, o consumo cai. De cada R$ 100 que o trabalhador gasta no comércio, cerca de R$ 15 voltam para o Estado em forma de tributos. Mas essa é a mentalidade liberal provinciana e colonizada, que desmantela o próprio país em favor do desenvolvimento de outros povos. Tanto Baleia Rossi quanto Arthur Lira são liberais e defensores do Estado mínimo. Estão juntos no lado oposto ao do Partido dos Trabalhadores, que defende o Estado ampliado.

Em 2020, a esquerda demonstrou seu tamanho, sua força e competência de articulação política. Os R$ 600 de auxílio emergencial, o pagamento do benefício a artistas, agricultores familiares, o apoio às micro e pequenas empresas, o Fundeb, foram graças ao tenaz da esquerda, no Congresso Nacional. Foi um processo difícil, pois os vetos de Bolsonaro comprometem a sobrevivência dos brasileiros e a soberania do Brasil. Já para os banqueiros, mais de R$ 1trilhão em garantia de lucros. Contudo, quem aqueceu a economia, em 2020, não foi o mercado financeiro, mas o auxílio emergencial. Como é uma política que beneficia a parte da população que passa fome, o valor foi reduzido pela metade e, em seguida, extinto. O número de matérias rejeitadas que visavam sacrificar os trabalhadores e suprimir a soberania não foi menor que as aprovadas. Muitos projetos só foram rejeitados devido à pressão popular sobre os parlamentares de direita, que perderiam apoio caso aprovassem determinada proposta. Na falta do Executivo, que não fez outra coisa senão sabotar o combate à COVID-19, o Congresso Nacional assumiu o seu lugar.

A concepção de Estado de Bolsonaro não é apenas contrária à da esquerda, mas, do ponto de vista das responsabilidades institucionais com a nação, ele destrói as competências materiais que o Brasil possui para superar as crises sanitária, econômica, social, cultural, que assolam o país. Durante os governos do PT, as empresas foram usadas para colocar o Brasil entre as seis economias do mundo, produzir uma reserva de US$ 380 bilhões e produzir tecnologia própria para enriquecimento de urânio e prospecção e exploração de petróleo em águas super profundas. Sem um Estado forte e ampliado, o Brasil será de uma minoria privilegiada que perpetua a condição do país como um dos mais desiguais do mundo. Defender e manter as empresas nacionais é fundamental. São ferramentas com as quais os governos investem para tornar o país mais desenvolvido, como fez o Partido dos Trabalhadores, quando destinou 75% e 25% dos royalties do pré-sal para a educação e para a saúde, respectivamente. O que Bolsonaro e Guedes estão fazendo? Desmantelando as empresas até que elas parem de funcionar, colocando-as em condições favoráveis para possíveis compradores.

O presidente e o ministro estão vendendo refinarias. Somente um governo absolutamente submisso e lacaio do capital financeiro entrega suas empresas de produção tecnológica e de empregos complexos. O processo de desmantelamento do Bando do Brasil continua a todo o vapor e os trabalhadores estão resistindo nos municípios. Sem essas empresas, será impossível retomar a economia com um mínimo de justa distribuição de acesso às riquezas produzidas pelos trabalhadores. Bolsonaro conduz a nação para o tempo do carro de boi. Impedi-lo é a tarefa mais urgente para a sociedade. As condições jurídicas estão dadas; as políticas estão se conformando e, ao que parece, o vice-presidente, Hamilton Mourão, já sinalizou que está pronto para assumir, caso o presidente seja afastado. O que será o seu governo, somente quando ele começar. Contudo, Mourão sabe que chegará à Presidência devido a muita pressão, não de apoio a ele, mas de rejeição a quem sucede. Ele é um liberal, assim como é a maior parte do Congresso com quem a esquerda negocia, há décadas. Contudo, o clima político não permitirá os arroubos de Guedes, que tenta passar um trator em cima do Brasil. O importante, agora, é aproveitar a convergência pelo impeachment e afastar esse mal que mata o país, todo dos, um pouco mais. Depois, veremos como lidar com o Mourão. Um problema de cada vez.

*Enio Verri é economista e professor aposentado pelo Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.

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