Witzel bate-boca com Flávio Bolsonaro na CPI e responsabiliza Bolsonaro por mortes

Protegido por um habeas corpus, o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel compareceu à CPI da Covid nesta quarta-feira (16), mas sua presença no colegiado durou cerca de 4 horas e 30 minutos e nem todos os senadores presentes puderam fazer perguntas.

Durante o depoimento, Witzel insinuou que o presidente Jair Bolsonaro seria o responsável pelas mais de 450 mil mortes por covid-19. O governador cassado disse também que o governo federal criou uma narrativa para fragilizar os governadores por terem tomado medidas restritivas.

“Como é que você tem um país em que o presidente da República não dialoga com um governador de estado? E o presidente deixou os governadores à mercê da desgraça que viria. O único responsável pelos 450 mil mortos que estão aí tem nome, endereço e tem que ser responsabilizado aqui, no Tribunal Penal Internacional, pelos fatos que praticou.”

Witzel acusou o governo federal de agir de caso pensado para deixar governos estaduais em situação de vulnerabilidade, sem condições de comprar insumos e respiradores.

“Os governos estaduais ficariam em situação de fragilidade, porque não teriam condições de comprar os insumos, respiradores e, inclusive, atender os seus pacientes no Sistema Único de Saúde, que, embora seja um excelente sistema para um país como o nosso, tem dificuldades. Como é que eu vou requisitar ao governo da China receber respirador? Isso é uma negociação internacional, e não foi feita”, assinalou Witzel.

O intuito do Executivo, disse o ex-governador fluminense, foi se livrar das consequências econômicas da pandemia.

Economia

“A narrativa que foi criada foi a narrativa de que “os governadores vão destruir os empregos”, porque sabia o senhor presidente da República que o isolamento social traria consequências graves à economia.”

Segundo Witzel, os governadores tentaram se reunir diversas vezes com o presidente Jair Bolsonaro para planejar uma ação conjunta durante a pandemia de covid-19, mas ficaram desamparados. Ele afirmou que o governo federal politizou a pandemia.

“Os governadores, prefeitos de grandes capitais, prefeitos de pequenas cidades, ficaram totalmente desamparados do apoio do governo federal. Isso é uma realidade inequívoca, que está documentada em várias cartas que nós encaminhamos ao presidente da República. Nas poucas reuniões (salvo engano foram duas reuniões que nós tivemos com o presidente), foram reuniões em que o que se percebeu foi a politização da pandemia, o governador Doria foi frontalmente atacado”, apontou.

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o governo federal e o presidente da República são os responsáveis pela tragédia vivida pelo país.

“A gestão que esse governo deu teve o objetivo claro de descompromisso com a saúde da população”, apontou.

Em resposta a Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Witzel criticou parlamentares ligados a Jair Bolsonaro que invadiram hospitais de campanha e comandaram carreatas e outras ações contra as medidas restritivas decretadas pelo governo do estado para reduzir a propagação da doença. Sobre os mais de 600 leitos fechados em hospitais federais no estado do Rio de Janeiro, ele relatou que pediu ao governo federal que cedesse a administração dos hospitais, com as respectivas verbas, mas não foi atendido.

“Não fui atendido e durante a pandemia também não fui atendido — disse Witzel, ao afirmar que a medida teria garantido mais leitos durante a crise sanitária e seria mais econômica do que construir hospitais de campanha.”

Com base no habeas corpus, Witzel pediu para se retirar após sua declaração inicial e depois de responder o relator Renan Calheiros (MDB-AL) e a alguns dos senadores inscritos. Durante questionamentos de Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre investigações de superfaturamento enquanto Witzel foi governador do Rio de Janeiro, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), comunicou o encerramento do depoimento a pedido do depoente.

O senador Jorginho Mello (PL-SC) criticou a retirada de Witzel:

“Não contribuiu em nada”, disse.

Veja como foi o depoimento de Witzel a CPI

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Bate-boca na CPI da Covid

Witzel bateu boca com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, o depoimento do porteiro do condomínio em que o presidente da República tem residência no Rio, que inicialmente afirmou que os assassinos da vereadora Marielle Franco teriam ido à casa do mandatário, mas que depois mudou a sua versão.

O ex-governador também disse que vem recebendo ameaças de morte em série. Acredita que algumas delas partem de milicianos do Rio de Janeiro, apesar de ressaltar que “miliciano não se declara miliciano”.

“Senador, a gente recebe sempre ameaças, que eu deveria estar morto. Durante o período que eu tinha a minha segurança como governador, eu tinha a minha segurança, me deixava mais tranquilo”, disse, para em seguida ser questionado por Renan Calheiros (MDB-AL) se as ameaças partiam de milicianos.

“Miliciano não se declara miliciano. Mas a minha segurança sempre observou a aproximação de veículos. procurando mudar o trajeto, intimidações houve.”

“Senador, o senhor pode ficar tranquilo que eu não sou porteiro. Não vai me intimidar, não. Mas, senador Flávio Bolsonaro, vossa excelência é contumaz ao dar declarações atacando o Poder Judiciário, especialmente o juiz Flávio Itabaiana”, disse Witzel em um dos “pegas” com Flávio Bolsonaro.

Em diversas ocasiões, o ex-governador afirmou que houve atuações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal que se caracterizaram como “intervenções” no estado e contra ele próprio.

Wilson Witzel chegou a citar uma conversa com o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que teria pedido ao então governador que parasse de afirmar que queria ser presidente da República.

“Eu cheguei lá, o ministro Moro disse pra mim o seguinte: ‘Ô Witzel, o chefe falou pra você parar de falar que quer ser presidente. E, se você não parar de falar que quer ser presidente, infelizmente a gente não vai poder te atender em nada, né?’. E aí o ministro Moro falou que ia pedir de volta os delegados, porque estava sendo uma determinação do governo federal. Isso é ou não é uma clara intervenção num estado da federação?”, questiou o ex-governador.

Os membros titulares da comissão de investigação sugeriram uma sessão fechada, questionando o depoente se ele se sentia inseguro para prestar esclarecimentos naquelas condições. Witzel disse que não se intimidaria, mas que aceitaria a sessão fechada, apenas com integrantes da CPI, para apresentar alguns elementos sigilosos de investigação.

“Então nessa reunião eu faço questão de apresentar elementos para iniciar uma investigação contra pessoas que estão desvirtuando a atuação funcional e nós vamos descobrir quem está patrocinando investigação contra governador, quem está patrocinando essa questão criminosa e o resultado é um só: 490 mil mortes”, disparou.

Witzel diz que perseguição política começou com investigação de Marielle

O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel afirmou ainda que seu processo de impeachment foi resultado de uma perseguição política desencadeada após ele determinar a investigação da morte da vereadora Marielle Franco. Além de criticar o presidente Jair Bolsonaro, ele levantou suspeitas sobre a parcialidade de membros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Ministério Público Federal (MPF) no processo que levou à cassação de seu mandato. Em protesto contra essas acusações, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse que elas são muito graves e precisam ser apuradas. E o senador Jorginho Mello (PL-SC), ao questionar o ex-governador, lembrou das suspeitas de corrupção contra o ex-governador.

Witzel também declarou que a corrupção na área da saúde do estado do Rio de Janeiro continuou após seu impeachment. Ele disse que promoveu uma auditoria em 2019 nas organizações sociais de saúde para coibir desvios, o que teria incomodado o que chamou de “máfia da saúde”.

O ex-governador citou uma série de organizações sociais (OSs) que seriam utilizadas para atos ilícitos e continuariam operando no estado, e que entraram no lugar da Unir (OS que está no centro das investigações contra Witzel). Entre elas estão a Associação Filantrópica Nova Esperança, o Instituto Mahatma Gandhi, o Instituto Lagos e a Viva Rio. Essas organizações operam unidades de saúde (Unidades de Pronto Atendimento – UPAs) e hospitais no estado.

“Eu vou encaminhar aqui o nome dessas OSs, e esta CPI pode e deve fazer a quebra de sigilo delas, porque ali nós vamos encontrar para onde está indo o dinheiro.”

Caso Marielle

Ao alegar que é vítima de perseguição política, Witzel afirmou que isso foi consequência das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco, então vereadora da cidade do Rio de Janeiro, ocorrido em março de 2018.

“Tudo isso começou porque eu mandei investigar, sem parcialidade, o caso Marielle. Quando foram presos os dois executores da Marielle, o meu calvário e a perseguição contra mim foram inexoráveis.” 

Witzel disse que foi acusado de forma leviana de interferir na polícia do Rio de Janeiro para que a investigação do caso Marielle fosse adiante, e que passou a receber retaliações do governo federal. 

“Ver um presidente da República, numa live lá em Dubai, acordar na madrugada para me atacar, para dizer que eu estava manipulando a polícia do meu estado, ou seja, quantos crimes de responsabilidade esse homem vai ter que cometer até que alguém o pare?”, criticou. 

A partir de então, Witzel relata ter ficado em uma situação de vulnerabilidade, e que não era recebido mais no Palácio do Planalto nem por ministros. 

“Depois desse evento, eu não fui recebido mais no Palácio do Planalto e nós tínhamos dificuldade de poder falar com os ministros para sermos atendidos. Eu encontrei o ministro [Paulo] Guedes no avião e fui falar com ele. Ele virou a cara e saiu correndo: ‘Não posso falar com você’. Então, esse não é o comportamento republicano”, disse Witzel ao responder questionamento feito pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros.

O ex-governador também relatou um encontro que teria ocorrido no ano passado com Sergio Moro, então ministro da Justiça. Moro teria repassado um recado de Jair Bolsonaro para que Witzel parasse de dizer que queria ser presidente da República, sob pena de ser retaliado pelo governo federal.

“Esse tipo de coisa, lamentavelmente, de menino de recado, não é um papel que se espera de um magistrado.”

Essa conversa ocorreu, segundo Witzel, a partir da sua solicitação para que o Ministério da Justiça não pedisse de volta cinco delegados da Polícia Federal que estavam cedidos ao governo do Rio de Janeiro. Witzel disse que foi convidado por Moro para conversar, e que achou “estranho” que o então ministro da Justiça não quisesse tirar foto com ele durante o encontro.

Segundo o ex-governador, isso ocorreu justamente depois da prisão dos acusados de assassinar Marielle Franco. Ele lembrou que o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente da República tem residência, depôs à Polícia Civil do Rio durante a investigação, e nesse depoimento afirmou que, no dia do crime, um dos acusados pelos assassinatos, o ex-PM Élcio Queiroz, teria informado que iria na Casa 58, do “Seu Jair”. Posteriormente, o porteiro mudou o depoimento.

“O porteiro, uma pessoa simples, prestou depoimento à Polícia Civil. Logo depois, o ministro Moro, de forma criminosa, lamentavelmente, requisita um inquérito para investigar crime de segurança nacional, porque o porteiro depõe, prestou um depoimento para dizer que o executor da Marielle teria chegado no condomínio [Vivendas da Barra] e mencionado o nome do presidente. Se isso é verdade ou não, não é problema meu, não tenho nada com isso, eu não sou juiz e nem delegado do caso”, disse.

Segundo Witzel, esse seria um dos exemplos de intervenção indevida do governo federal no estado do Rio de Janeiro. Alguns detalhes da investigação não foram revelados pelo ex-governador durante seu depoimento — ele pediu para falar sobre isso em uma reunião reservada, somente com a presença dos integrantes da CPI. 

Em vários momentos, Witzel afirmou que é vítima de uma perseguição e que há uma politização do Ministério Público. Ele classificou seu julgamento como um tribunal de exceção e criticou as delações premiadas, que batizou de “pau de arara moderno” (em referência a um sistema de tortura utilizado durante a ditadura militar para obter confissões de presos políticos). Também comparou a sua situação à do ex-presidente Lula.

“Eu tenho aqui todas as delações que foram feitas pelo senhor Edmar Santos, pelo senhor Edson Torres. A delação hoje é o pau de arara moderno. O sujeito é preso, aí ele vai e remonta uma história com fatos da imprensa, como fizeram outros delatores. E nós estamos vendo agora, em relação ao que aconteceu com o presidente Lula, a anulação de um processo em que o juiz está sendo reconhecidamente — lamentavelmente, porque foi meu colega — parcial.” 

Ainda segundo Witzel, a pandemia é a “pedra de toque” de uma série de atos de perseguição política, não apenas em relação a ele, mas a vários governadores.

“Por trás do meu impeachment estão aqueles que se aliaram a esse discurso de perseguição aos governadores”, declarou.

Máfia da saúde

Logo ao chegar ao Senado, Witzel já demonstrava que não pouparia o governo federal durante seu depoimento à CPI. Em declaração à imprensa, ele afirmou ser vítima de perseguição. Réu em processo que apura corrupção, lavagem de dinheiro e superfaturamento em compras de equipamentos para o combate à covid-19, Witzel foi denunciado em consequência das investigações da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. A suspeita é de que o ex-governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia da esposa, pelo menos R$ 554,2 mil em propina. Em setembro do ano passado, Witzel sofreu impeachment por crime de responsabilidade na gestão de contratos na área da saúde durante a pandemia.

Witzel diz que seu mandato foi cassado porque combateu a corrupção. Também afirmou que corre risco de vida. Segundo ele, não foi encontrado “um centavo” relacionado a desvios da saúde em sua conta, e que, se ainda estivesse no cargo, investigaria as denúncias. E declarou que a máfia da saúde segue em operação no estado.

“Eu corro risco de vida. Eu tenho certeza disso, porque a máfia da saúde no Rio de Janeiro [está envolvida] e tenho certeza que tem miliciano envolvido atrás disso. Eu e a minha família corremos risco de vida.”

Em resposta à senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), Witzel chegou a sugerir que a CPI quebre sigilos do ex-ministro Mandetta e do empresário Roberto Bertholdo para apurar se houve interferência para contratação do Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) na construção de hospitais de campanha. Ele também defendeu a quebra de sigilos do atual governador do estado, Cláudio Castro. Segundo Witzel, o então vice-governador estava em Brasília na véspera de uma ação de busca e apreensão contra ele (Witzel).

“Não mandei o vice-governador vir para cá [Brasília]. Ele estava em Brasilia. Não me disse o que estava fazendo em Brasília. Eu acho que isso merece uma quebra de sigilo.”

STJ

Witzel também levantou suspeita sobre a parcialidade de membros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Ministério Público Federal (MPF) no processo que levou à cassação de seu mandato. 

O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) interrompeu o depoimento de Witzel e classificou a fala do depoente como “muito grave”.

“Pelo que eu me lembre, ele foi afastado por decisão do ministro Benedito Gonçalves, do STJ, e em seguida o afastamento dele foi prorrogado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Então, o que o depoente está dizendo aqui agora é que há um conluio de ministros do STJ para persegui-lo. E isso é muito grave. Isso é muito grave. Tinha que haver alguma comunicação da CPI com o Superior Tribunal de Justiça para que se apurasse o que está sendo trazido por ele.”

O senador Jorginho Mello (PL-SC) perguntou sobre a então primeira-dama do estado ter recebido pouco mais de meio milhão de reais em propina. Witzel disse que o valor não é propina, mas resultado de honorários advocatícios, que estaria declarado. Mas Jorginho Mello rebateu:

“O senhor acha todo mundo é contra o senhor, então? É só o senhor que está certo?”, questionou.

Wtizel voltou a citar o ex-presidente Lula, que ficou preso por 580 dias até que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a decisão que levou Lula à prisão. 

“Olha, quanto tempo demorou para dizer que o presidente Lula estava certo? Que ele estava sendo julgado por um juiz parcial? Demorou, né? Uma hora nós vamos chegar lá”, disse o ex-governador do Rio.