Ricardo Cappelli: Bolsonaro nunca esteve tão próximo do Planalto

O jornalista Ricardo Cappelli ironiza as teorias da conspiração para afirmar que Jair Bolsonaro (PSL) nunca esteve tão perto de ganhar a eleição de outubro. “Dores pessoais têm o poder de humanizar o mais ogro dos mortais”, escreve.

O CAPITÃO NUNCA ESTEVE TÃO PRÓXIMO DO PLANALTO

Ricardo Cappelli*

É preciso reconhecer a capacidade de Bolsonaro de gerar delírios. Ele funciona como uma espécie de entorpecente capaz de turvar a visão da esquerda e da direita ao mesmo tempo.

Uma multidão delirante o recebeu em Juiz de Fora. Após a fatídica facada, o delírio mudou de lado. Parte da esquerda abriu sua caixa de loucuras.

O atentado, feito por um lobo solitário desequilibrado, teria sido na verdade uma conspiração internacional tramada com a família Marinho e colocada em prática pela dupla CIA/Mossad. “Cadê o sangue?”, gritavam os “esquerdominions”.

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O Capitão lidera a pesquisa, subiu no último Ibope, e resolveu contratar um israelense ninja que no meio da multidão desferiu um golpe milimétrico que por pouco não o mata. Faz todo sentido.

Ou pior, a conspiração envolveu todos os médicos, enfermeiros e toda a polícia federal. “A verdade é que não existe corte, é coisa de Hollywood!” Chega a ser ridículo.

A facada entrou para a história pelo paradoxo de suas conseqüências. Atingiu o coração da democracia e catapultou o candidato que mais ameaças representa ao sistema democrático. Cortou em pedaços Geraldo Alckmin e pode levar a uma unificação de forças impressionante.

O assunto atraiu audiência no planeta. Deu a Jair o que ele não tinha e jamais sonhou. Uma avalanche de mídia espontânea positiva, permitindo-o furar o equilíbrio imposto pelas regras eleitorais à cobertura jornalística de candidatos.

Dores pessoais têm o poder de humanizar o mais ogro dos mortais. Fragiliza o fortão e o traz para perto das pessoas de carne e osso.

Fica a imagem do homem destemido que resolveu enfrentar o sistema e acabou perseguido, ferido mortalmente. Um cidadão que colocou a própria vida em risco pela missão de salvar o Brasil. A fala dele com a sonda no nariz no hospital é devastadora.

Se já tinha o poder de se comunicar com seu eleitorado como um “Lula da direita”, simples e objetivo, direto, se somou ao ex-presidente agora na condição de vítima. Temos duas vítimas do sistema, um preso e outro sangrando em cadeia nacional.

Qualquer marqueteiro será capaz de reduzir agora suas dificuldades com o eleitorado feminino. Basta trazer sua família e sua mulher para a cena chorando, dizendo da dor que seria perder um marido e um pai maravilhoso.

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Se já estava difícil que a profecia de derretimento de Jair se concretizasse, agora ela parece impossível. Que eleitor vai abandonar seu escolhido gravemente ferido no leito de um hospital? Esqueçam, o brasileiro é altamente solidário na dor porque a conhece de perto.

A rejeição do Capitão deve cair e as próximas pesquisas devem indicar alguma subida. A facada teve o poder de transformar o general Mourão num defensor do devido processo legal para o agressor. A mudança é radical.

A grande mídia está com a faca e o queijo na mão. Pode colocar Bolsonaro na TV 24 horas por dia sem nenhuma contestação. Trata-se de um fato jornalístico. Quem teria a coragem de questionar a cobertura da situação de uma pessoa gravemente ferida?

A pressão do establishment sobre o PSDB será insuportável. Ao garantir vaga no segundo turno com Jair passarão a sonhar com uma vitória consagradora no primeiro turno. Alckmin foi o verdadeiro atingido pela facada. Está virtualmente morto.

A justiça tende a radicalizar contra a aparição de Lula no processo eleitoral. Se a briga entre o PT e Ciro por uma suposta vaga no segundo turno se tornar insana, o risco de um abraço de afogados será enorme.

A facada na democracia materializou o crescente processo de radicalização, o descrédito nas eleições e nas instituições. Fez o país pender perigosamente para uma extrema direita que agora, oportunamente, recolhe os dentes.

As próximas semanas serão intermináveis. Os progressistas e democratas podem ser impelidos a seu unir ainda no primeiro turno. Nunca o Capitão esteve tão próximo do Planalto.

*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.