“Quer ser bom prefeito? à‰ só não roubar”

por André Gonçalves, via Gazeta do Povo

Gaevski, com o livro em que é citado como exemplo de combate à  corrupção e à  frente da placa na qual presta contas à  população. Foto: César Machado/GP.
Em 2008, o prefeito de Realeza, cidade de 16 mil habitantes no Sudoeste do Paraná, foi questionado pela Justiça sobre a cor de uns ônibus enormes que começavam a circular pela cidade. Eduardo Gaevski é do PT e os veículos têm o mesmo vermelho do partido. A polêmica foi parar na Justiça e só acabou quando ele conseguiu explicar a origem dos dois biarticulados e dois articulados utilizados no transporte escolar. Eles haviam sido cedidos sem custo pelo então prefeito de Curitiba, Beto Richa, e apenas mantinham as mesmas cores de quando rodavam na capital.

Ainda assim, permanece a dúvida: como um prefeito de uma cidadezinha arranjou os ônibus, negociando com um político de um partido oposto ao seu? Essa é uma das peripécias administrativas de Gaevski, cuja gestão é citada como exemplo de boas práticas por uma das maiores entidades sociais de combate à  corrupção no Brasil, a Amarribo, representante no país da Transparência Internacional. Na semana passada, ele participou como convidado da 15.!ª Conferência Internacional Anticorrupção, em Brasília.

Gaevski é curto e grosso ao falar sobre o que diferencia as gestões municipais. Quer ser bom prefeito? à‰ só não roubar.! Outra ousadia, principalmente sob o ponto de vista do sistema político brasileiro: não comprometer nenhum cargo com indicação partidária ou pessoal. Não dá para colocar parente, nem gente que depois você não possa demitir.!

Por outro lado, o prefeito conta que chegou ao poder, em 2004, sem ter plano de governo. Pautou toda a administração na transparência !“ as contas da prefeitura estão expostas em um painel numa praça da cidade. E em ouvir a população. As pessoas queriam, em primeiro lugar, melhorar a saúde. Depois, que se criasse condições de estudo e emprego para que os jovens não saíssem da cidade.!

A primeira tarefa não foi fácil. Para entender o tamanho da confusão na saúde de Realeza, passou os três primeiros meses de gestão entregando senhas de consultas durante a madrugada. Descobriu que os médicos não cumpriam os horários e que havia desvios na entrega de medicamentos. à€ medida que o dinheiro parou de escoar pelo ralo da corrupção, a prefeitura conseguiu ampliar o quadro de médicos, dentistas, enfermeiros e farmacêuticos. Gaevski hoje se compromete pessoalmente com o atendimento. Nas paredes dos postos de saúde há cartazes com o celular dele, para reclamações.

Economia

Pode até parecer estranho, mas funciona tudo exatamente desse jeito!, confirma o presidente da Amarribo, Leo Torresan, que foi à  cidade para ver e conferir tudo e, depois, incluir o caso na quinta edição do livro O Combate à  Corrupção nas Prefeituras do Brasil !“ espécie de cartilha administrativa para os municípios.

Apesar dos feitos na saúde, Gaevski diz que seu orgulho é a educação. Em 2009, ele conseguiu atrair para a cidade um câmpus da Universidade Federal da Fronteira Sul.

Mas a principal transformação está no ensino fundamental. O material de estudo até a 5.!ª série é o mesmo das escolas do Positivo, uma das redes privadas mais tradicionais do país. O ensino integral é prioridade, principalmente na zona rural. Mas tudo começa pelo incentivo à  leitura, com os baús do conhecimento!, trenzinhos com livros que circulam entre as crianças. à‰ só livro de primeira qualidade. Se não for assim, não tem como ganhar do computador, da televisão!, diz o prefeito.

Há escolas com consultórios de dentistas. Quando a distância aperta, motoristas da prefeitura levam as crianças aos serviços públicos de saúde. Os feitos geram reconhecimento: em 2008, o município foi citado entre os 37 modelos no país pela Unicef.

Já o àndice de Desenvol!­!­vimento da Educação Básica (Ideb) subiu de 5,0, em 2007 para 6,7 em 2011, o que coloca a cidade entre as dez melhores do Paraná. Como prêmio, Gaevski distribuiu um bônus de R$ 4,8 mil por professor !“ quase quatro vezes o valor do salário.

A propósito dos caminhos para melhorar a educação, os biarticulados que transitam pela cidade são chamados pelas crianças de minhocões!. Ao mesmo tempo em que negociou os ônibus com Curitiba, trouxe as estações-tubo de Foz do Iguaçu. A prefeitura de lá comprou e não deu certo por causa do calor. Conversamos com eles e trouxemos algumas para cá.! Em Realeza, não há dúvidas de que elas couberam direitinho.

Trajetória
De executivo de multinacional a petista

A carreira de Eduardo Gaevski mudou com um acidente de carro do outro lado do mundo. Em 2002, o hoje petista era executivo da multinacional de alimentos Kraft e havia acabado de ganhar um robusto bônus salarial como prêmio pelo trabalho na fusão da empresa com a Nabisco. Viajou à  Nova Zelândia para aproveitar o dinheiro, mas relaxou tanto que se confundiu com a mão inglesa utilizada por lá e bateu de frente com outro automóvel em uma rodovia.

Minha esposa ficou presa nas ferragens, o outro motorista também se machucou bastante. Foi uma tragédia. Como a culpa era minha, respondi a processo e fui condenado a pagar o equivalente a 10 mil dólares de multa, o que foi justo!, diz ele.

O susto fez o executivo e a mulher repensarem a vida que levavam. Decidimos viver um dia de cada vez.! Nessa época conheceu o fotógrafo Juca Varella, que lhe deu de presente uma das primeiras versões do livro O Combate à  Corrupção nas Prefeituras do Brasil. Varella era um dos entusiastas da Associação dos Amigos de Ribeirão Bonito (Amarribo).

Fundada em 1999, a Amarribo virou referência de controle social da gestão pública. O grupo era formado por gente nascida na cidade, que já tinha construído uma carreira profissional sólida e que queria dar um basta na corrupção. Graças à  pressão da entidade, dois prefeitos e cinco vereadores envolvidos em desvios no município foram cassados na última década.

Amor

Gaevski se empolgou com o exemplo e criou a Amor !“ Amigos Associados de Realeza, associada à  rede Amarribo. Depois de um tempo, o pessoal da cidade começou a falar: se esse louco quer fiscalizar tanto, por que não faz algo que preste e se candidata? Aí eu me candidatei.!

Não foi fácil. Gaevski diz que escolheu o PT por ser o único partido da cidade que não estava envolvido com as famílias que dominavam a política local. Falavam que eu não tinha nada a ver com o PT porque eu era um executivo de multinacional. A deputada do partido na região tinha vergonha de tirar foto comigo.!

Gaevski começou com 0,8% das intenções de voto, mas venceu em 2004 com 67% dos votos válidos. Quatro anos depois, a reeleição veio com 83%. Em outubro de 2012, elegeu o sucessor, o secretário de saúde Milton Andreoli, também petista, com 70% dos votos.

O prefeito em fim de mandato não tem planos de se candidatar a novos cargos. Quero ajudar a Amarribo a divulgar boas práticas de gestão e colaborar com os municípios do Sudoeste do Paraná.!

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