Milhares de argentinos vão às ruas e prometem justiça pela morte de Maradona

Fanáticos de Maradona manifestaram na noite desta quarta-feira (10) para pedir a condenação da equipe de profissionais que acompanhou o craque antes de sua morte, indiciados pela Justiça por negligência médica. Independentemente do resultado do processo judicial, os manifestantes anunciaram uma “justiça paralela.” Eles e prometem perseguir publicamente os responsáveis pelo abandono do ídolo argentino, provocando a sua morte prematura, aos 60 anos.

Cerca de duas mil pessoas participaram da manifestação carregando faixas com os dizeres “Justiça por Diego. (Ele) Não morreu: foi morto. Julgamento e castigo aos responsáveis”. O protesto também defendeu que “a condenação seja também social”.

“Estou aqui para que a justiça pela morte de Diego Armando Maradona seja feita. Ele foi assassinado. Não morreu naturalmente. Mataram o Maradona. Deixaram que ele morresse. Foi abandono. Não deram a atenção da que ele precisava. Ele servia mais morto do que vivo”, explicou à RFI Brasil Diego Atencio (37), cujo nome é uma homenagem do pai ao máximo ídolo do futebol argentino.

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Diego ergue um cartaz que anuncia “Morte a Morla”, em referência ao advogado Matías Morla, agente e amigo de Maradona, responsável por todos os contratados e por cada decisão sobre Maradona tanto financeira quanto de saúde. Morla ficou com administrador da marca comercial Maradona no mundo.

“A condenação deve ser social. Deve haver justiça social. As pessoas não deveriam deixar tranquilos nenhum desses assassinos. E assassinaram o maior que tínhamos”, acusa Diego.

A concentração popular foi no emblemático Obelisco do centro de Buenos Aires, onde tradicionalmente os torcedores se reúnem para demonstrar a sua paixão, como no campeonato mundial de 1986 conquistado por Maradona e mais dez jogadores ou como no dia último 25 de novembro, quando Maradona deixou esta área mais triste.

“Estou aqui pelo Diego, para que justiça seja feita. Essa gente mantinha-o trancado, dopado, abandonado. Quero que paguem porque foi homicídio. Fica claro nos áudios. Tudo está vindo à tona”, conta à RFI Brasil Maximiliano Ruiz (36).

Áudios expõem os suspeitos
Nos áudios citados por Maximiliano, a saúde de Maradona aparece depois do interesse financeiro dos envolvidos. Também confabulavam para que a família ficasse distante e não pudesse afastá-los de Maradona.

“Que a Gianinna (filha de Maradona) não o leve. Se ele for para a casa da Gianinna, nós o perdemos. Disso depende o trabalho de todos. Se eu conseguir me esquivar dessa, há dinheiro para todos”, diz o assistente de Maradona e cunhado de Matias Morla, Maximiliano Pomargo, em um diálogo com o médico de Maradona, Leopoldo Luque. A conversa revela um plano para evitar que Maradona seja cuidado pela filha.

Por enquanto, a lista dos sete investigados pela Justiça inclui o próprio médico pessoal de Maradona, Leopoldo Luque, a psiquiatra Agustina Cosachov e o psicólogo Carlos Díaz, além de uma médica coordenadora, de um coordenador de enfermeiros e dois enfermeiros.

Mas a família e os fãs também denunciam o advogado Matías Morla, que também aparece na chuva de áudios de WhatsApp que a Justiça obteve dos celulares dos indiciados e que foram, em parte, divulgados pela imprensa argentina.

Justiça social imediata
Mas, independentemente, do tempo e do resultados da Justiça, os fãs já proferiram a sua sentença e não darão trégua para os investigados.

“Não vamos deixar essa gente descansar. Vamos buscá-los onde estiverem. Não vamos parar. Este é o povo, o povo do Diego. Em última instância, nós vamos fazer justiça”, avisa Maximiliano, esclarecendo, no entanto, que não se trata de violência.

“Sabemos onde moram. Onde estão. Seriam manifestações na porta da casa para que os vizinhos saibam. Vão pagar aqui. Mais cedo ou mais tarde, vão pagar”, sentencia.

O advogado Matias Morla já indicou que pretende deixar o país. “Esperemos que não consigam deixar a Argentina, mas há maradonianos pelo mundo todo. Não vamos deixar que descansem nem em Chipre, nem em Madagascar. Estamos no mundo inteiro”, adverte Maximiliano, apontando a sua devoção através de 11 tatuagens de Maradona pelo corpo.

“Todos os dias eu choro”
Pablo Lezcano (39) não deixa claro até onde pode ir a “justiça social”. “Os culpados devem pagar, mas eu não os quero só presos. Eu quero encontrar os culpados pessoalmente, cara a cara, para eu fazer justiça porque eles me tiraram o que eu mais amava no mundo”, diz Pablo à RFI Brasil, num misto de raiva e dor.

“Eu vejo os vídeos do Maradona todos os dias. E todos os dias choro. Passaram-se poucos meses, mas, para mim, isso vai durar a vida toda. As pessoas me perguntam porque eu me inflijo esse sofrimento. É porque me tiraram a pessoa com quem eu me criei”, desabafa.

“Desde a minha infância, não quis saber do super-homem ou do homem-aranha. O meu super-heroi era Maradona. Eu tenho um filho, mas Maradona me deu mais alegria do que qualquer outro na vida. Não me importa o que Maradona fez com a vida dele. Importa o que ele fez com a minha”, descreve, emocionado, enquanto exibe uma tatuagem de Maradona no peito.

Investigação judicial
Na segunda-feira (10), a comissão médica, criada pela Justiça iniciou seus trabalhos e de duas a três semanas, vai avaliar se o atendimento a Maradona foi deficiente. São vinte peritos, metade oficiais, metade indicados pelas partes. O resultado da perícia pode levar os indiciados à acusação de “homicídio culposo”.

“Acreditamos em homicídio doloso (com intenção); não culposo. O que foirevelado, através dos áudios, é apenas 1 ou 2% de todas as provas contundentes do processo. Há muitas evidências de como roubaram Maradona e de como deixaram que ele morresse. É o suficiente para todos irem presos. São assinaturas falsificadas, histórias clínicas adulteradas”, garante o advogado Mario Baudry, representante de Diego Fernando (08), filho de Maradona com Verónica Ojeda, de quem o advogado é namorado. Todos estiveram presentes na marcha.

Também participaram da manifestação Dalma e Gianinna, filhas de Maradona com a sua primeira esposa, Claudia Villafañe, também presente. Levavam uma bandeira na qual se lia: “Condenação social e justiça para os culpados”, resumindo as duas instâncias paralelas.

Uma multidão correu até as três, que tiveram de correr e se refugiar em um hotel. Os guarda-costas não conseguiram conter a multidão que tentava se aproximar da família.

No final da manifestação, houve mais correria com intervenção da polícia devido à grande quantidade de vítimas de roubos de celulares e câmeras de jornalistas e torcedores. Várias pessoas foram presas.

Diego Armando Maradona (60) morreu no passado 25 de novembro em consequência de um “edema agudo de pulmão secundário a uma insuficiência cardíaca crónica aguda”. No seu coração também havia uma “miocardiopatia dilatada”. O exame toxicológico revelou ausência de ácool e de drogas ilegais, apesar de, nos áudios, aparecer que os enfermeiros davam regularmente álcool e maconha para se livrarem do comportamento próprio de um dependente químico.

Por Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires