Judeus de Curitiba contra Bolsonaro; leia a íntegra do manifesto

► ‘É preciso derrotar Bolsonaro e seu projeto fascista’, diz manifesto de judeus progressistas de Curitiba

Por Milton Alves*

Um grupo de judeus progressistas de Curitiba divulgou, nesta segunda-feira (04/04), um manifesto de repúdio ao governo de extrema direita do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O manifesto dos judeus progressistas curitibanos surge nas vésperas das manifestações de rua “Bolsonaro Nunca Mais” previstas para o próximo sábado, dia 9 de abril. Em Curitiba, a concentração será às 14h30 na Praça Generoso Marques.

Os signatários do documento denunciam o caráter reacionário e listam os retrocessos democráticos, institucionais, econômicos e sociais do governo bolsonarista. “A súcia que assaltou Brasília, envolvida até o pescoço em políticas que glorificam a morte, despreza solenemente os valores mais caros ao que o homem construiu por milênios, e denominou civilização: cultura, educação, saúde, direitos humanos, ecologia, justiça, respeito à diversidade”, diz o manifesto.

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Um outro trecho do documento afirma: “Tudo aliado a uma política econômica ultraliberal verdadeiramente degenerada, cujo resultado, também previsível, é o sofrimento cruel de milhões de brasileiros. Desemprego recorde, informalidade atroz (jornadas de até 16 a 18 horas diárias em total desamparo, e sem perspectivas de uma aposentadoria digna), miséria avassaladora, fome exposta de maneira vergonhosa nas esquinas de todos os recantos do país”.

Leia a íntegra do manifesto dos judeus progressistas de Curitiba:

Economia

MANIFESTO

Os abaixo assinados, judeus ligados afetivamente à cidade de Curitiba, tornam público, neste momento, seu absoluto e total repúdio ao desgoverno comandado por Jair Bolsonaro.

Entendemos que é indispensável manifestar por escrito que nos alinhamos inteiramente com todos quantos o condenam, porque ele envergonha o Brasil perante si próprio e o mundo.

A enorme tragédia que estamos vivendo não constitui nenhuma surpresa. Bolsonaro faz exatamente o que toda a sua vida anterior mostrava escancaradamente que ele faria.

Jair Bolsonaro representa o ser humano em profundo estado de degradação.

Mas o que se poderia esperar de alguém que, ao longo de toda a sua vida pública, enalteceu torturadores e defendeu a tortura física de adversários?

No poder, Bolsonaro, como era de esperar, levou o Brasil à Idade das Trevas.

Instalou uma corrupção generalizada e baixa, típica da ignorância parva e da pobreza espiritual que acometem a si e a todos os seus.

Emoldurado permanentemente por um perverso discurso de ódio, e escorado em fraudes de todos os naipes, este governo destruiu a Cultura, arruinou a Educação, queimou a Amazônia, assassinou indígenas, e transformou o Brasil, outrora nosso orgulho perante o mundo, em pária internacional.

Na área da Saúde, revelou sua faceta mais cruel. Ao desdenhar da pior crise sanitária internacional dos últimos cem anos, foi o responsável direto pela morte desnecessária de centenas de milhares de brasileiros, por conta do descaso, da incúria, da falta de empatia e da desumanidade de Bolsonaro, seus ministros e asseclas, e que ainda hoje, 660.000 mortos depois, se repetem sem pudor, remorso ou arrependimento.

O menosprezo pela gravidade da pandemia de COVID-19; a tenaz oposição a todas as medidas preventivas recomendadas pelas maiores autoridades científicas mundiais; a defesa escabrosa das condutas condenadas; as mentiras assacadas diariamente; a propaganda reiterada de medicamentos comprovadamente ineficazes; a displicência canalha, que culminou na tragédia de Manaus; a demora na aquisição das vacinas disponíveis, coroada pela exposição vergonhosa da tentativa de obtenção de vultuosa propina – tudo se fez, e ainda mais um pouco, para matar e deixar morrer a população.

Com boa-fé e objetividade, não há escapatória possível: Bolsonaro é, sim, um genocida.

A súcia que assaltou Brasília, envolvida até o pescoço em políticas que glorificam a morte, despreza solenemente os valores mais caros ao que o homem construiu por milênios, e denominou civilização: cultura, educação, saúde, direitos humanos, ecologia, justiça, respeito à diversidade. Isto para citar apenas alguns.

Tudo aliado a uma política econômica ultraliberal verdadeiramente degenerada, cujo resultado, também previsível, é o sofrimento cruel de milhões de brasileiros. Desemprego recorde, informalidade atroz (jornadas de até 16 a 18 horas diárias em total desamparo, e sem perspectivas de uma aposentadoria digna), miséria avassaladora, fome exposta de maneira vergonhosa nas esquinas de todos os recantos do país.

Bolsonaro não apenas enalteceu a violência, como muitos são enganadoramente levados a pensar, mas guindou-a ao centro do poder. Hoje pouca dúvida resta de que as milícias assassinas que dominam o Rio de Janeiro influenciam decisivamente os destinos do País.

Não é por mero acaso que, como judeus, estamos do lado absolutamente oposto a Bolsonaro. Fomos colocados nesse lugar pela memória de nosso próprio passado. O judaísmo é todo calcado no humanismo, na solidariedade, no aprimoramento do homem. Por exemplo, ele privilegia o Tikum Olam (“consertar” o mundo), e isenta de culpa por furto de alimento viúvas e órfãos necessitados. O bolsonarismo é o contrário disso.

As duas posições são mútua e irreconciliavelmente excludentes.

Ao nosso ver, portanto, é rigorosamente impossível ser, ao mesmo tempo, judeu e bolsonarista.

O mais eloquente exemplo disso é a descarada idolatria não só do fascismo como do próprio nazismo, tão evidentes neste governo.

O presidente posou orgulhosamente ao lado de um imitador de Hitler, declarou-se admirador deste, apoiou por escrito pelo menos um grupo neonazista e, como se não bastasse, recebeu em seu gabinete, com honras de estado, uma política alemã de extrema-direita umbilicalmente ligada ao nazismo, por convicção e até laços familiares. Seu secretário de cultura foi à televisão imitar desavergonhadamente o tenebroso Ministro de Propaganda nazista Joseph Goebbels, e vários de seus assessores mais diretos foram flagrados praticando ou endossando símbolos de supremacismo branco.

Claro que o resultado, mostrado em pesquisa de 2021 da antropóloga Adriana Dias, é o crescimento significativo (de 334 para 530) do número de células neonazistas no Brasil somente nos 2 anos anteriores.

Tudo isso assombra qualquer pessoa civilizada. Mas, quando se é judeu, a mais notória vítima do nazismo, ao assombro deve se associar um permanente estado de alerta.

Nossa postura se origina de um lugar especialmente singular. A comunidade judaica brasileira tem sido vista, de maneira genérica e equivocada, como conservadora. E Curitiba, por sua vez, é considerada – infelizmente com alguma, mas não toda, razão – como a capital símbolo do reacionarismo no Brasil.

Somos judeus, com nitidez e orgulho. E temos, cada um a seu modo, uma ligação amorosa com esta cidade. Inobstante, nos entendemos inequivocamente progressistas.

Não são poucos, em Curitiba, os progressistas que lutam e resistem, bravamente. Pois é com a cabeça erguida e o peito estufado que afirmamos que entre eles há, sim, judeus. Artificialmente colocados nas sombras, agora estamos vindo à luz.

E vamos lutar, até o limite das nossas forças, pelo fim do retrocesso e do obscurantismo obscenos que hoje desgraçam o Brasil, pelo pleno restabelecimento do Estado Democrático de Direito, e por um país soberano, justo, fraterno e generoso para com todos os seus habitantes.

O momento político exige grandeza e coragem. É preciso derrotar Bolsonaro e seu projeto fascista de poder!

Curitiba, 04 de abril de 2022.

1 – Tânia Maria Baibich – Professora Titular da UFPR
2 – Débora Iankilevich – Jornalista
3 – Jaime Cohen – Professor Associado, Universidade Estadual de Ponta Grossa.
4 – Peggy Distefano – Tradutora e intérprete de conferência
5 – Marcelo Jugend – Advogado e escritor
6 – Gitel Bucareski – Professora aposentada
7 – Thaís Kornin – Pesquisadora de temas urbanos e metropolitanos
8 – Marcelo Gruman – Antropólogo
9 – Sarita Warszawiak – Psicóloga sanitarista aposentada
10 – Rebeca Sachs Iankilevich- Pedagoga
11 – Renata de Sant’Anna – Antropóloga
12- Ilan Kuczynski Kessel – Educador Físico
13 – Michel Ehrlich – Historiador e professor
14 – Eliane Berger – Diretora e atriz
15 – Konrad Yona Riggenmann – Pedagogo e escritor.
16 – Sérgio Feldman – Professor Titular da UFES
17 – Paula Distefano – Jornalista
18 – Noemi Osna – Jornalista e radialista
19 – Iara Feldman- Psicopedagoga
20 – Horácio Sendacz – Aposentado e acordeonista
21 – Bruno Hendler – Professor Adjunto da UFSM
22 – Aritanan Osna Carriconde – Biólogo
23 – Rudá Osna Carriconde – Técnico eletrônico
24 – Marli Osna – Professora aposentada
25 – Élio Luiz Mauer – Médico Psiquiatra – ex-professor da UFPR e PUCPR
26 – Gabriel Paciornik – Programador
27 – Tali Warszawiak Miranda – Jornalista e cozinheira
28 – Jessica Nevel – Psicanalista e psicóloga
29 – Gustavo Jugend – Doutorando em Filosofia pela UFPR
30 – Albert Berman
31 – Elton Barz – Historiador e professor de História
32 – Mariana Schulman – Arquiteta

*Milton Alves é jornalista e escritor. Autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), de ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020) e ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) – todos pela Kotter Editorial.