José Dirceu: “Estamos, novamente, sob a ameaça de uma ditadura militar”

Zé Dirceu: os militares sempre foram uma força política a serviço das elites conservadoras e pró-Estados Unidos.
O ex-ministro José Dirceu alertou em artigo, nesta terça-feira (18), que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está batendo às portas de uma nova ditadura.

“A gravidade da situação política do país está escancarada. Só não vê quem não quer. Estamos, novamente, sob a ameaça de uma ditadura militar”, escreveu hoje em sua coluna no Metrópoles.

Leia a íntegra do artigo:

Bolsonaro está batendo às portas de uma nova ditadura

A militarização do governo Bolsonaro com as últimas indicações para a Casa Civil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos tem raízes em nossa historia recente e no passado.

O general Braga Netto era chefe do Estado-Maior do Exército, o mesmo que no julgamento do habeas corpus de Lula publicou uma foto da reunião de emergência convocada pelo comandante do Exército Eduardo Villas Bôas para, numa aberta e flagrante violação da Constituição, ordenar – isso mesmo – ao STF que não ousasse conceder HC a Lula. Villas Bôas fez a mesma ameaça via Twitter, o que levaria a sua prisão imediata em qualquer democracia.

Economia

Aqui, se restabeleceu a tutela militar sobre o poder civil, que estava adormecida no artigo da Constituição Federal que trata das Forças Armadas como garantidora da Lei e da Ordem, a famosa GLO, uma espada de Dámocles sobre nossa democracia.

Não é de hoje que os militares são uma força política em nosso Brasil. Fizeram a República; se levantaram logo contra ela na Revolta da Armada; na década de 1920 os tenentes se levantaram várias vezes, em rebeliões e insurreições nos quartéis, com dezenas de mortos e feridos, até o triunfo da revolução de 1930, na qual os militares e os tenentes foram a força principal.

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Getúlio
Getúlio Vargas governou até 1934, quando, após derrotar a revolta paulista separatista disfarçada de defesa de uma Constituinte, o país ganhou uma Constituição, rasgada em 1937 pelo Estado-Maior do Exército e Getúlio e substituída pela famosa Polaca, redigida sob o comando do general Goes Monteiro, o chefe do Exército, cópia da Constituição imposta pelo ditador Pilziuskque.

O Estado Novo foi até a deposição de Getúlio, em 1945. Quem é eleito em 1946 presidente do Brasil é Eurico Gaspar Dutra, ex-chefe do Exército, que faz um governo reacionário, religioso, pró-Estados Unidos, repressivo aos trabalhadores e à esquerda.

Inconformados com a volta de Getúlio, eleito em 1950, e do seu PTB, partes importantes do Exército e da Marinha e Aeronáutica iniciam uma série de tentativas de golpes de Estado, ou o não reconhecimento dos resultados eleitorais, com a tese da maioria absoluta. Organizam-se, em 1955, para impedir a posse de JK (Juscelino Kubitschek), que enfrenta dois levantamentos militares, Jacareacanga e Aragarças. E JK os anistia. Depois da renúncia de Jânio, dão um golpe, que é paralisado pela resistência de Leonel Brizola e a divisão do Exército, como em 1955, quando [o marechal Henrique Teixeira] Lot dá um contragolpe e assegura a posse de JK.

Hoje, 1964 é história, mas durou até 1985. Como vemos, os militares sempre foram uma força política a serviço das elites conservadoras e pró-Estados Unidos, sem contar a vergonhosa divisão antes da 2ª Guerra entre germanistas – fascistas, lógico – e pró-aliados. Em 1964, nos alinhamos totalmente aos Estados Unidos, mandando até tropas para a invasão imperialista da República Dominicana para sufocar uma rebelião popular democrática, sempre apoiando as elites agrárias e de direita sob o manto da luta contra o comunismo.

Conciliação na CF
A Constituição de 1988 poderia ter posto um fim nisso, mas não o fez, conciliou com as Forças Armadas e o resultado agora nos assombra. Eles estão de volta com Bolsonaro, hibernaram 30 anos nas escolas militares e na não submissão do poder militar ao civil. Apesar do comando civil do Ministério da Defesa, ao qual estão subordinados os ministérios militares, nunca o poder civil decidiu a política militar no Brasil e jamais eles, os militares, aceitaram o presidente da República como comandante em chefe das Forças Armadas.

Controlam o orçamento, as promoções, as prioridades da defesa nacional e de sua indústria, seus planos de armamento. E com a nova reforma da Previdência deles mesmos, votada apenas nas comissões do Congresso, se tornaram uma casta.

A gravidade da situação politica do país está escancarada. Só não vê quem não quer. Estamos, novamente, sob a ameaça de uma ditadura militar, e fatos como a execução, comandada por Ronnie Lessa, da vereadora Marielle Franco e, agora, no outro polo, a queima de arquivo com a execução do outro suspeito de envolvimento no assassinato, chefe dos milicianos, Adriano da Nóbrega, ambos com ligações mais do que provadas com a família do presidente, só comprovam a que ponto chegamos.

Não se trata mais do risco do autoritarismo, mas da face oculta de todas as ditaduras, a violência acobertada pelo Estado ou por ele promovida. As impressões digitais são a prova que vivemos de novo às portas de uma nova ditadura. Aos poucos, vamos nos dando conta como nos custará caro ter anistiado os crimes da ditadura.

*O artigo de José Dirceu foi originalmente publicado o site Metrópoles.