‘Federalização, em meio ao que está acontecendo no país, é temerário’, diz mãe de Marielle

Mais de dois anos após o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a 3ª seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga nesta quarta-feira (27) se o crime deixa de ser investigado pelas autoridades estaduais do Rio de Janeiro para ser assumido por órgãos federais. O pedido de deslocamento de competência foi feito, em 2019, pela então procuradora-geral da República Raquel Dogde.

Alegando falhas nas investigações dos órgãos locais, Dogde solicitou a federalização do caso no último dia de exercício em seu cargo. O atual procurador-geral, Augusto Aras, acolheu o pedido que entrou em pauta nesta quarta pela relatora, a ministra Laurita Vaz.

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Com a federalização, as investigações e o processo deixariam de ser comandados pelas autoridades estaduais. E, nesse caso, passariam a ser responsabilidade da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Federal. No pedido, a então procuradora fala em “inércia” por parte dos órgãos do Rio, mas a família da vereadora contesta o parecer de Dogde.

Economia

Família de Marielle é contra a federalização
Em entrevista a Marilu Cabañas e Glauco Faria no Jornal Brasil Atual, Marinete Silva, a mãe de Marielle, advogada e integrante da direção do Instituto Marielle Franco, destaca que a família e as entidades da sociedade civil são contrárias à federalização por vários motivos. Entre eles, o fato de a mudança de competência poder interromper diversos pontos que já estão avançados na investigação. Na prática, isso significaria recomeçar do zero um caso cuja apuração dura mais de dois anos, mas que avança desde que o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-RJ entrou, segundo Marinete,

“A gente entende que o trabalho que está sendo feito aqui (no Rio), junto às promotoras e à DH (Delegacia de Homicídios), é um trabalho que tem dado resultado positivo. Então não há necessidade de que o que aconteceu aqui deixe ser competência do estado onde aconteceu tudo, e passe para o âmbito federal”, explica. De acordo com Marinete, a PF “sempre esteve dentro do processo. Inclusive eu tive a oportunidade de ver e conhecer vários agentes trabalhando junto com a DH”, conta.

Campanha #FederalizaçãoNão
A Coalizão Negra por Direitos, as companheiras de Marielle e Anderson e mais de 150 movimentos sociais também assinam um manifesto contra a federalização do caso. A campanha #FederalizaçãoNão promove um tuittaço a partir das 13h desta quarta.

A mãe de Marielle também teme que, diante do atual cenário e dos últimos acontecimentos políticos, em que se levantam suspeitas de interferência do presidente da República, Jair Bolsonaro, no trabalho da Polícia Federal, a investigação quanto aos mandantes do assassinato fique em risco.

“Isso vai para o campo político e a gente está vendo uma intervenção muito grande em nível da Polícia Federal, no Brasil todo. Aqui no Rio é público que tem uma coisa muito particular em relação ao governo federal. Não tem nada comprovado, mas a gente entende que a federalização, nesse momento, em meio ao que está acontecendo no país, é temerário. E é temerário porque imagina você iniciar um estudo num processo desse tamanho, um processo que tem várias linhas de investigação”, ressalta Marinete.

A milícia e o clã Bolsonaro
Até agora, a investigação já apontou como executores o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Queiroz. Os dois teriam recebido ordens do chamado Escritório do Crime. O grupo de matadores e milicianos tem como chefe o ex-oficial do Bope – a polícia mais letal do Rio – Adriano Magalhães da Nóbrega. Assassinado em fevereiro desde ano, o miliciano já foi homenageado pelo hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho do presidente, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por duas vezes.

Investigado por um esquema de rachadinha à época em que era deputado estadual, coordenado pelo seu ex-assessor Fabrício Queiroz, Flávio Bolsonaro ainda empregou a mãe e a esposa do chefe do Escritório do Crime em seu gabinete. Nóbrega é considerado peça chave para entender as relações da família Bolsonaro com as milícias.

Não é crime de ódio
Sem essas confirmações, a família não descarta a ligação. E contesta uma das linhas de investigação que aponta o assassinato de Marielle como um “crime de ódio”, motivo pelo qual Lessa teria agido como “lobo solitário”.

“O crime da maneira que foi feito, (foi) totalmente organizado por um mentor daquilo tudo. E depois de tudo o que a gente ouviu naquela reunião (ministerial), a gente imagina o que pode acontecer com esse processo se chegar na esfera federal. Então é uma preocupação. Isso não pode ficar impune, Marielle e Anderson não podem ficar na estatística. Minha filha estava cumprindo o dever dela, estava trabalhando. É inadmissível que isso fique impune”, contesta.

“O mundo inteiro quer cobrar e todo mundo quer saber quem e por que mandaram matar minha filha. Isso é primordial para a gente”, finaliza a mãe de Marielle.

Por RBA