Federações partidárias: vale o quanto pesa ou vale tudo?

Na velha direita, o leilão é mais pesado e o debate é centrado no rateio das cotas do fundo partidário

Por Milton Alves*

As negociações para a formação das federações partidárias – uma medida casuística de reforma política articulada para salvar pequenas legendas e com um nível de ingerência escandaloso do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – promovem à direita e à esquerda do espectro partidário uma tremenda barafunda. Um vale tudo, sem princípios, sem nitidez programática, sem debate entre os filiados dos partidos envolvidos. Uma trepidante corrida maluca contra o tempo e o eleitor.

Além da vexaminosa chantagem que o PSB pratica contra o Partido dos Trabalhadores (PT) – o único partido efetivamente nacional e com uma determinada institucionalidade interna – acompanhamos, no momento, os entendimentos entre o PSOL e a Rede, que incluem até uma inédita “cláusula de consciência” para a ex-ministra Marina Silva. Ou seja, a líder da Rede pretende ter um estatuto especial na federação a ser criada. Marina, segundo informações, não quer apoiar Lula no 1º turno das presidenciais e por isso exige tratamento diferenciado.

Na velha direita, o leilão é mais pesado e o debate é centrado no rateio das cotas do fundo partidário, no futuro controle da mesa diretora do Congresso Nacional e na divisão de áreas de influência/poder das oligarquias regionais. MDB, o fantasmagórico PSDB e algumas legendas do Centrão buscam fórmulas para abrigar tantos interesses inconfessáveis e os projetos de clãs partidários. O Cidadania – ex-PCB, ex-PPS – “negocia” a sua minguada força com 4 projetos de federação partidária ao mesmo tempo. É a luta pela sobrevivência no sentido mais duro e darwiniano do termo.

Há arautos que enaltecem o instituto das “federações” como algo transcendental, renovador, para o atual sistema político e eleitoral do país — cada vez mais desgastado, burocratizado e distante da população. Nada mais falso e longe da realidade.

Economia

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O curso atual do processo político, com a adoção de afogadilho dos arremedos federativos, prolonga a crise institucional do país (que foi radicalizada com o golpe neoliberal de 2016 contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, e com o experimento autoritário da Lava Jato) –, o que facilitou o caminho para a devastação do país pela extrema direita bolsonarista — neofascista e ultraliberal.

Os arranjos partidários atuais reproduzem em novo formato a crise de representação do sistema político e eleitoral. Outro fator gerador e permanente de crise, é a acintosa tutela do generalato das Forças Armadas. O Partido Militar tutela desde as normas e portarias eleitorais do TSE até a origem e o formato das urnas eletrônicas. Um exemplo de tamanha ingerência foi o questionário formulado pelos generais para o TSE: um exame de perguntas e respostas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. Escárnio que precariza, mais ainda, a vida institucional do país e abre a possibilidade para fraudar a vontade e a decisão do eleitor. Vide a decisão dos generais que tirou o direito de Lula de disputar as eleições de 2018.

A modelagem barrosiana de federação partidária aprofunda as mazelas do antigo sistema de coligação, impede a renovação parlamentar (principalmente dos setores populares: trabalhadores, mulheres, negros) e facilita mais ainda o controle das mesas diretoras do Congresso Nacional pelos partidos da direita neoliberal, funcionando como uma espécie de “espada de Dâmocles” para um futuro presidente mudancista e antineoliberal. É um elemento de blindagem e estabilização institucional para assegurar, sem maiores riscos, a continuidade da recolonização neoliberal do Brasil, assim como foi a aprovação da lei que tornou o Banco Central independente dos interesses nacionais, é claro.

Agrupar a esquerda, federar não

Do ponto de vista de um projeto democrático-popular e antineoliberal, a modelagem da federação partidária implica em riscos como a diluição partidária (no caso do PT, o maior partido, mais estruturado e com tradição de vida militante, com correntes internas organizadas em todo país) e o rebaixamento programático. Não é à toa as dificuldades surgidas para acertar o compasso com o PSB, uma legenda difusa e capturada em diversos estados pela direita. Há ainda as dificuldades estruturais do PCdoB e a necessidade de compatibilizar as legítimas reivindicações de autoconstrução do PSOL.

Diante das dificuldades políticas e do curto prazo para a formação das federações, uma saída política e organizativa para os partidos de esquerda (PT, PSOL e PCdoB) é a aposta numa frente de esquerda eleitoral para as eleições de outubro, incluindo o PSB — se possível. E amadurecer o debate sobre a federação após as eleições de outubro.

Além disso, instituir uma federação partidária sem voto em lista, sem um sistema de prévias para a definição de candidaturas majoritárias, sem debate programático e com a permanência do voto uninominal é um erro político grave, que, em última instância, deforma e distorce a vontade do eleitorado progressista. E isto não é um debate de caráter principista: ao contrário, é uma exigência para a permanência e o desenvolvimento de uma força política verdadeiramente vinculada aos trabalhadores e a defesa da soberania da nação.

A atual proposta de federação partidária não resolve também a questão da governabilidade. É mais uma falácia dos arautos das pretensas virtudes federativas.

Portanto, a construção de um programa de esquerda é inseparável da defesa de uma reforma política democrática e inclusiva, medida fundamental para criar as bases de um sistema político mais representativo dos anseios populares. E, no bojo de um triunfo democrático, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte é o caminho para enterrar o entulho institucional herdado da ditadura e preservado pelo pacto constituinte de 1988.

Termino com duas perguntas: é possível e desejável um programa e uma coligação de esquerda ou seguimos no vale tudo do acordão com os neoliberais? Não seria o caso da esquerda levantar desde já a bandeira em defesa de eleições limpas e democráticas?

*Milton Alves é ativista social. Jornalista e escritor. Autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), de ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020) e ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) – todos pela Kotter Editorial.