Em artigo, Gleisi pede suspeição de Moro e justiça para Lula

  • “Não sei que espécie de jurista o jornal (Folha de S. Paulo, em editorial) consulta para difundir a tese – esta sim, extravagante e heterodoxa – de que a suspeição em relação ao réu se aplicaria a determinado processo e não à pessoa do magistrado que neles atua”, adverte a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann

É notável que a Folha de S. Paulo, em seu editorial deste sábado, junte-se a outras vozes na imprensa que vêm reconhecendo o insofismável: Lula merece um julgamento justo, diante da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, rigorosamente descrita no habeas corpus apresentado pelos advogados do ex-presidente em 2018, que aguarda conclusão de julgamento no Supremo Tribunal Federal, e escancarada de forma contundente nos diálogos que a defesa vem acostando aos autos.

Mas é também notável que a Folha, assim como outros protagonistas agora envergonhados da cruzada pela prisão de Lula, sustente que a suspeição de Moro seja circunscrita ao caso do tríplex. Como se as outras condenações da Vara de Curitiba – e note-se que Lula foi absolvido por todos os demais juízes que já decidiram em ações contra ele – não estejam contaminadas pelas graves ilegalidades que a Folha trata delicadamente de “extravagâncias” e “heterodoxias”.

Moro comandou a Lava Jato desde antes da apresentação das denúncias que ele viria a instruir e julgar com o objetivo previamente traçado de condenar Lula e exclui-lo do processo eleitoral. Tratou o acusado como inimigo pessoal e político. É isso que a lei define como suspeição e falta de imparcialidade de um juiz, e que vem a somar-se ao imenso rol de ilegalidades cometidas por ele e pelos procuradores para cercear a defesa, forjar provas e manipular a opinião pública contra seu alvo, com a indispensável cumplicidade da mídia.

A parcialidade de Moro contaminou todas as ações da Lava Jato contra Lula, sem exceção. Desde as manobras e chantagens, até mesmo contra ministros de tribunais superiores, para usurpar a competência sobre investigações que não eram da Vara Federal de Curitiba, até o balcão de compra e venda de delações direcionadas unicamente a condenar Lula. As digitais do ex-juiz estão nas escutas ilegais, de advogados e até da presidenta Dilma, nas prisões arbitrárias, nas apreensões ilegais e até na sentença da juíza que o substituiu; na conveniente cegueira dos que confirmaram suas sentenças.

Não sei que espécie de jurista o jornal consulta para difundir a tese – esta sim, extravagante e heterodoxa – de que a suspeição em relação ao réu se aplicaria a determinado processo e não à pessoa do magistrado que neles atua. Não é o que diz a lei nem a doutrina. Não há meia suspeição nem meia justiça. Enveredar por um caminho injurídico, para limitar ao caso tríplex os efeitos do habeas corpus que abrange explicitamente todos os atos de Moro em relação a Lula, seria confirmar a natureza essencialmente política da perseguição judicial ao ex-presidente.

Deve ser realmente difícil para a Folha e os demais protagonistas desta caçada reconhecer o papel que exerceram na maior farsa judicial da história.

Economia

Certamente por isso as petições da defesa de Lula ao STF com os indecentes diálogos não estejam nas manchetes, como estiveram os pedalinhos dos netos de Lula, as conversas íntimas de dona Marisa com os filhos, as acusações sem provas de qualquer candidato a delator. Precisam se agarrar a outra farsa, a de que a Lava Jato teria combatido a impunidade, quando de fato corrompeu a justiça e legalizou a corrupção de dezenas de delatores que seguem livres e ricos, depois de traficar com os procuradores um mero pedágio sobre suas fortunas.

Vai demorar ainda para que toda a verdade venha a ser reconhecida e conhecida pelo conjunto do país. A mentira custou a Lula 580 dias de prisão ilegal, que nenhum editorial poderá apagar, e o roubo de seus direitos políticos que ele busca recuperar no habeas corpus que o Supremo Tribunal Federal ainda não acabou de julgar. E custou ao Brasil um dano incalculável, que está sendo cobrado especialmente de milhões de desempregados e famílias destruídas por um governo de destruição nacional, o verdadeiro produto da Lava Jato e dos que sustentaram esta farsa.

A reconstrução do país, da credibilidade do Judiciário e da esperança no futuro começa, necessariamente, pela anulação dos processos contra Lula que estão raiz da tragédia brasileira. Todos, sem exceção.

Gleisi Hoffman (PR), Presidenta Nacional do Partido dos Trabalhadores.

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Agora, veja o que disse a Folha de S. Paulo em seu editorial neste sábado (27) –tentando salvar a Lava Jato.

FOLHA DE SÃO PAULO
EDITORIAL

O pós-Lava Jato

Gravações impõem revisão do caso Lula no STF, mas sem abrir espaço à impunidade

Desde que vieram a público, em junho de 2019, os primeiros vazamentos de conversas entre investigadores da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, ficou evidente que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não teve um julgamento imparcial no caso do famigerado apartamento de Guarujá (SP).

As gravações mostraram uma proximidade inaceitável entre magistrado e acusadores, o que é razão suficiente para a suspeição.

O site The Intercept Brasil e parte da imprensa haviam tido acesso às mensagens. Em julho daquele ano, a Polícia Federal deteve o hacker responsável pela invasão dos celulares de integrantes da Lava Jato, apreendendo o arquivo completo.

Por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, colocou-se o material à disposição dos advogados de Lula.

À medida que mais mensagens vão sendo examinadas, mais heterodoxias vão sendo descobertas. É particularmente chocante o diálogo entre dois procuradores debatendo o que devem fazer diante da informação de que uma delegada da Polícia Federal havia lavrado termo de depoimento de testemunha que não fora ouvida.

Há não poucas evidências de que a Lava Jato em várias ocasiões extrapolou. Cumpre lembrar, porém, que as gravações resultam de uma invasão ilegal a celulares. Não podem ser empregadas como prova para incriminar ninguém; podem, contudo, ser usadas pelas defesas de réus para pleitear nulidades.

Aqui as coisas se complicam. Não resta dúvida de que o devido processo constitui uma das mais importantes garantias do Estado de Direito. Entretanto cabe a tribunais e particularmente ao STF ser criteriosos na decretação de nulidades.

Não parece inevitável estender automaticamente as nulidades a todas as provas produzidas e a outros processos envolvendo o ex-presidente —como o do sítio de Atibaia (SP), que já rendeu condenação no TRF-4— e outros réus. “Pas de nullité sans grief” (não há nulidade sem que se prove o prejuízo), diz o velho brocardo jurídico.

Se a Lava Jato nem sempre se comportou como deveria, há ainda mais evidências de que os esquemas de corrupção por ela investigados eram terrivelmente reais. Bilhões de reais desviados foram recuperados, dezenas de envolvidos confessaram seus crimes e grande parte das condenações foi confirmada por instâncias superiores.

Isso também vale para Lula —o caso do apartamento merece, claramente, o escrutínio da Justiça.

Infelizmente, surgem no momento sinais inquietantes de que o Brasil pós-Lava Jato corre o risco de retornar ao velho padrão de impunidade, no qual vistosas operações contra a corrupção se perdem nos escaninhos do Judiciário.